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Um acordo entre credores e devedores para o pagamento dos valores em aberto no mercado de curto prazo pode acontecer ainda em 2019, caso o Senado aprove até o fim do mês a versão final do projeto de lei que trata da solução para os débitos do risco hidrológico. A avaliação dos geradores é de que a conclusão do processo até dezembro é possível, já que tanto a Aneel quanto a CCEE tem trabalhado na regulamentação e na implementação da proposta do PL 3.975/19 (nova numeração do PL 10.985/18).
Os senadores vão decidir se mantêm ou retiram a alteração feita pela Câmara dos Deputados na emenda que propõe uma nova distribuição para os recursos do Fundo Social do pré-sal. Para isso, no entanto, é necessário que a matéria seja pautada em plenário.
O presidente executivo da Associação dos Produtores Independentes de Energia Elétrica, Guilherme Velho, destaca que a aprovação e a regulamentação da nova lei vão consolidar o reconhecimento do direito dos geradores hidrelétricos ao ressarcimento dos custos por fatores não hidrológicos e estimular a repactuação do risco no ambiente livre, além de um acordo para encerrar as ações judiciais sobre o assunto. O executivo lembra que não haverá impacto tarifário para o consumidor.
É preciso ainda encontrar uma solução estrutural para o tratamento do risco dos geradores hidrelétricos dentro do Mecanismo de Realocação de Energia, defende o presidente da Apine, em entrevista à Agência CanalEnergia. A associação apresentou uma proposta ao grupo de trabalho de modernização do setor elétrico que prevê tratamento para temas como inflexibilidade termelétrica, Reserva de Potência Operativa, vertimento turbinável, revisão de garantias físicas, alívio de exposições financeiras negativas para a energia alocada no MRE, incentivos para aumento da eficiência na operação das usinas e aumento do custo de exposição resultante do deslocamento hidrelétrico.
O executivo da Apine será uma dos debatedores da 16ª edição do Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico (ENASE), promovido pelo Grupo CanalEnergia/Informa Markets em parceria com 20 associações do setor. O evento está marcado para os dias 28 e 29 de agosto, no Rio de Janeiro, e terá como novidade o ENASE Gás, que vai discutir o mercado de gás natural no país. Veja a entrevista:
Agência CanalEnergia: Considerando que o Projeto de Lei que trata dos riscos não hidrológicos está encaminhado no Legislativo e depende apenas de uma análise de alterações pelo Senado, quais são os efeitos esperados da repactuação dos débitos do GSF no mercado de curto prazo?
Guilherme Velho: Espera-se a rápida aprovação do PL 3.975/19 (antigo PL 10.985/18) pelo Senado Federal, a promulgação da lei pelo presidente e a posterior regulamentação pela Aneel, o que consolidará o reconhecimento do direito dos geradores hidrelétricos ao ressarcimento dos custos por fatores não hidrológicos, ensejando a repactuação no ACL e um acordo para encerrar as ações judiciais sobre o assunto, permitindo dessa forma que a liquidação financeira das operações do mercado de curto prazo retorne ao regime de normalidade.
Agência CanalEnergia: É possível regulamentar ainda esse ano os termos da adesão ao acordo pelos geradores, para que a forma de pagamento dos valores em aberto seja definida até o fim de 2019?
Guilherme Velho: Caso o PL seja aprovado ainda no mês de agosto acreditamos que seja possível concluir o assunto em 2019, principalmente considerando que tanto a Aneel quanto a CCEE declararam que já vêm trabalhando na regulamentação e implementação dos termos previstos no PL.
Agência CanalEnergia: Pode haver algum impacto tarifário para o consumidor?
Guilherme Velho: O presente PL prevê que o ressarcimento aos geradores hidrelétricos dos custos pretéritos referentes aos chamados riscos não hidrológicos ocorra por meio da extensão do prazo de outorgas vigentes, portanto sem efeito tarifário para os consumidores.
O ressarcimento futuro decorrente da geração termelétrica fora da ordem de mérito, que envolve Encargos de Serviço de Sistema, já está estabelecido em Lei desde dezembro de 2015, sendo que o atual PL apenas explicita melhor sua aplicabilidade.
No que se refere a importação de energia, a Portaria MME 339/2018 estabeleceu que a partir de 2019 a importação deve substituir geração termelétrica despachada por ordem de mérito. Dessa forma, não haverá impacto no ESS, visto que não haverá deslocamento hidrelétrico a ser ressarcido, a menos que por qualquer razão excepcional a disposição da Portaria 339 não possa ser atendida.
Agência CanalEnergia: Um dos temas em debate na discussão do novo modelo do setor é a solução estrutural para a questão do risco hidrológico, com a revisão do Mecanismo de Realocação de Energia. O que pode ser aprimorado no MRE para que haja uma alocação mais eficiente do risco de geração e novos passivos não sejam gerados no futuro?
Guilherme Velho: No âmbito do GT Modernização, a Apine apresentou algumas propostas, no sentido de aprimorar o MRE, quais sejam:
• Inflexibilidade Termelétrica: De forma simplificada, quando uma usina termelétrica apresentar geração por inflexibilidade superior a sua inflexibilidade de referência, resultando em deslocamento hidrelétrico para os participantes do MRE, esse deslocamento deve ser alvo de ressarcimento valorado pela diferença entre o PLD e o PLDx.
• Reserva de Potência Operativa (RPO): Essa reserva objetiva atender desequilíbrios no balanço carga-geração que se verificam na operação do sistema elétrico, quer em função da redução da geração prevista, quer em função do aumento da carga prevista.
Ocorre que a geração termelétrica despachada fora da ordem de mérito, com o intuito de recompor a reserva operativa, claramente desloca a geração das usinas hidrelétricas e deve ser computada como GFOM, passando a ser incluída no montante elegível a que se refere à Resolução Normativa no 764/2017 e valorada pela diferença entre PLD e PLDx.
• Vertimento turbinável: Sempre que restrições de transmissão (como contingências ou intervenções programadas), ou questões de caráter operativo (como critério de confiabilidade N – 1 que restrinja o fluxo transmissível), ensejarem vertimentos turbináveis, causando perdas energéticas e financeiras aos agentes hidrelétricos participantes do MRE, os mesmos devem ser devidamente ressarcidos.
• Revisão das Garantias Físicas: Quando da emissão de nova outorga para usinas hidrelétricas, mediante processo de privatização ou por término das concessões vigentes, o Ministério de Minas e Energia deve promover a revisão da garantia física das usinas, sem limite de redução, considerando, entre outros parâmetros, a revisão da série de afluências quando necessário e os indicadores de desempenho verificados dessas usinas.
• Alívio de Exposições Financeiras Negativas de Energia Alocada pelo MRE para Cobertura de Garantias Físicas em Submercados Distintos de onde Estão Localizadas as Usinas: Com a progressiva motorização da usina de Belo Monte verifica-se um grande aumento de geração no submercado Norte no período úmido, com a consequente alocação de energia em volumes expressivos neste submercado para outros submercados com preços significativamente superiores, ocasionando exposições financeiras negativas de elevada monta para o MRE. Considerando que a energia realocada no âmbito do MRE, até o montante necessário para a recomposição da garantia física uniforme das usinas, não pode ser considerada como energia secundária com base em uma sazonalização mensal, entende-se que essa energia deve ser passível de alívio de exposição a partir do excedente financeiro.
• Criação de incentivos para aumento da eficiência na operação das usinas:
– Estímulo ao aumento de disponibilidade das usinas através da consideração de disponibilidade maior do que o de referência, quando isto ocorrer, para efeito de alocação de energia dentro do MRE.
– Elevação da Tarifa Energética de Otimização (TEO) objetivando melhorar a remuneração da parcela de energia efetivamente gerada pela usina acima de sua energia alocada, estimulando assim investimentos em aumento de eficiência e disponibilidade
• Aumento do Custo de Exposição Decorrente do Deslocamento Hidrelétrico: No passado, quando cerca de 90% do parque gerador era hidrelétrico e 10% termelétrico, caso ocorresse um forte deslocamento hidrelétrico, apenas a parcela desse deslocamento compensada por geração termelétrica era valorada pelo PLD (com valor muito alto nesta condição hidrológica), correspondendo a parcela restante do deslocamento a um corte de carga valorado pelo preço médio dos contratos. Atualmente, em função da mudança da matriz de geração que aumentou a confiabilidade do suprimento aos consumidores, para o mesmo deslocamento hidrelétrico, não haverá nenhum corte de carga, sendo todo o deslocamento hidrelétrico valorado pelo PLD.
Ou seja, por decorrência do exposto, houve um forte aumento do custo do deslocamento para os geradores hidrelétricos. Como forma de compensar essa questão, que afeta o retorno dos empreendimentos hidrelétricos existentes, propomos que os atributos de confiabilidade eletro-energética, conferidos pelo parque hidrelétrico ao sistema, sejam devidamente reconhecidos e remunerados.
Agência CanalEnergia: Como garantir a sustentabilidade da expansão da oferta de energia com a liberalização do mercado? Com a abertura prevista na modernização do setor elétrico, como o Ambiente de Comercialização Livre pode contribuir para a financiabilidade dos novos projetos de geração?
Guilherme Velho: Em função das características do nosso parque gerador, que em hidrologias favoráveis pode apresentar preços de curto prazo muito baixos, a financiabilidade da expansão da oferta de energia no Brasil requer contratos de longo prazo que assegurem a receita dos empreendimentos.
No atual modelo, a contratação a longo prazo é essencialmente realizada pelas distribuidoras, que não poderão continuar sendo as âncoras únicas da expansão, considerando que a desejada ampliação da abertura do mercado ensejará crescente migração de consumidores do mercado cativo para o mercado livre. Pelo exposto, propõe-se um modelo de expansão da oferta com separação de lastro e energia, onde o lastro objetiva prover confiabilidade ao suprimento, sendo desta forma um bem público que deve ser pago por todos os consumidores cativos e livres e que deve ser contratado a longo prazo.
A energia, por sua vez, deve ser comercializada separadamente do lastro, sendo que a parcela destinada ao crescimento do mercado remanescente das distribuidoras deve ser contratada a longo prazo em leilões públicos, e a parcela destinada ao crescimento do mercado livre deve ter sua contratação definida livremente entre compradores e vendedores.
A receita da venda a longo prazo de lastro para o ACR e o ACL, bem como de energia para o ACR, assegurarão um montante de recebíveis suficiente para garantir a financiabilidade dos projetos na modalidade project-finance, mesmo com uma abertura expressiva do mercado.