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Um debate promovido pela Aneel sobre a participação de todos os segmentos interessados nos estudos iniciais para a identificação de novos potenciais hidrelétricos reforçou a discussão sobre a retomada de usinas com reservatórios no país.  “O que estamos discutindo é como podemos mudar a forma de fazermos inventário, tentando ter a participação mais efetiva de todos os envolvidos na hidrelétrica. Aqueles que, normalmente, são chamados de impactados ou de afetados. São agentes do meio ambiente, da comunidade indígena, a sociedade de modo geral etc”, explicou o superintendente de Concessões e Autorizações de Geração da agencia, Hélvio Neves Guerra.

Responsável pela organização do 1º Workshop Inventários Hidrelétricos Participativos, Guerra ressaltou a convergência de opiniões de autoridades e especialistas participantes do evento em relação à necessidade de mudança do formato atual dos estudos do setor.  “Hoje, o inventário [hidrelétrico] é  feito pelo setor elétrico e devem ser estudadas as variáveis ambientais e tudo o que foi falado aqui. Mas sempre sob a ótica do setor elétrico. Esperamos que seja diferente. Não é o setor elétrico ampliar a visão dele sobre o meio ambiente, é inserir o meio ambiente na discussão.”

O evento aconteceu na última quinta-feira, 20 de setembro, e reuniu na sede da agência reguladora especialistas em recursos hídricos, representantes de órgãos ambientais, da Fundação Nacional do Índio, do Ministério Público e de instituições públicas e privadas do setor elétrico. A ideia de envolver diferentes segmentos na discussão parece ter agradado a todos,  apesar da polêmica que sempre cerca a implantação de novos empreendimentos. Guerra vai propor um novo workshop em março de 2019.

O assunto reservatórios já havia sido tema de outro evento no inicio da semana em Brasilia, dessa vez patrocinado pelo Ministério da Fazenda. Hélvio Guerra confessa que pessoalmente acredita na retomada de usinas com poder de reservação. Em sua opinião, o potencial hidrelétrico precisa ser aproveitado pelo Brasil porque gera energia limpa, renovável, e contribui para a ampliação de usinas eólicas e fotovoltaicas.

O secretário de Fiscalização de Infraestrutura de Energia Elétrica do Tribunal de Contas da União, Manoel Moreira de Souza Neto, apontou a pouca integração entre os diferentes órgãos setoriais para uma avaliação sistêmica dos estudos de inventário de novas usinas. Ele observou que os projetos hidrelétricos têm que levar em conta as dimensões ambiental (energia renovável, baixas emissões), social e técnico-econômica.

Há dois meses, o TCU propôs ao governo a criação de uma matriz de referência considerando essas dimensões, após identificar um distanciamento muito grande entre o que está no planejamento e o que é efetivamente implantado. Foi feita também sugestão para a criação de uma instancia decisória formal, que esteja acima e ao mesmo tempo reúna todas as instituições envolvidas nos estudos de novos empreendimentos. A ideia, segundo o técnico do tribunal é que as decisões sejam tomadas de forma integrada e sistêmica e se evite que um único ato de algum dos órgãos envolvidos vete tácita ou explicitamente os projetos.

O diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico, Luiz Eduardo Barata, acredita que fazer um trabalho de forma integrada é o mais difícil no Brasil, porque todo mundo fica em volta do próprio umbigo. Ele afirmou que se o país tivesse mais hidrelétricas com um fator de regularização de reservatórios como tinha no passado a operação seria muito mais fácil. Lembrou também que o uso dos recursos hídricos é uma questão mais ampla.

“Nós temos ainda aproveitamentos que estão fora de áreas indígenas e que podem se inventariados antes desse outros, que tem discussão maior. Porque, vamos reconhecer, o país passa por um momento de divisão em que se discute tudo”, disse Barata. O executivo considerou o debate sobre o tema excepcional porque ele põe o assunto em pauta.

O diretor de Estudos de Energia Elétrica da Empresa de Pesquisa Energética, Amílcar Guerreiro, avaliou que há espaço para usinas com reservatórios. “A barragem reservar água é um bem. Não por acaso, a segurança hídrica é tema do próximo Fórum Mundial da Água, no Senegal.”

“Nós não temos nenhum preconceito com nenhuma fonte, mas não podemos deixar de investir em hidroeletricidade”, afirmou o secretário-executivo adjunto do Ministério de Minas e Energia, Edvaldo Luis Risso. Para o técnico, a energia hidrelétrica “é uma senhora de 130 anos” que vem colocando o país na liderança da energia sustentável no mundo.

O secretário do MME reconheceu que existe um litígio legítimo, talvez pela falta de regras para a consulta pública aos povos afetados pelos empreendimentos. Essa consulta está prevista na Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho, que o Brasil é reiteradamente acusado de descumprir na implantação de grandes projetos de infraestrutura.

Para o promotor Delson Leone, do Ministério Público de Goiás, “há um custo social e na ponta”, e a comunidade afetada pelos empreendimentos tem que ser escutada. Leone defendeu o fortalecimento dos órgãos ambientais, observou que há  interesses de todo tipo envolvidos e que a discussão sobre a necessidade de reservatórios envolve cenário muito mais amplo que o setor elétrico. “Hoje os usos são múltiplos.”

Para o representante do MP, quando há diálogo entre todos os atores envolvidos, o êxito de conciliação é muito alto. Por isso, acrescenta, o entendimento tem que ser buscado a todo custo.

O superintendente da Agência Nacional de Águas, Flavio Tröger, disse que a posição da ANA é favorável à ampliação da capacidade de reservação do país. “A gente vê como muito importante a possibilidade de aproximar os instrumentos de decisão”, disse Trögger.

Para a antropóloga Bianca Nogueira, da Fundação Nacional do Índio, a construção dos inventários hidrelétricos de forma participativa seria importante para reduzir os conflitos com os povos indígenas. Uma das principais reclamações é justamente a falta de diálogo, já que as audiências publicas acontecem normalmente no processo de licenciamento, quando povos indígenas, ribeirinhos e outros povos tradicionais, como quilombolas, já não conseguem influenciar nas decisões.

Segundo a técnica da fundação, os povos indígenas tem seus espaços de caça, seus locais sagrados, e também seu próprio tempo para a maturação de decisões. Ela acredita que talvez nessa etapa de inventario seja possível amadurecer processos com os indígenas, para que não aconteçam conflitos com o empreendedor.

“O papel da Funai tem sido muito esse, de apagar fogo no momento do empreendimento”, disse. Na avaliação da especialista, se a intenção é ter processos menos conflituosos e com mais custo benefícios, é necessário começar a construir protocolos de procedimentos.

O vice-presidente do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, Ênio Fonseca, destacou como um dos problemas do licenciamento ambiental de empreendimentos a grande quantidade de normas existentes. “São 29 mil normas legais em todos os âmbitos”, afirmou o executivo, que considera “absolutamente impossível” encontrar soluções fáceis na questão do licenciamento, diante desse emaranhado de regras. Para Fonseca, o estudo de inventário precisa ser revisto e otimizado.