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A revisão das regras para micro e minigeração distribuída e a implantação da tarifa binômia para consumidores atendidos em baixa tensão estão entre os temas mais relevantes da agenda da Aneel para o período 2019/2020, afirma o diretor da agência, Rodrigo Limp. Em entrevista exclusiva à Agência CanalEnergia, ele lembra que os dois temas estão conectados e é importante haver aderência entre a nova modalidade tarifária e o aprimoramento do modelo de GD. Os dois temas estão em processo de audiência pública e deverão ser regulamentados até o fim do ano, para que as mudanças sejam aplicadas a partir de 2020.
Em um balanço do primeiro ano como diretor da autarquia, Limp fala em previsibilidade e segurança para os investidores, destaca o esforço da agência para reduzir o custo da tarifa para o consumidor de energia elétrica e reforça que uma das prioridades do setor elétrico é resolver a judicialização do risco hidrológico, que acumula um débito de cerca de R$ 7 bilhões na liquidação do mercado de curto prazo.
Limp também lembra a própria trajetória profissional durante os oito anos como Especialista em Regulação da agência. Funcionário de carreira da Aneel até 2015, ele deixou o órgão para assumir o cargo de Consultor Legislativo na Câmara dos Deputados, onde também entrou por concurso público. A volta à autarquia coincidiu com um período de renovação na diretoria colegiada. “O que tenho notado ao longo desse período na Diretoria é uma crescente propensão da Agência ao diálogo com os agentes do setor, com o governo federal, com o Congresso, com os consumidores e com a sociedade como um todo, o que é muito benéfico para o processo regulatório”, diz, destacando a satisfação pessoal por ter atuado nesses 12 meses iniciais como Diretor Ouvidor, com a oportunidade de ter um maior contato com os consumidores. Leia abaixo a entrevista do diretor, Rodrigo Limp:
Agência CanalEnergia: O mercado de geração distribuída cresceu exponencialmente nos últimos anos, mas agora a Aneel está revendo as regras estabelecidas pela resolução 482. O mercado está dividido sobre os impactos. Como o senhor vê o debate e que mudanças estão sendo pensadas pela agência para acomodar todos os lados?
Rodrigo Limp: A revisão da Resolução nº 482, que trata das regras de micro e minigeração distribuída, é, sem dúvidas, um dos mais relevantes temas a serem tratados pela Aneel no biênio 2019/2020. Atualmente estamos na fase de análise das contribuições da 1ª fase da Audiência Pública e o número de contribuições recebidas, bem como a participação que tivemos nas três reuniões presenciais que realizamos, demonstra a importância do tema não só para o setor elétrico como para toda a sociedade.
As contribuições que temos observado ao longo de todo o processo tem sido de alto nível técnico e enxergamos com naturalidade as divergentes opiniões apresentadas. A geração distribuída no Brasil, embora tenha apresentado um significativo crescimento nos últimos anos, com uma capacidade instalada próxima de 1 GW, ainda tem uma participação tímida na nossa matriz, especialmente se considerarmos o nosso elevado potencial de geração e o desenvolvimento de outros países, como Alemanha, Austrália e Japão.
A Aneel vê com bons olhos o desenvolvimento da geração distribuída, alinhado com as novas tendências do setor elétrico, que conduzirão para um maior empoderamento do consumidor, que passará a ter uma participação cada vez maior, tanto na produção da própria energia como na gestão da demanda.
O papel da Aneel nesse processo de revisão da norma é garantir que o avanço da geração distribuída ocorra com equilíbrio entre os consumidores, de forma a buscarmos uma alocação de custos de remuneração das redes cada vez mais eficiente. É importante ressaltar que as alterações a serem promovidas pela Aneel respeitarão os princípios de atuação da Agência, como previsibilidade, segurança jurídica e transparência em toda a condução do processo.
Agência CanalEnergia: A tarifa binômia também é um tema que ainda divide opiniões no setor. Qual a importância, em sua visão, de implementar essa modalidade? E o que a Aneel está fazendo no sentido de fazer a tarifa binômia ser implementada? O regulamento que institui a tarifa binômia para os consumidores de baixa tensão sai antes da revisão da Resolução 482?
Rodrigo Limp: A implementação da tarifa binômia para os consumidores de baixa tensão é outro dos relevantes temas em discussão na Aneel, em que se tem como objetivo uma modernização das tarifas de energia elétrica. A Aneel tem atuado através de um intenso diálogo com os diversos agentes do setor, no sentido de buscar um modelo tarifário mais eficiente, que propicie uma melhor alocação de custos entre os usuários, permitindo o desenvolvimento, com equilíbrio, das novas tecnologias do setor, como a geração distribuída, os sistemas de armazenamento, as redes inteligentes, os veículos elétricos, e, no futuro, um mercado livre de energia que alcance todos os consumidores.
Pelo nosso cronograma atual, a expectativa é que a regulamentação da tarifa binômia ocorra no mesmo período da revisão da Resolução nº 482, no final de 2019. Entretanto, mais importante do que a data de cada regulamentação o modelo de tarifa binômia a ser implementado deve ser aderente ao modelo da micro e minigeração distribuída.
Agência CanalEnergia: O Wacc regulatório é sempre ponto de debate em época de revisão tarifária das distribuidoras ou de leilões de transmissão. Como o tema está sendo tratado pela Aneel? O mercado pode esperar mudanças em breve?
Rodrigo Limp: Ao longo dos últimos anos a Aneel tem tratado os processos de cálculo do Wacc regulatório dos segmentos de geração, transmissão e distribuição de forma independente, em momentos distintos. Uma inovação que estamos conduzindo em 2019 é o tratamento de maneira conjunta, uniformizando a metodologia de cálculo de todos os segmentos. Entendemos que isso traz maior segurança e previsibilidade para os investidores.
Embora estejamos trabalhando com a uniformização da metodologia, isso não significa a adoção de valores iguais para cada segmento. Temos o entendimento de que os riscos assumidos pelos concessionários de geração, transmissão e distribuição não são necessariamente os mesmos, pois são segmentos que atuam em regimes de regulação econômica diferentes, justificando o tratamento de suas particularidades na metodologia de cálculo da Wacc a ser aprovada pela Aneel.
Agência CanalEnergia: A Aneel está empenhada no debate sobre a redução da tarifa de energia do consumidor, melhorando a comunicação sobre a formação da tarifa e mostrando caminhos para redução. A desoneração das tarifas é um caminho importante, através da retirada de subsídios e impostos. Quando poderemos ver efeitos práticos dessa desoneração?
Rodrigo Limp: Para que tenhamos sucesso em nossa atuação na busca pela desoneração tarifária é essencial que a sociedade tenha clareza da composição das tarifas de energia e, consequentemente, dos itens que mais impactam os valores finais pagos pelos consumidores. Estamos atuando fortemente com esse foco, reforçando nossas ações de comunicação com vídeos educativos, processos de audiência pública cada vez mais abrangentes e ainda algumas inovações, como o aplicativo de celulares que lançamos em 2018 e a página criada no site da Aneel, denominada “Luz na Tarifa” que permite que cada usuário tenha com clareza as informações sobre as tarifas de energia.
Quando observamos os itens que mais impactam as tarifas de energia, temos bem identificados o custo da energia em si, impactado pela escassez hídrica observado nos últimos anos, os encargos setoriais, principalmente a CDE que é responsável por diversas políticas públicas hoje custeadas pelos consumidores de energia elétrica, e também os impostos, principalmente o ICMS, que tem um grande peso nas tarifas de energia.
A redução no valor da compra da energia passa por um melhor portfólio de contratos das distribuidoras, em que hoje temos, por exemplo, contratos de usinas térmicas com tecnologia antiga e preços elevados. Considerando que boa parte dessas usinas possuem contratos que vencem nos próximos anos, teremos uma oportunidade de modernizar nosso parque gerador e assim reduzir as tarifas de energia.
Com relação aos subsídios, a Aneel tem atuado bastante no sentido de demonstrar o seu impacto nas tarifas de energia. É importante que se faça uma discussão ampla sobre a racionalização dos subsídios existentes, respeitando, naturalmente, o papel de cada órgão no processo, não sendo de competência da Aneel o estabelecimento de políticas públicas.
Assim como os subsídios, os impostos, principalmente o ICMS, também precisam ser alvo de discussão quando tratamos de desoneração tarifária, sempre tendo em mente que a tarifa de energia elétrica é importante fator de competitividade para a indústria nacional.
Agência CanalEnergia: O mercado livre passou por um susto no início do ano com problemas em algumas comercializadoras, que estavam descobertas. Tem se falado muito na segurança das negociações e a Aneel e a CCEE tem se mostrado ativas em rever os regramentos. O que está sendo feito para assegurar as transações e limitar os impactos no mercado?
Rodrigo Limp: A dificuldade de cumprimento de contratos no ambiente bilateral de algumas comercializadoras no início de 2019 demonstrou a necessidade de aprimorar a regulação buscando uma maior segurança nas operações no mercado livre de energia. Para alcançar esse ambiente de maior segurança nas operações, estamos desenvolvendo, em conjunto com a CCEE e com o apoio do MME, propostas, a serem posteriormente colocadas em Audiência Pública, e temos avançado bastante. As propostas iniciais caminham em três ações principais: chamada de margem semanal com aporte de garantias, aprimoramento nas regras de autorização para atuar como comercializador e desenvolvimento de indicadores de monitoramento de mercado. É importante destacar a grande transparência com que o trabalho vem sendo conduzido e o intenso diálogo com o setor, o que certamente contribui para o aperfeiçoamento da regulamentação.
Agência CanalEnergia: O Brasil está pleiteando a entrada na OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). Mas a Aneel já tem um contato próximo com a organização através da NER (Network of Economic Regulators). Como é esse trabalho e qual a importância para a Aneel?
Rodrigo Limp: A Aneel, juntamente com outras agências reguladoras e o governo federal, possui um relevante histórico de atuação junto à OCDE nos principais grupos de regulação, o NER (Network of Economic Regulators) e o RPC (Regulatory Policy Commitee).
Enxergamos esse relacionamento com a OCDE de forma muito positiva, em que temos a oportunidade de buscar as melhores práticas internacionais no sentido de fortalecer não apenas a nossa governança, mas, notadamente, a qualidade regulatória, como a utilização de economia comportamental, Análise de Impacto Regulatório (AIR), avaliações ex-post de regulamentos e melhoria da participação pública no processo regulatório. Além disso, o relacionamento com a OCDE também é uma oportunidade de apresentarmos à comunidade internacional o trabalho que desenvolvemos na Aneel, o que, sem dúvidas, contribui para a imagem do País, visando à melhoria do ambiente de negócios e, consequentemente, gerando a atração de investimentos externos.
“Uma das prioridades do setor elétrico hoje é resolver a judicialização do risco hidrológico, o GSF, que trava cerca de R$ 7 bilhões na liquidação do mercado de curto prazo”
Agência CanalEnergia: É possível resolver o impasse do GSF apenas com um tratamento regulatório da questão, ou a solução possível tem que passar, necessariamente, pelo Congresso? O senhor acredita que a repactuação do risco hidrológico foi uma medida acertada da forma como foi feita? Os consumidores sabem claramente que estão pagando essa conta? Como reverter isso?
Rodrigo Limp: Uma das prioridades do setor elétrico hoje é resolver a judicialização do risco hidrológico, o GSF, que trava cerca de R$ 7 bilhões na liquidação do mercado de curto prazo.
A proposta em tramitação no Congresso trata justamente esse passivo, visando expurgar do valor de exposição dos agentes geradores, retroativamente a 2013, a parcela que, conforme a proposta, não teria sido causada por fatores entendidos como o risco hidrológico a que o gerador estaria submetido. Caso aprovado pelo Congresso, a Aneel, em atendimento à legislação, regulamentará o tema visando ao adequado funcionamento do mercado de energia.
Além da proposta em tramitação no Congresso, também estamos atuando internamente na Aneel. Consta, inclusive, em nossa agenda regulatória para o biênio 2019/2020, a discussão de aprimoramentos regulatório do MRE, com efeitos prospectivos, que buscarão trazer mais equilíbrio para os agentes participantes do MRE.
Quanto à repactuação do risco hidrológico no mercado regulado, estabelecida na Lei nº 13.203, de 2015, entendemos que foi um mecanismo que buscou tratar a grande exposição a que os agentes geradores hidrelétricos ficaram submetidos a partir de 2015, visando preservar a sustentabilidade do setor.
Agência CanalEnergia: Ao completar um ano de Aneel, como sua visão mudou sobre a atuação do órgão? E onde acredita que pode avançar?
Rodrigo Limp: Antes de assumir a Diretoria da Aneel em 2018 tive o prazer de atuar na Agência como Especialista em Regulação por oito anos, entre 2007 e 2015, portanto, eu já conhecia o funcionamento do processo decisório, a qualidade do corpo técnico, os princípios e valores que norteiam a sua atuação, o conjunto de fatores que faz com que a Aneel seja, na minha visão, um órgão de referência na administração pública.
O que tenho notado ao longo desse período na Diretoria é uma crescente propensão da Agência ao diálogo com os agentes do setor, com o governo federal, com o Congresso, com os consumidores e com a sociedade como um todo, o que é muito benéfico para o processo regulatório. Um ponto específico que me trouxe uma satisfação muito grande nesse primeiro ano foi a atuação como Diretor Ouvidor, em que tive a oportunidade de um maior contato com a classe de consumidores, que é, no fundo, a razão para a existência do setor elétrico e da agência reguladora.
Embora a Aneel tenha avançado muito ao longo de sua história, ainda há muito o que fazer. Temos que continuar atuando na busca por uma regulação cada vez mais eficiente, simplificando e desburocratizando processos. E sinto hoje a Diretoria Colegiada e o corpo técnico da Aneel inteiramente engajados no objetivo de fazer cumprir nossa missão, que é promover o desenvolvimento do setor elétrico, com equilíbrio entre os agentes e em benefício da sociedade.