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Os investimentos em infraestrutura atingiram níveis preocupantes nos últimos três anos no Brasil. Em média, o país investiu 1,7% do PIB entre 2016 e 2018 e o desempenho neste ano ficará novamente perto do mesmo patamar. Nos últimos 15 anos, o Brasil nunca investiu mais que 2,5% do PIB em infraestrutura. “É preocupante, tanto conjunturalmente quanto estruturalmente”, afirmou Venilton Tadini, presidente executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB), em entrevista à Agência CanalEnergia.

Segundo o executivo, para remover os gargalos que travam o desenvolvimento da economia, o país precisaria investir 4,3% do PIB nos próximos 10 anos. “Adaptar a infraestrutura brasileira ao que existe de fronteira tecnológica demandaria esforço ainda maior. Muito deste nível de investimento insatisfatório e em queda se deve à redução dos investimentos públicos na infraestrutura, que devem atingir 0,4% do PIB.”

Tadini falou sobre como o setor solar pode aproveitar a experiência da fonte eólica para desenvolver uma indústria nacional e quais são as oportunidades de investimento na modernização dos segmentos de transmissão e distribuição de energia elétrica.

Nos dias 28 e 29 de agosto de 2019, no Rio de Janeiro, a ABDIB participará da 16ª edição do Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico (Enase), realizado pelo Grupo CanalEnergia | Informa Markets, em copromoção com 20 associações do setor elétrico. Neste ano, a novidade será o Enase Gás, que pretende debater os desafios do desenvolvimento do mercado de gás natural no Brasil. A seguir, os principais trechos da entrevista com o presidente da ABDIB:

Agência CanalEnergia: Quais são as expectativas da ABDIB em relação à retomada dos investimentos em infraestrutura? Quais segmentos devem liderar essa retomada?

Venilton Tadini: O Brasil investiu, em média, 1,7% do PIB na infraestrutura nos últimos três anos – e em 2019 o desempenho ficará novamente perto deste patamar. É preocupante, tanto conjunturalmente quanto estruturalmente. O Brasil, nos últimos 15 anos, nunca investiu mais que 2,5% do PIB em infraestrutura. O hiato entre o que investimos e o que necessitamos de investimentos é enorme. Nossas contas indicam que o país precisa investir 4,3% do PIB por dez anos seguidos para remover gargalos que dificultam o avanço da produtividade e o desenvolvimento econômico e social. Adaptar a infraestrutura brasileira ao que existe de fronteira tecnológica demandaria esforço ainda maior. Muito deste nível de investimento insatisfatório e em queda se deve à redução dos investimentos públicos na infraestrutura, que devem atingir 0,4% do PIB. Tudo isso está envolvido em um problema maior: há mais de 30 anos estamos investindo pouco e somente para romper gargalos, para remover barreiras, enquanto o investimento em infraestrutura deveria vir à frente da demanda, de forma autônoma, dentro de um planejamento integrado de longo prazo e atrelado a uma estratégia de desenvolvimento. Perdemos essa capacidade. Precisamos urgentemente definir uma estratégia de desenvolvimento.

Agência CanalEnergia: Quais as expectativas da associação em relação ao Novo Mercado de Gás? 

Venilton Tadini: O governo federal, por meio de suas instituições e órgãos econômicos e energéticos, tem divulgado algumas diretrizes e medidas que apontam para uma maior abertura do mercado de gás natural, abrangendo todos os segmentos de geração de valor desta indústria. Isso é positivo. Há diretriz de ampliar a produção, elevar a competição, atrair novas empresas, respeitar contratos. Há decisões do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e ações já em andamento pela Petrobras, um claro sinal de que esse novo mercado já começa a ser colocado em prática. Há ainda muito a fazer e diversos desafios operacionais e normativos, mas temos perspectiva muito positiva, pois o gás natural tem potencial de ser um indutor de desenvolvimento econômico regional.

Agência CanalEnergia: O mercado de energia solar está em franca expansão no Brasil. Porém, os equipamentos são, em sua maioria, importados. Na avaliação da entidade, como o país poderia desenvolver uma indústria solar nacional?

Venilton Tadini: O Brasil pode experimentar no setor de energia solar o que vivenciou no setor de energia eólica – um bom resultado a partir de mecanismos corretos de incentivo. No passado recente, no início do desenvolvimento mais pujante da geração eólica, predominava a importação, além do custo da geração eólica ser percebida como muito mais cara em comparação às fontes tradicionais. Esse diagnóstico serviu para desenhar um planejamento que orientou uma política industrial para a fonte eólica, envolvendo financiamento e regras tributárias, entre outros instrumentos regulatórios. O resultado é que, hoje, os seis maiores players globais nessa área estão produzindo no Brasil com competitividade. São 350 empresas na cadeia produtiva eólica, 3.000 subfornecedores, aproximadamente 4.300 empregos diretos e 20.000 indiretos.

Há desenvolvimento de tecnologia e inovação no Brasil e produção de produtos de alta densidade tecnológica. Com isso, atualmente, 9% da matriz elétrica brasileira já é proveniente de fonte eólica, uma geração superior à da hidrelétrica de Itaipu. Tudo isso foi obtido em poucos anos com uma política industrial acertada. O consumidor tem sido beneficiado, pois os preços da eletricidade eólica apresentaram trajetória de queda, e esta fonte já compete de igual para igual com outras fontes de energia elétrica mais tradicionais. Esse modelo pode ser adotado também no setor de energia solar e também para o desenvolvimento de tecnologia de armazenagem. São oportunidades que não podem ser desperdiçadas.

Agência CanalEnergia: A tecnologia do setor eólico tem evoluindo rapidamente. Recentemente vários fabricantes anunciaram geradores com potência acima de 4 MW. Quais os obstáculos tributários e logísticos poderiam atrapalhar a chegada desses novos equipamentos no país?

Venilton Tadini: Independentemente do setor produtivo, as deficiências impostas por custos tributários, financeiros e logísticos, entre outros, impactam historicamente de forma negativa o desenvolvimento das cadeias produtivas brasileiras. A reforma tributária, que parece se aproximar, pode melhorar a competitividade das empresas brasileiras. Paralelamente a esses desafios, o Brasil discute atualmente um processo de maior abertura comercial, que parece inexorável. Isso, no entanto, deve ser feito concomitante a reformas que deem mais competitividade para a indústria nacional.

No entanto, o desafio da competitividade brasileira envolve outras questões adicionalmente, pois ainda teremos de endereçar políticas industriais e de desenvolvimento tecnológico e também equacionar os gargalos logísticos, muito importantes para o setor de bens de capital. Essas iniciativas, sobretudo na área de inovação e tecnologia, são imprescindíveis. A Alemanha adota medidas agressivas de política industrial neste momento. China e Estados Unidos também. Estes países, sobretudo, aplicam políticas industriais muito focadas do desenvolvimento tecnológico. No passado, erramos na calibragem das medidas de política industrial, o que não deve ser a comprovação de que políticas industriais não funcionam.

Os investimentos em modernização tecnológica das redes precisam ser reconhecidos pelo regulador de forma que passem a fazer parte dos ativos regulatórios

Agência CanalEnergia: Os investimentos em modernização e substituição de tecnologias nos segmentos de transmissão e distribuição enfrentam alguns obstáculos regulatórios no setor elétrico. Na avaliação da ABDIB, qual é o impacto disso e como seria possível destravar esses investimentos?  

Venilton Tadini: Os investimentos em modernização tecnológica das redes precisam ser reconhecidos pelo regulador de forma que passem a fazer parte dos ativos regulatórios. É preciso ter a sinalização econômica adequada a partir de avaliações da área técnica. Os avanços tecnológicos permitiram desenvolver produtos que aumentam a confiabilidade no suprimento, o tempo de resposta, ganhos de produtividade e de eficiência, mas tudo precisa ser incorporado pela regulação.

O segmento de distribuição, por exemplo, precisa atrair investimentos para atender os consumidores com qualidade e eficiência operativa. O WACC tem, entre outras funções, a de remunerar a base de ativos líquida e incentivar investimento, inclusive em novas tecnologias. Contudo, o WACC vigente para o segmento de distribuição de energia está entre os menores entre os setores de infraestrutura no Brasil. As novas tecnologias e a inovação que ainda não estão incorporadas na regulamentação trazem risco de investimento para as distribuidoras. A modernização do segmento de distribuição requer investimento da rede de distribuição frente às novas necessidades, como geração distribuída, smart grid, smart meters, entre outras inovações. Requer ainda adequação do parque de medidores, possibilitando a sinalização do valor da energia e mais poder para os consumidores. Por isso, há necessidade de adequar a remuneração das distribuidoras para incentivar investimentos em tecnologia.

Na área de transmissão, há necessidade também de reconhecimento regulatório para absorção de tecnologias, modernizações ou substituição de equipamentos em fim da vida útil. Isso é fundamental para a manutenção da confiabilidade do suprimento elétrico. A transmissão continua essencial em um cenário de expansão das fontes intermitentes e das renováveis e da necessidade de redução de emissões.

Segundo levantamento das empresas transmissoras, há 75.000 equipamentos com vida útil regulatória esgotada, cuja substituição deve demandar cerca de R$ 7 bilhões de investimentos. Para essas substituições, um dos grandes desafios é não comprometer a segurança e o fornecimento de eletricidade. Outro desafio é aprovar a remuneração para as empresas fazerem os investimentos para substituir os equipamentos. O problema é mais evidente nos contratos que foram renovados pela MP 579, exatamente por comporem a rede mais antiga. No entanto, como o sistema de transmissão é totalmente interligado, qualquer problema em um equipamento da rede antiga poderá afetar a infraestrutura que está no escopo de concessões leiloadas a partir de 1999, acarretando desligamentos de grande proporção. As empresas estão discutindo com a autoridade regulatória o montante de equipamentos que deveria ser alvo de renovação. O fato de um equipamento precisar ser substituído porque o prazo de vida útil venceu é também uma oportunidade para melhorar a confiabilidade e a capacidade do setor elétrico, incorporando tecnologia. A expansão do setor é fundamental para o atendimento da economia e da sociedade provendo energia com confiabilidade e segurança.