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Com potência instalada de 350,2 MW na parte mais baixa do Rio Iguaçu, entre os municípios paranaenses de Capanema e Capitão Leônidas Marques, a hidrelétrica Baixo Iguaçu deve iniciar a operação de sua primeira unidade geradora ainda em dezembro deste ano, dependendo agora apenas de um parecer do Iphan e a licença de operação por parte da Aneel.
Leiloada em 2008, a usina só começou a ser construída cinco anos depois, por conta da dificuldade de aceitação dos órgãos normativos quanto aos estudos iniciais que comprovassem a mitigação dos impactos socioambientais na região, que fica muito próxima ao Parque Nacional do Iguaçu, área de preservação da Mata Atlântica. Fora todas negociações para definição das questões fundiárias relativas as famílias dos agricultores atingidos pela barragem.
De acordo com o presidente do Consórcio Empreendedor Baixo Iguaçu – CEBI, José de Anchieta, formado por Neoenergia e Copel, as paralisações e uma cheia histórica em 2014 foram os principais fatores que atrasaram as obras, que se encontram agora praticamente concluídas.
Quem anda pelo vertedouro da usina ainda percebe caminhões retirando a última ensecadeira, uma barreira temporária de rocha e terra cuja função é conter a água em um trecho do leito do rio junto à margem direita, do lado de Capitão Leônidas, e que permitem a construção da casa de força e de parte do vertedouro, possivelmente as fases mais complexas para a engenharia do projeto. Também estão sendo realizados ajustes finais na subestação local e a limpeza da parte interior da construção, onde estão instaladas as turbinas.
“Quando cheguei em março do ano passado, tinham três propriedades compradas apenas. A obra estava se arrastando e pensei se iriamos dar conta. Então pleiteamos a questão junto a Aneel, que reconsiderou o prazo”, lembrou o presidente.
A hidrelétrica é a sexta e última a ser construída no leito do Iguaçu, o maior rio do Paraná, que irá subir cerca de 15 metros quando as 16 comportas abrirem em seu vertedouro, um dos maiores do país, superando inclusive o de Itaipu, e que foi dimensionado para descarregar a maior vazão possível, estimada em 53.585 m³/s. As outras usinas do rio são todas de maior porte: Foz do Areia, Governador Ney Aminthas de Barros Braga, Governador Beto Richa, Salto Santiago e Salto Osório.
José de Anchieta salientou que o impacto ambiental em Baixo Iguaçu é o “mínimo possível”, pois o lago será operado “a fio d’água”, com um reservatório pequeno, que não precisará acumular um volume hídrico considerável para regularizar a vazão do rio. Mais do que isso, a hidrelétrica terá a função de regular os níveis de água nas Cataratas do Iguaçu, localizadas a 90 km abaixo da UHE.
“Em determinados períodos de baixa vazão as Cataratas chegavam a secar em alguns pontos. São 360 m³/s do rio que temos que verter o tempo todo, para não secar lá. Para se ter uma ideia, se secar aqui, 30 horas depois falta água nas Cataratas”, afirmou.
Na visão de Anchieta, além de regular o nível das quedas, o principal fator que justifica o empreendimento junto a matriz elétrica nacional é o fato de uma região propícia aos recursos hídricos possa gerar energia mais barata do que outras fontes. “Uma geração mais firme, com menos dependência das térmicas e com kW mais barato”, defendeu.
A usina é uma obra do Programa de Aceleração do Crescimento, o que possibilitou investimentos de R$ 1,6 bilhão, permitindo uma capacidade instalada para atender ao consumo energético de aproximadamente 1 milhão de pessoas a partir da movimentação de três hidrogeradores de 116,7 MW. A produção passará por uma linha de transmissão de 57 Km, construída para ligar a usina à subestação Cascavel (PR), e consequentemente ao Sistema Interligado Nacional.
Num acordo de acionistas, cada qual podendo comercializar a parte de sua porcentagem nas ações, a Copel, detentora de 30% dos papéis, ficou responsável pela chamada Engenharia do Proprietário, acompanhando toda construção do empreendimento, cujas obras civis são de execução da Odebrecht.
Também foi fechado um contrato com a GE Renewable Energy para o fornecimento de todas as peças e equipamentos da usina, com destaque para as três turbinas do tipo Kaplan de eixo vertical. Segundo a Copel, as máquinas e comportas vieram de Taubaté (SP) e até de Rondônia, “via estrada, com carretas imensas”. Já a Neoenergia responde pela parte de operação e manutenção.
De acordo com o Consórcio, 1500 operários e técnicos trabalham atualmente na planta, que já contou com 4 mil colaboradores no ápice da obra. Mas há também uma série de profissionais indiretos contratados de empresas terceirizadas para trabalhos específicos, geralmente para cumprimentos das condicionantes ambientais, como qualidade da água, monitoramento da ictiofauna, entre outros.
Atrasos nas obras
Problemas foram recorrentes durante a implantação da hidrelétrica, que passou por diversas paralisações em seis anos. A maior interrupção aconteceu entre 2014 e 2016, quando Tribunal Regional Federal da 4ª Região suspendeu a licença de instalação da usina, determinando que o ICMBio se manifestasse em todas as etapas do projeto a partir daquela data. Na época, o Instituto alegou que uma anuência não havia sido atendida. Após várias reuniões, em 2016, a deliberação foi requerida através da comprovação da importância da obra para regularizar o nível hídrico nas Cataratas.
Outro fator que postergou o andamento das obras foi uma cheia sem precedentes na história da região e do país, que rompeu uma das ensecadeiras e carregou um guindaste. “No trabalho de energia da obra levamos em conta questões como essa, e normalmente esses fenômenos acontecem a cada 100 anos. No caso da vazão dessa enchente, detectamos que se tratar do tipo que acontece há cada 350 anos”, afirmou o gerente de Meio Ambiente da hidrelétrica, Guilherme Siqueira.
Pelo cronograma do CEBI, Baixo Iguaçu deveria começar a operar em 12 de novembro deste ano, mas algumas questões burocráticas junto ao Ibama e outras junto ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, adiaram o início da operação.
“Por conta de problemas que fugiram de controle vamos começar em dezembro. Mesmo assim estamos honrando os contratos de energia que já fizemos a partir desta data que era a inicial”, ressaltou Anchieta.
Para encher o reservatório, além do parecer do Instituto Ambiental do Paraná – IAP, que terminou as tratativas na semana passada, houve um litígio com uma reserva da Mata Atlântica que o Ibama embargou, mas que foi resolvido mês passado pelo Consórcio, que aguarda ainda um parecer do Iphan quanto aos sítios arqueológicos, cuja liberação foi prometida para o começo do mês. “É só uma questão de cartório. Mas o tempo deles não é o nosso. O reservatório está totalmente limpo e pronto”, explicou
Apoio socioambiental
Capanema e Leônidas Marques, cidades diretamente abrangidas pelo empreendimento, receberão uma compensação financeira pelo uso da água e da terra quando a usina estiver em operação, o que aumentará a receita das prefeituras. Em quatro anos, as duas cidades receberam R$ 15 milhões por terem as maiores áreas, sendo diretamente beneficiadas com o aumento na arrecadação de impostos, além da geração de empregos e aquecimento da economia local.
Por sua vez, Planalto, Realeza e Nova Prata do Iguaçu receberam montantes menores, pois tem menos lotes envolvidos. Depois da UHE entrar em operação, os cinco municípios receberão royalties de R$ 4 milhões ao ano, a ser dividido proporcionalmente pelas respectivas áreas inundadas.
Outro ponto é a atenuação dos impactos que podem ocorrer pela população de fora que vem e se instala para trabalhar na obra. Baixo Iguaçu, sendo a última hidrelétrica de seis na cascata, acabou sendo o destino de muitos trabalhadores que vieram para a construção da primeira usina do rio e acabaram ficando. É o chamado barrajeiro, que vai indo de obra em obra.
As empresas construtoras deste tipo de usina constroem verdadeiras cidades para erguerem estes empreendimentos, e o CIBE priorizou a mão de obra local, com mais de 70% dos trabalhadores sendo oriundos da região. “Aqui existia um alojamento para mais de 2 mil pessoas, com toda infraestrutura de um município, para evitar justamente um impacto direto na cidade de Capanema. Agora moram basicamente os funcionários do escritório”, contou Anchieta.
O apoio aos municípios e comunidades locais centrou-se no reforço à educação, saúde e segurança. Houve a compra de equipamentos para a área da saúde, UTI móveis, câmeras de segurança em todas as cidades, com ilhas de monitoramento, delegacias modernizadas, e escolas reformadas e outras construídas.
“Nós sentamos com o prefeito, definimos uma verba e ele definiu a prioridade do município dele, que conhece a realidade local. A reforma na área de saúde ficou um espetáculo. É um legado porque essa usina já faz parte da comunidade”, declarou.
Quanto ao desenvolvimento sustentável e compromissos ambientais nas etapas de implantação e operação da usina, foram ao todo 32 programas socioambientais desenvolvidos para o monitoramento e à preservação dos ecossistemas.
A maioria dos recursos irá para o Parque Nacional do Iguaçu, como para o Programa Onça Pintada, criado para perceber os conflitos desse animal com a sociedade, que pode por exemplo invadir propriedades para se alimentar de pequenos animais. É parte do projeto de Educação Ambiental para escolas e trabalhadores da usina, que também abarca vistorias na construção para as melhores práticas, além de outros projetos contra o desmatamento, e para saber o grau da qualidade da água e dos peixes. Outro exemplo é o corredor de conectividade de biodiversidade com o parque, para realizar da melhor forma a recuperação florestal em faixas de transição.
Uma condicionante do ICMBio para o funcionamento do empreendimento foi o plano de ação nacional, uma portaria do órgão federal para preservação da fauna, sendo Surubi do Iguaçu a espécie mais icônica desse estudo, através do monitoramento telemétrico, via chips acoplados nos animais.
Outros Programas que se destacam é o de Comunicação Social, importante para interação com a comunidade, que passa a conhecer a obra e entender um pouco de engenharia e energia, e o Programa turístico, que através de um guia e site busca fomentar o potencial atrativo para a atividade que transforma o rio em lago e a força das águas em energia.
Assentamentos
Segundo o CIBE, para implantação da usina foram 345 propriedades negociadas com proprietários e fundiários. E mais de 800 famílias requerentes à benefícios, passando de 600 o número que tiveram direito a algum tipo de assentamento.
Alguns foram indenizados totalmente, outros foram para os três reassentamentos rurais coletivos criados pelo Grupo, um ainda em construção. Outra opção foi os Reassentamentos em Áreas Remanescentes – RAR, que é a junção de lotes inutilizados, mas em bom estado, o que torna certas terras atrativas para reassentar.
Muitos adotaram a prática iniciada em Belo Monte, chamada de auto reassentamento, que é o direito do arrendatário a uma carta de crédito, valor que hoje é fornecido pela empresa para a pessoa procurar uma área para a própria empresa estruturar tudo, e não simplesmente entregar o dinheiro.
A empresa compra a área, faz os lotes, constrói casa, galpão e coloca energia e água, além de oferecer uma assistência técnica básica para o acompanhamento dos produtores. O custo, segundo o Consórcio, é de cerca de R$ 1 milhão por lote e família.
No Assentamento Rural Margem Esquerda – RRC, localizado em Capanema, há nove famílias que receberam propriedades e estão morando na região há 2 meses, tendo mais duas previstas para entrarem após a conclusão de mais casas. O outro tem três famílias e o último a ser construído, contará com sete famílias.
Dentro desse RRC, no Lote 8, Cléo Adriano Bauer, 30 anos, planta milho, feijão, soja e às vezes aveia, quando muda a safra. Mas é o gado leiteiro que vem mantendo a renda do agricultor, através do leite que ele vende para um laticínio do município.
“Faz uns 80 dias que estamos aqui, mas a gente acostumou rápido. A terra é boa, é só olhar para ver”, apontou o produtor para suas terras, contente também por alguns de seus vizinhos antigos terem sido realocados por perto.
Segundo o Analista de Comunicação do Consórcio, Constantino Kotzias, 15 famílias ainda brigam na região do Remanso para ter algum direito sob a usina, mas legalmente não os possuem, porque não eram ocupações datadas no início do empreendimento. “Todo final de obra é assim, chegam muitos interessados aos benefícios”, desabafou.
Pela lei, os moradores que são catalogados na estrutura da época de início da obra, em 2012, fazem parte do cadastro válido, composto pelas mais de 800 famílias, e que segundo o CIBE foi todo atendido. “Um percentual elevado para o tamanho deste empreendimento”.
José de Anchieta destacou que a maioria dos beneficiários não era proprietário de terras: viviam de arrendar um pedaço em um canto e noutro, dividindo a produção com o proprietário. Antigamente era preciso pagar apenas ao dono da terra. Hoje, essas pessoas passam de arrendatários para proprietários, com direito ainda a assistência técnica de cinco anos. Hoje, essas pessoas podem se dizer donos de suas terras, com casa para morar e renda própria.
“Entregamos a terra escriturada e registrada em cartório. Teve família que teve 14 membros beneficiados, pois a lei também contempla os inquilinos e não apenas o proprietário”, explicou o presidente.
*O repórter viajou a convite da Neoenergia