O avanço das renováveis vem causando uma mudança na forma como os países vêm planejando a expansão de seu sistema. Aqui na América do Sul um dos exemplos é o Chile que está terminando de detalhar sua nova lei de energia com importantes mudanças na maneira com que a expansão dos ativos de transmissão e de geração renovável são desenvolvidos. E nesse sentido, a transmissão vem ganhando um papel de maior importância no modelo de planejamento com uma maior proatividade desse segmento para a indução de novos investimentos da geração renovável e assim garantir o cumprimento das metas de redução de carbono com menor custo possível e o suprimento.
De acordo com o professor Alexandre Street, do Departamento de Engenharia Elétrica do Centro Técnico Científico da PUC-Rio (CTC/PUC-Rio) a transmissão precisa ser considerada em três aspectos diferentes que podem ser classificadas como suas externalidades. Ele, que está contribuindo em alguns aspectos desta lei chilena, aponta que a ideia de proatividade do planejamento de transmissão poderia ser aplicado até mesmo no Brasil, mesmo com a atual malha de cerca de 140 mil quilômetros de extensão.
Um os problemas que é visto atualmente é a separação entre o tempo de construção entre os ativos de transmissão e o de usinas de fontes renováveis, que estão descasados atualmente. Ele lembra que um parque eólico pode ficar pronto em questão de dois anos e a solar em um período mais curto de tempo, enquanto isso as tradicionais usinas térmicas ou hidrelétricas, tradicionais em nosso sistema, mas cada vez mais raras levam mais tempo para ficarem prontas. Por isso, defende ele, a ideia é de que haja uma alteração na forma de planeja o sistema ao integrar a geração e transmissão em um plano global ao invés de ser medidas separadas.
“As linhas de transmissão têm outros dois papeis além de conectar o gerador ao centro de carga”, explicou o acadêmico. “Um deles é o papel de confiabilidade de rotas alternativas e que deve ser pensado em conjunto com a linha principal o que leva a um plano ótimo conjunto. O terceiro é a possibilidade de se fazer os usos múltiplos dos recursos renováveis e a compensação quando em uma região tem a geração e outra não por motivos naturais, como quando para de ventar em uma área enquanto em outra há o recurso”, complementou ele, que afirmou ainda que ao se considerar essas três especificidades é possível alcançar o uso ótimo dos recursos naturais a um preço mais baixo que esteja disponível naquele momento.
“Os três papeis tornam uma linha de transmissão um ativo crucial para o desenvolvimento da expansão da geração”, adicionou Street. Em sua análise esse segmento deveria ser utilizado para o desenvolvimento de clusters de usinas ao ser uma forma de atração de geradoras para uma determinada região de interesse de um país. E o incentivo pode ser ainda pensado por meio de serviços ancilares para o sistema como um todo.
No Brasil, comentou o acadêmico, a prioridade na expansão leva em conta apenas o primeiro uso das linhas. E, em sua opinião o país poderia muito bem importar essa ideia de como planejar o sistema localmente. Para Street, a academia, por ser um meio onde o interesse pelo estudo técnico é feito como seu principal objetivo, poderia ser o caminho de se desenvolver conceitos e pilares dos projetos de forma estruturada antes de um processo ser iniciado. Ele critica a forma como essas questões são debatidas atualmente, onde ideias e projetos são impostos de cima para baixo. Planejar o sistema de forma mais assertiva, comentou Street, se faz cada vez mais importante para o país ao passo que os reservatórios estão baixos e vemos essa situação ocorrer com relativa frequência.
Street defende ainda que o atual planejador, a EPE, é um órgão que vê com otimismo essa ideia, inclusive ter a academia como um indutor de um fórum para a discussão do futuro do mercado de energia em cooperação com os diversos órgãos do setor elétrico. O resultado dos debates e estudos que poderiam ser contratados junto à academia subsidiariam o MME com boas práticas no mundo, defendeu o professor da PUC-RJ.
A metodologia citada por Street consta do estudo “Confiabilidade no Planejamento da Expansão da Transmissão e Geração Renovável: Cootimizando os Recursos do Sistema para o Cumprimento de Metas Renováveis”, do qual é ele um dos autores em parceria com seu ex-aluno de mestrado, Alexandre Moreira, atualmente doutorando no Imperial College London, com o Prof. Enzo Sauma, da PUC-Chile, e Prof. David Pozo, na época pesquisador de pós-doutorado do grupo do Prof. Street na PUC-Rio e atualmente professor na Skoltech (Rússia).
Investimentos
De acordo com o atual Plano Decenal de Energia, de 2018 a 2027, o segmento de transmissão tem a estimativa de um investimento de R$ 108 bilhões, sendo R$ 73 bilhões em linhas de transmissão e R$ 35 bilhões em subestações, incluindo as instalações de fronteira, no horizonte de 10 anos.
Considerando-se apenas as novas instalações de linhas de transmissão e subestações recomendadas em estudos de planejamento, porém, ainda sem outorga, o valor total resulta da ordem de R$ 24 bilhões, sendo a metade desses investimentos em linhas de transmissão e outra metade em subestações, incluindo as instalações de fronteira. A estimativa segundo o PDE 2027 é de chegar ao final desse período com 196.816 km de linhas e capacidade de transformação de 524.881 MVA, aumentos de 39% e de 50,7%, respectivamente, ante o que o país apresentava em 2017.
A EPE explica no PDE 2027 que para o desenvolvimento dos planos de expansão de curto, médio e longo prazo do sistema de transmissão de energia elétrica nacional, conta com um conjunto expressivo de critérios, procedimentos metodológicos e premissas que têm sido utilizados para esta atividade. Nesse contexto, apontou, faz-se necessária constante atualização do arcabouço de referências para a realização destes estudos, como forma de absorver e acompanhar a evolução do Setor Elétrico Brasileiro.
E ainda, aponta no documento, que iniciou um trabalho para atualização dessas referências para a expansão do sistema de transmissão, incorporando a experiência da EPE a partir dos estudos realizados até o presente. Em particular, a atualização desse conjunto de referências faz-se necessário diante do cenário atual, bem como daquele visualizado de expansão futura com alta penetração de fontes renováveis, principalmente eólica e solar, no sistema hidrotérmico brasileiro, o que deverá demandar procedimentos, dados e critérios específicos para análise da rede de transmissão.
Entre os principais desafios a serem enfrentados nos próximos anos está o aprimoramento metodológico e de ferramental utilizado no planejamento integrado da expansão da geração e transmissão, no sentido de representar mais adequadamente as novas tecnologias. Essa questão, destacou a EPE, envolve não apenas a modelagem das fontes renováveis intermitentes, como a eólica e a solar fotovoltaica mas também de redes inteligentes e a GD.