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Crítico do modelo de organização do setor elétrico, o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, encerrou sua participação no governo Temer com o leilão da Companhia Energética de Alagoas, a última das seis distribuidoras Eletrobras privatizadas este ano. Para o ministro, a venda da estatal “encerra o ciclo de desmonte” do que ele tem classificado como um “modelo elétrico soviético”, montado quando todas as empresas de geração, transmissão e distribuição ainda eram públicas.

Moreira Franco admite, porém, que esse processo de mudança não está encerrado, ao lembrar que é preciso debater e trazer a tona a necessidade de abrir um setor que, segundo ele, é dominado por corporações, pouco transparente e avesso à concorrência. “O problema mais grave que, em minha opinião, deve dificultar o sono de todos aqueles que trabalham no setor elétrico, nas suas mais diversas fontes, é que é preciso produzir energia barata para o país poder crescer”, afirmou o ministro em entrevista exclusiva à Agência CanalEnergia.

Ele elogiou seu sucessor no MME, o almirante de esquadra Bento Albuquerque, a quem conhece de longa data, e destacou que a transição do governo Temer para o governo Bolsonaro foi “extremamente civilizada.”

Dois auxiliares próximos a Moreira Franco farão parte da equipe do novo ministro que assume em janeiro. Um deles é a assessora de Assuntos Econômicos do ministério, Marisete Dadald Pereira, que vai ocupar a Secretaria-Executiva. Seu adjunto na secretaria será Bruno Eustáquio de Carvalho, que trabalhou com Moreira no Programa de Parceria de Investimentos. “São pessoas que eu conheço e que eu vi trabalhar. Trabalham muito bem. Entregam. Têm o sentido da urgência com qualidade”, disse Moreira.

Veja os principais pontos da entrevista:

Leilão de distribuidoras e modelo de funcionamento do setor elétrico:

“Ele encerra o ciclo de desmonte desse modelo elétrico soviético, que foi todo montado ainda quando todas as empresas – geração, transmissão, distribuição – eram empresas públicas. Então, evidentemente, na estrutura de empresas públicas, você monta um complexo de compadrio que não é transparente, que não tem concorrência, em que não há análise de risco.

Você veja que o modelo que vige ainda no Brasil é um modelo em que não há risco, porque hoje já tem uma presença privada grande, mas é necessário que se faça uma mudança profunda nesse modelo para que ele seja um modelo que trabalhe com os princípios da concorrência. E um dos princípios da concorrência é que aquele que vai empreender saiba que vai ter que fazer boas análises de risco para que seu negócio não saia prejudicado.

No sistema elétrico brasileiro, esse que está vigendo desde o início, não existe análise de risco, porque qualquer problema é imediatamente repassado à tarifa por alguns dos conselhos que foram criados. E normalmente esses conselhos têm as mesmas personagens, as mesmas instituições, com uma presença do setor público muito grande. O que faz com que nós tenhamos um modelo muito pouco transparente, ou quase nada transparente, com um estímulo a preços altíssimos, o que faz da energia elétrica no Brasil uma das mais caras do mundo. E com uma solidariedade corporativa que não é compatível com uma sociedade aberta, democrática, em que haja concorrência, em que as pessoas busquem qualidade a preço”.

Balanço da passagem pelo ministério:

“É um ministério de muita complexidade, e, do ponto de vista estratégico, de muita importância. Creio que nós tivemos a maior crise econômica da nossa história. Conseguimos sair dela, mas, se nós não tivéssemos a maior crise econômica da nossa história, teríamos tido o maior apagão da história brasileira, porque esse sistema que está montado não está conseguindo produzir energia necessária para sustentar um crescimento contínuo de 3%, de 2,5% durante três, cinco anos. O que é uma tragédia. E eu digo isso olhando o aspecto econômico do país.

Mas tem outro aspecto que é muito mais grave do que esse aspecto econômico. É que a energia elétrica hoje é um elemento fundamental, diria até, indispensável para a vida das pessoas. Coisa que, há 30 anos, não era. Você tinha alternativas, tinha lenha, tinha vela, tinha querosene para lamparina. As pessoas não dependiam para se comunicar da eletricidade. Você tinha rádio de pilha. E o tecido social do Brasil era um tecido muito menos homogêneo do que é hoje. Você não tinha uma classe média como temos hoje, com capacidade de consumo.

E hoje nós temos 210, 220 milhões de brasileiros e o dobro de telefone celular. Você se comunica, se informa, se conecta precisando de uma tomada. Então, você tem o aspecto econômico, mas tem também o aspecto de qualidade de vida”.

Sistema elétrico:

“Esse sistema precisa entender que com a dimensão do país não é saudável a convivência com um sistema único integrado. É necessário que você conecte, abra espaço para as diversas fontes de acordo com as características regionais, para que elas se entrelacem como se estivessem numa linha de produção, para entregar ao consumidor energia. Então, onde você tem abundância de sol, você deve trabalhar intensamente com energia solar. Você tem vento, com a eólica. Você está numa área que será futuramente fartamente abastecida por gás do pré-sal, trabalha com térmicas a gás. Está no Centro-Oeste, onde tem biomassa relativamente fácil, você trabalha com biocombustível.

Ou seja, você tem que ter uma visão do país que estimule alcançar três objetivos. O primeiro é energia limpa, para que nós possamos viver bem. O segundo é uma energia robusta, que garanta o abastecimento. E o terceiro é que seja barata. Então hoje você tem, por exemplo, nesse modelo que está aí, as hidrelétricas, que no passado contribuíram muito para que esse modelo soviético fosse montado, porque elas não dependiam da natureza.

Existe dentro do setor elétrico pessoas que ainda pensam o sistema hidrelétrico como não dependente da natureza. E ficam dizendo que quem depende é o solar, é o eólico, quando, na realidade, os três dependem. Aquela autonomia que no passado era garantida pelos reservatórios não existe mais. As hidrelétricas são montadas, não só na parte da geração como na transmissão, para dar vazão à energia que elas não conseguem produzir. A capacidade instalada não se expressa numa utilização plena dessa capacidade, o que gera um desperdício brutal. E, evidentemente, isso é coberto por preço. Quando você tem uma capacidade instalada, você projeta as condições que a sua capacidade instalada lhe diz. Mas essa capacidade instalada não existe mais, porque nunca opera plenamente, porque a natureza não permite que isso ocorra”.

Contradição do governo ao licitar grandes linhas de transmissão:

“Não é [contraditório], porque você precisa ter condições de fazer com que essa energia, sobretudo a hidráulica, chegue aos grandes centros de consumo. Nós temos aqui uma divisão de águas no Brasil muito cruel. A parte mais rica, que necessita mais de energia, não tem condições de trabalhar plenamente. Você precisa dessas linhas de transmissão para trazer energia para onde precisa. E aí também o modelo fica complicado, porque como você trabalha no Brasil inteiro, o nível de conexão é integrado.

E tem outro problema: os ganhos de custo que a solar e a eólica podem oferecer quando elas entram no sistema não produz os resultados, porque já entram num sistema que não tem uma lógica baseada na concorrência. E é difícil”.

Divisão do setor:

“Ele se integra geograficamente, mas você tem claramente o setor organizado por fontes. Você tem o grupo de eólica, o da solar, o grupo da hidrelétrica, o grupo de geração, o da transmissão, o grupo de distribuição, e essas coisas geram conflitos que são muito fortes e muitos desnecessários. Ou seja, você pega essas fontes e elas não são operadas como se fossem elementos, produtos que entram na linha de produção para entregar ao consumidor final energia.

Você tem uma visão que é solar. Se você produz sua energia, as linhas de transmissão não permitem que você receba a energia que produz e venda com rapidez, com agilidade, o que excede, e também tem uma dificuldade de fazer com que seus ganhos sejam ganhos de todos.  Não, porque se você ganha, eu pago o seu, entendeu? Porque a lógica da distribuição impõe isso”.

Inovação e regulação:

“Você precisa democratizar, precisa abrir, precisa tornar esse modelo mais transparente. E só tem um caminho para isso: é a capacidade desse modelo conviver com a inovação. Tem empresas de distribuição que nos seus países de origem convivem com muita naturalidade com inovação. Oferecem serviços aos seus clientes excepcionalmente confortáveis para fazer a gestão da conta, para ter as informações necessárias para que essa gestão seja eficaz, para que você possa ter informações complementares a sua necessidade. No próprio relógio você tem toda a capacidade de se conectar com o mundo digital. E aqui ela não consegue fazer isso, porque o mundo regulatório é hostil à inovação. E a inovação é rápida, é acelerada.

Você não pode ter um ambiente regulatório que, para que ele absorva mudanças de natureza técnica, precise de processos de mudanças legais longos, complicados. Tem que ir ao Congresso. E aqui no sistema tudo vai ao Congresso, o que é um erro.
Por isso é que o ser humano criou ferramentas mais adequadas à perenidade das relações. Se você tem coisas rápidas, que são pontuais, o sistema oferece as resoluções para isso, porque você muda. A melhor ferramenta para dar dinamismo à inovação é trabalhar com resolução. Por isso é que as agências têm esse instrumento, que é um instrumento eficaz. Você tem portarias, ainda no âmbito do ministério, e tem decreto, que aí fica um pouco mais sofisticado.

A lei é para consolidar relações que já foram atestadas. Aqui no Brasil não; a lei é para você criar relações novas. Então, você cria, ela não dá certo e você não consegue mudar, porque o processo de votação é muito longo, muito complexo, muito complicado. Aí gera um sistema rígido, que é hostil à mudança”.

Uso de medidas infralegais:

“Eu tenho estimulado muito, não só no âmbito do ministério, como também as agências [reguladoras], a usar todas essas ferramentas que sejam compatíveis com as demandas de transformação que se tem. Então, as agências usam muito resoluções e nós temos usado muito portaria, para evitar isso”.

Transição de governo:

“Eu acho que o grande esforço que esta sendo vencido é que a transição do governo Temer para o governo Bolsonaro tem sido uma transição extremamente civilizada e as informações são apropriadas de maneira adequada, com transparência, com clareza, uma relação muito saudável”.

Sucessor no MME:

“Aqui, no ministério, eu tive a alegria e a felicidade cívica de ter como meu substituto o almirante Bento [Albuquerque], que é uma pessoa que eu conheço há muito tempo. Conheço os irmãos dele, conheço a sua carreira, a seriedade com que trata problemas dessa natureza. E ele convive, como almirante que é, com uma fonte importante de produção de energia, que é a nuclear. Então, ele não é uma pessoa que não tenha sensibilidade para o setor.

E eu tenho absolutamente convicção de que ele irá fazer uma gestão extremamente inovadora e capaz de abrir este modelo tomado pelas corporações. Um modelo que é caro, que é ineficiente, que tem horror ao conhecimento, à inovação. Um modelo que prefere muito mais a sombra que a luz do dia, da concorrência. E aí você vai conseguir certamente fazer com que tenha condições de ter termo a gás, em vez de diesel. Possa dar mais racionalidade, mais eficácia, ter modelo mais barato, mais limpo, de produção de energia”.

Resistências a mudanças profundas no setor:

“Eu não fiquei tanto tempo para poder sentir no detalhe isso. Mas a organização do modelo é para gerar resistência. Ele não é um modelo feito para as pessoas conviverem sem brigar entre si. Hoje, a própria estrutura do ministério é isso. Você tem o setor de óleo e gás, tem o setor elétrico. Já tem grupos que querem o setor de renováveis, e no renováveis separar solar de… enfim.

Nada integrado. O que é um erro. Integra a oferta do produto, mas não integra a produção desse produto para buscar eficiência, racionalidade, diminuição de custos. Então, sai uma coisa cara e que é vendida de maneira integrada, como se tudo tivesse as mesmas condições de produção em todas as regiões do país. Então, se falta água em São Paulo, você que mora no Amazonas leva uma bandeirada vermelha.  E lá você exporta energia o tempo todo”.

Legado para o futuro ministro:

“Isso aí quem tem que dizer é ele, não sou eu. Eu creio que avançamos bastante aqui. Avançamos na discussão da necessidade de mudança do setor elétrico.  Avançamos no sentido de buscar mais concorrência, mais inquietação, mais compromisso com a inovação. Avançamos no sentido de mostrar que esse modelo centralizado, fechado, tomado pelas corporações, é um modelo que é vigorosamente ruim aos interesses do cidadão, do cliente, do consumidor de energia. Avançamos no sentido de mostrar que as pessoas não conseguem viver mais sem energia, sem uma tomada do lado. Avançamos no sentido de mostrar que é possível  aumentar, diminuindo custos, tanto a solar quanto a eólica.

Estamos com algumas experiências de dar aproveitamento na reserva de água de algumas hidrelétricas. Se nós colocarmos placas solar, ao longo do dia você aproveita todo o equipamento instalado, sobretudo de transmissão, e vai produzindo a energia solar. À noite, quando não tem sol, carrega a fonte hídrica. E isso vai permitir que você comece a recompor as suas próprias reservas de água, porque não gasta [água] o tempo todo. Ou seja, é preciso criatividade, é preciso disposição para você servir melhor o consumidor. Melhor e mais barato”.

Principal meta do setor:

“O problema mais grave que, em minha opinião, deve dificultar o sono de todos aqueles que trabalham no setor elétrico, nas suas mais diversas fontes, é que é preciso produzir energia barata para o país poder crescer. E nós estamos deixando [o governo] com uma base macroeconômica que projeta, uns dizem 3,5%, outros 3%, 2,5%, mas, enfim, projeta crescimento. E quando você projeta crescimento, projeta um, dois, três, quatro anos. E é preciso que se produza energia que abasteça toda essa demanda de energia”.

Energia nuclear:

“Não é polêmico. É uma fonte limpa. É das mais limpas. O único caso catastrófico decorrente de condições humanas foi o de Chernobyl. Há uma sistema mundial de controle muito rigoroso e nós precisamos garantir no Sudeste o equilíbrio necessário para dar robustez ao fornecimento de energia na região mais rica do país e que mais consome energia. Tem lá um investimento brutal que já foi feito, e para desmobilizar [Angra 3, que está com as obras paradas desde 2015] é quase o custo do que significa a conclusão da obra”.

Privatização da Eletrobras:

“Existe um erro brutal. Certamente esse erro decorre de alguns agentes públicos ficarem encantados com a ideia de mercado, que por uma questão ideológica uma parte da sociedade brasileira, que é aquela que basicamente compõe o mercado, se encanta muito com o conceito de privatização. Diz que é privatização da Eletrobras quando, na realidade, não vai se privatizar a Eletrobras.  O projeto que está e que esteve em discussão nem o Congresso, nem a sociedade e nem vocês jornalistas em nenhum momento entenderam, e eu também não me esforcei para que esse entendimento se desse, porque a minha prioridade era resolver a questão da distribuidora, porque senão não existiria nem a Eletrobras.

Então, ela não é privatização, é capitalização. Você vai capitalizar a Eletrobras. Você não vai privatizar a Eletrobras. Existe uma diferença, e não é uma diferença conceitual, é uma diferença de governança, quando você caminha para a privatização e quando caminha para a capitalização”.

Térmicas a gás:

“Vendo o sistema como um todo, o Brasil vai ser um grande produtor de gás com o pré-sal. E esse gás nós não temos um mercado de gás.  Por quê? Porque nós temos uma Petrobras que não quer concorrente. Então, ela não estimula mercado de gás. Ela prefere enterrar o gás, fazer com que o gás volte, a contribuir para criar um mercado de gás. E esse mercado de gás pra ser criado precisa ter uma rede de gasoduto que seja eficaz e que atenda as necessidades do país.

Essa rede de gasoduto não precisa de subsídio, porque já tem demanda. Nós temos um conjunto de térmicas a diesel que poderão ser substituídas com muita rapidez por térmicas a gás. Isso significa que elas serão grandes fontes de consumo do gás. Agora, é necessário que você abra a possibilidade de ter uma distribuição adequada, de acordo com as necessidades das diversas regiões do país.

Nós também fizemos uma série de mudanças de natureza regulatória num decreto que o presidente assinou recentemente no sentido de fazer o Gás para Crescer.

O Congresso não tem que cuidar disso. O Congresso tem que cuidar de outros problemas. É o próprio setor elétrico que adora mandar projeto de lei para o Congresso. O Congresso brasileiro está sendo usado nesta questão da cessão onerosa com câmara de arbitragem de um conflito entre dois atores que assinaram um contrato. Estão querendo arbitrar cláusula contratual entre a Petrobras, que é uma empresa com ação em bolsa, e a Fazenda. É um negócio totalmente descabido”.

Indicação de nomes pelo futuro ministro:

“Eu tive um grande prazer de conviver com essas pessoas. Algumas escolhas que já foram anunciadas por ele me parecem escolhas corretíssimas. Como a Marisete [Dadald] para Secretaria-Executiva, o Bruno [Eustáquio], que vem do PPI para ser o adjunto dela. São pessoas que eu conheço, que eu vi trabalhar. Trabalham muito bem. Entregam. Tem o sentido da urgência com qualidade. E outras pessoas estão sendo chamadas que são muito qualificadas”.