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O rombo milionário deixado pela comercializadora Vega Energy afetará a liquidez no mercado livre de energia, pelo menos no curto prazo, disseram agentes. A avaliação é que o impacto será pequeno no mercado como um todo, com efeitos distintos de acordo com a exposição de cada comercializadora. A atuação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e um mecanismo de proteção nos contratos ajudaram a minimizar o número de empresas afetadas. Apesar dos danos relativos, os agentes, que conversaram com a Agência CanalEnergia, viram indícios de fraude no caso, que abalou o mercado nesse início de ano.
A Boven foi a mais impactada pelo calote da Vega, pois havia negociado contratos de compra de energia para o ano de 2019. “Ainda não dá pra calcular o prejuízo indireto causado pela paralisação parcial do mercado. Nosso principal negócio é o trading e é provável, que não só a Boven, mas o mercado de trading, tenha, no curto prazo, uma redução de pelo menos 70% no volume de negócios”, disse Otto Resende Vilela, presidente da Boven Energia.
No caso da Rio Alto Comercializadora, que possui uma atuação mais direcionada para suprir as necessidades do grupo ao qual pertence e não para o trade, a exposição foi revertida em perdas. A empresa já avalia medidas judiciais para buscar ressarcimento desse prejuízo. De acordo com Rafael Brandão, diretor de desenvolvimento da Rio Alto, a empresa já honrou seus compromissos. Segundo ele, o montante não é significativo em relação ao total transacionado pela companhia, que tem acordos com grandes geradores e consumidores eletrointensivos. “Nossa carteira permanece saudável”, assegurou ele.
Em sua análise, a operação ocorrida com a Vega teve um viés fraudulento, criminal e foi feita de caso pensado, já que a comercializadora, afirmou ele, tem acionistas no exterior e com blindagem patrimonial. Inclusive, a Rio Alto já desistiu de negociar esses valores e vai partir para o contencioso. Vilela, da Boven, pediu “investigação e punição rigorosa. “Não se pode apenas pensar em garantias e anistiar os poucos criminosos que existem no mercado e que atuam de forma permanente”, disse.
No passado, quando um evento como esse acontecia no mercado, todos os agentes do mercado livre rateavam a inadimplência. Pelas regras vigentes, o risco é bilateral. “Ninguém foi pego de surpresa. Obviamente a Boven assume riscos compatíveis com sua capacidade financeira e as operações da Vega não afetam, absolutamente, nossa capacidade de cumprir nossos demais contratos”, garantiu Vilela, da Boven.
Ao final de 2018, a Vega Energia assumiu uma posição vendida em contratos de venda de energia com mais de 50 comercializadoras, apostando na queda do preço de Liquidação das Diferenças (PLD) em 2019. Ocorre que um bloqueio atmosférico iniciado em meados de dezembro fez o preço spot de energia disparar em poucas semanas, pegando a Vega no contrapé, que se viu em meio a um volume de negócios superior à sua capacidade de lastrear essas operações. O tema veio a público no final da semana passada, quando uma lista vazada para a imprensa apontava para um rombo superior a R$ 180 milhões deixado pela Vega. Sete empresas figuram entre as que estão mais expostas: Boven Energia, Bio Energias, Rio Alto, Eletron, FDR, Celer e Comerc.
Em entrevista à Agência CanalEnergia, o sócio e diretor da comercializadora Vega Energy, Abenaias Silva, admitiu o erro de estratégia, garantiu que não agiu de má fé e disse que vai trabalhar para reparar os prejuízos causados no mercado. A Vega foi desligada oficialmente do quadro de associados da Abraceel e está proibida de registrar novos contratos na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica.
Erick Azevedo, fundador e CEO da FDR Energia, disse que esse tipo de episódio prejudica os negócios, pois causa uma apreensão em todo o mercado, tanto para os agentes que estão diretamente envolvidos, quanto para os demais que ficam com receio de eventuais desdobramentos. “É ruim porque a gente vive de negociar energia. Você vai conversar com um gerador, ele pede para esperar porque ouviu falar da Vega. Com os consumidores é a mesma coisa”, declarou.
Diferentemente de outras empresas, Azevedo garantiu que os valores apontados na lista vazada não refletem as negociações da FDR com a Vega. “A Vega cumpriu quase todos os requisitos para passar na avaliação de risco de todo o mercado de energia. O mercado acabou fazendo negócio com a Vega, claro que alguns em volumes bem altos”, destacou.
Na avaliação do presidente da Comerc Energia, Cristopher Vlavianos, o impacto do caso Vega Energy é pontual e, na prática, menor do que o valor da exposição total que é estimado inicialmente em R$ 180 milhões. Ele explicou que no trade há avaliações de risco das operações e o fechamento de posição de quem estava comprado, ações que são rotineiras para a mitigação de risco. As perdas da Comerc foram zeradas, por conta do hedge que sempre ocorre com esse tipo de negociação e que todo o mercado usualmente realiza.
No passado, lembrou ele, essa conta seria paga pelos consumidores em geral, mas hoje é diferente. Os valores de prejuízo ficarão para as empresas que tinham a receber e também os consumidores que tinham contratos com a Vega. “O trauma com esse caso é zero para o mercado”, afirmou ele. Entre as questões que trazem essa tranquilidade ao executivo, está o fato de que hoje a segurança por meio do monitoramento da CCEE – que ele classificou como muito bom – e o mecanismo de queda de contratos que consiste no cancelamento da operação entre comprador e vendedor, atribuindo maior segurança ao mercado, pois exige que haja a avaliação da contraparte.
“Em um mercado volátil como o nosso, as empresas que calculam mal o risco e não sabem fazer hedge vão sendo eliminadas. Isso acontece desde que começamos no setor em 2001. A diferença nesse impacto hoje é que o trabalho da CCEE no monitoramento e a aplicação do mecanismo de queda de contratos são extremamente eficientes, fazendo com que esse impacto fique restrito a quem quer correr o risco. Não há prejuízo sistêmico como no passado. O nosso mercado é implacável com a ganância e a inconsequência”, comentou o executivo.
Vlavianos acredita que assim como ocorreu com a Vega, outros casos semelhantes possam surgir. O executivo explicou que toda vez que o mercado oscila em termos de preços, empresas que estão muito expostas podem sofrer com a falta de liquidez. Outra consequência esperada é que as empresas passarão a ser mais criteriosos na análise de crédito. A reportagem procurou também as empresas Bio Energias e Eletron para comentar o caso, mas optaram por não participar, alegando confidencialidade das operações.