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Produzir a própria energia elétrica é um sonho que deixou se ser exclusividade de grandes corporações indústrias. No Brasil, autoprodução é algo que já é praticado há muito tempo. Segundo o Balanço Energético Nacional (BEN), há 249 agentes autoprodutores de energia, que juntos produziram 101,2 TWh em 2019.  A Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape) reúne 8 GW de capacidade instalada, considerando apenas os seus associados. No entanto, recentemente o setor elétrico tem vivido uma nova onda de investimentos em autoprodução em grande e pequena escala.

Grupos multinacionais têm buscado alinhar suas estratégias empresariais a uma filosofia de sustentabilidade e redução de impactos ao meio ambiente. Esse novo comportamento corporativo vai ao encontro da autoprodução com fontes renováveis, por oferecer uma combinação previsibilidade, segurança e sustentabilidade. Grupos como Honda, McDonald’s, Assaí Atacadista, L’Oreal, Heineken, MRV são exemplos de empresas que anunciaram investimentos em energia.

De acordo com o diretor de Estratégia e Regulação da Engie Brasil, Edson Silva, o principal drive para a decisão de investimento em autoprodução continua sendo financeiro. Há uma percepção de que as tarifas de energia seguirão uma tendência de alta nos próximos anos, enquanto o custo das fontes renováveis estão cada vez menores. Além da redução de custos, as empresas buscam estabilidade e previsibilidade em seus custos fixos, principalmente para negócios em que a energia é considerado um insumo estratégico.

“Quando o consumidor vai para o mercado livre, ele adicionada ao negócio um elemento de risco que é a capacidade de entrega do vendedor. Quando o consumidor se associa a um gerador, ele também está buscando segurança no abastecimento”, explicou Edson Silva, que deixará Engie em outubro para assumir a presidência da Energia Sustentável do Brasil (ESBR), controladora da hidrelétrica de Jirau.

A presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), a Elbia Gannoum, lembrou que a baixa demanda do mercado cativo no Brasil obriga os geradores a pensassem em novas estratégias para seguir desenvolvendo os seus projetos e os contratos firmados com os consumidores garantem o recebível que viabilizar a construção dessas novas usinas no país. “A gente tem um movimento de oferta e demanda em que os agentes estão dispostos a negociar”, disse.

A autoprodução clássica consiste em um consumidor investir na construção de uma usina, assumindo todos os riscos que envolvem projetos desse porte. A principal vantagem em realizar esse tipo de investimento é deixar de pagar encargos setoriais que oneram a tarifa de energia e fogem da gestão das empresas. Outra vantagem é que a energia não consumida pode ser vendida no mercado, gerando uma receita adicional fora do core business das empresas. Esse tipo de investimento foi muito comum no passado, mas em hidrelétricas.

No entanto, outros arranjos comerciais têm surgido no mercado com as renováveis. Alguns geradores têm buscado vender cotas de usinas para os consumidores finais. A vantagem desse arranjo é que o gerador garante uma receita que justifica o investimento na construção de uma nova usina. Já o consumidor se livra do risco e do trabalho de administrar uma usina. Os contratos costumam ter duração de 10 anos e o preço por KWh é um pouco maior do que o praticado nos leilões promovidos pelo governo ou na autoprodução clássica, em função dos riscos envolvidos.

Além de solar e eólica, o gás natural também entrou no radar de oportunidades dos agentes. “Com o lançamento do programa de gás natural, há vários projetos que podem gerar novos investimentos em cogeração”, disse Mário Menel, presidente da Abiape. Os investimentos deverão ser maiores com a recuperação da atividade econômica, já que o setor industrial é o maior investidor em autoprodução e cogeração de energia.

O sócio diretor da consultoria Thymos Energia, Alexandre Viana, explicou que existe uma diferença entre os investimentos feitos no passado em autoprodução em relação aos atuais. As empresas de maior porte já conhecem o mercado de energia, enquanto as de menor porte demandam um maior assessoramento. “Elas vêm com mais dúvidas, são empresas com menos conhecimento sobre o funcionamento do setor elétrico”, disse.

“Existem várias estratégias possíveis de serem desenhadas. Entendo que esse movimento não é algo exclusivo do Brasil, tem ocorrido no mundo inteiro, com consumidores cada vez mais interessados em consumir energia renovável”, completou o especialista.

Com a redução do custo de painéis solares, pequenos consumidores de energia também estão investindo em autoprodução. A modalidade de geração distribuída está em franca expansão no Brasil. São residências e pequenos comércios que decidiram instalar usinas em seus telhados e terrenos, seja por uma estratégia de redução de custo, seja por uma estratégia de imagem e sustentabilidade. Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), há 93.811 mini e micro usinas em operação no país, que juntas somam 1,14 GW de capacidade instalada.

O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Thiago Barral, disse que a entidade acompanha esses investimentos em autoprodução e geração descentralizada, uma vez que isso desloca a carga e cria uma nova oferta na matriz elétrica fora da gestão do planejador. “Os estudos de planejamento não olham só para a demanda do mercado regulado. A EPE também monitora o crescimento do mercado livre”, disse. “Por isso colocamos uma série de propostas para trabalhar esse crescimento do mercado livre de forma sustentável, para que ele não aprofunde as distorções que hoje estamos vendo no mercado”, completou.

“Esse movimento mais moderno tem duas variáveis: grandes grupos multinacionais buscando atender até 100% do seu suprimento com energia renovável e com isso uma estratégia de imagem e sustentabilidade. Esse movimento está sendo possível sem penalizar a competitividade desses grupos econômicos porque as renováveis baratearam muito”, destacou Barral.