A possibilidade de canalizar parte da verba dos programas de pesquisa e desenvolvimento para a execução de projetos por meio de fundos patrimoniais não cria, aparentemente, riscos à forma atual de alocação desses recursos, na opinião de especialistas ouvidos pela Agência CanalEnergia. A possibilidade está prevista na Medida Provisória 851, publicada no último dia 11 de setembro e que prevê a criação desse tipo de fundo para captação de recursos em diversas áreas.
“A princípio, a gente não está vendo risco iminente, a não ser que a MP, na hora de virar lei, seja regulamentada de uma forma diferente do que está previsto”, diz o coordenador de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Light, José Tenório Barreto. O assunto começou a ser discutido no grupo de trabalho de P&D da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica, o qual Tenório também coordena.
O representante da Abradee e da Light acredita que a opção de repassar recursos pode ser interessante para empresas com receita operacional líquida muito pequena, que têm poucos recursos para pesquisa e desenvolvimento e dificuldades para montar projetos. “Grandes concessionárias, como Light, Eletropaulo e Cemig, certamente não terão interesse, até porque já têm uma gestão bem coordenada e projetos bem robustos na área. Não faz sentido investir em um fundo setorial”, avalia o executivo.
Barreto destaca que o programa de pesquisa e desenvolvimento do setor elétrico tem 18 anos, está maduro e alavanca muitas iniciativas das concessionárias. Por isso, observa “não faz sentido pensar em retroceder com um programa desses, que traz tantos benefícios para o setor elétrico e a sociedade”, diz.
A advogada Rafaela Rocha Moreira, do escritório Martorelli Advogados, lembra que a própria exposição de motivos da MP deixa claro que o objetivo da medida é criar mais uma opção de uso dos recursos que as empresas têm para aplicar em projetos. Parte desse dinheiro pode ser aportada em um fundo específico do setor ou em uma instituição pública que vai desenvolver projetos voltados para aquela área, explica Rafaela.
No setor de energia, as ações serão voltadas para projetos de P&D. A MP autoriza empresas que sejam obrigadas por lei ou por contrato a investir em pesquisa, desenvolvimento e inovação a aplicarem recursos dos programas atuais em fundos patrimoniais exclusivos de instituições públicas e em fundos de investimento e participações de categorias específicas.
“Eu não tenho preocupação [em relação a uma eventual fuga de recursos dos projetos atuais], porque é obrigatório que esses recursos sejam alocados pela gestora do fundo patrimonial em projetos de energia. E aí a Aneel só vai poder liberar a empresa dessa obrigação se entender que aquilo lá atendeu a finalidade da norma”, diz a advogada. Ela diz que a medida amarra alguns pontos e a regulação deve amarrar ainda mais. E aponta com uma vantagem a possibilidade de que os agentes do setor estabeleçam parcerias em determinados projetos, o que pode contribuir para ampliar o alcance dessas propostas.
O coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ, Nivalde de Castro, destaca como risco da proposta “a probabilidade de sair um cavalo de troia [do Congresso Nacional]”. Primeiro, lembra Castro, porque é uma medida provisória. “Aquilo entra no Congresso e a gente não sabe como sai.”
O economista diz que, na forma como foi construída, a medida não tem o menor sentido e necessidade para o setor elétrico, já que há toda uma dinâmica de utilização de recursos nos projetos de P&D. “As empresas cada vez mais qualificam, criam equipes, para tornar mais profissional, mais eficiente, o uso desses recursos”, justifica Castro.
Outro ponto negativo que ele destaca da MP em relação ao setor é que a proposta é de uma complexidade tão grande, em sua avaliação, que tudo indica que ela não foi feita para o setor elétrico. Como a matéria ainda vai passar pela análise do Congresso Nacional, a tendência é ficar pior. “É o histórico que a gente tem em medida provisória.”
Regulação
A MP 851 ainda esta em análise pela Agência Nacional de Energia Elétrica, responsável pela definição de regras e pela aprovação dos programas de P&D das concessionárias do setor. Em tese, a agência reguladora teria de regulamentar as novas disposições da MP, estabelecendo as condições para que as empresas pudessem participar dos fundos.
Consultada, a agência informou que prefere não se manifestar ainda sobre o tema. “No momento a área [responsável pelos programas de P&D] está consultando a Procuradoria para saber se haverá necessidade de criação/alteração de regulamento da Aneel para o cumprimento do direito estabelecido na MP 851/18 em relação ao reconhecimento dos investimentos obrigatórios em P&D”, respondeu, por intermédio da assessoria de imprensa.
(Nota da Redação: matéria alterada às 12:06 horas do dia 17 de setembro de 2018 para correção do nome do representante da Abradee)