A esperada retomada da economia vai exigir uma maior produção energética para atender à demanda, o que levará a necessidade de investimentos em geração e solução para os gargalos no transporte de energia. Paralelo a esse cenário, a conjuntura atual do setor elétrico aponta para uma realidade de comercialização, com um número cada vez maior de consumidores migrando para o chamado mercado livre e uma incapacidade de normalização dos reservatórios de acumulação de água para geração hidrelétrica. Esses são alguns pontos que tem mobilizado discussões e ações na Associação Brasileira das Concessionárias de Energia Elétrica (ABCE), afirma o presidente da entidade Alexei Vivan.
Em entrevista à Agência CanalEnergia, o executivo destaca que a Associação tem trabalhado para buscar o equilíbrio do setor, com maior isonomia entre os ambientes de contração livre e regulado, focando nos mecanismos que alcancem a modicidade tarifária, mas que as mesmas não estejam atreladas a decisões regulatórias que afugentem investimentos. “É preciso encontrar formas de financiar o mercado livre, para que ele cresça viabilizando contratos de longo prazo”, salientou.
Para Vivan, o grande número de questões a serem sanadas e a elevada complexidade indicam que não há um único caminho nem modelo a ser seguido para a reforma do setor e para o futuro da transição energética. Ainda que o GSF esteja encaminhado, dependendo agora do Congresso Nacional, ele lembra que há os R$ 7,26 bilhões de energia pendente de liquidação na CCEE por conta da inadimplência sustentada por liminares e decorrente do mecanismo, o que provoca insegurança jurídica e instabilidade regulatória, levando ao aumento do preço da energia ao consumidor final.
O executivo também conta que além das questões ambientais e jurídico-regulatórias, como a defesa do Código Florestal e a discussão sobre os aprimoramentos nos licenciamentos ambientais, a reforma tributária, que entra agora na pauta do Governo após a reforma da previdência, tem mobilizado os colaboradores da entidade a acompanhar os possíveis impactos que o movimento trará ao setor.
O presidente da ABCE será uma dos debatedores da 16ª edição do Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico (ENASE), promovido pelo Grupo CanalEnergia/Informa Markets em parceria com 20 associações do setor. O evento está marcado para os dias 28 e 29 de agosto, no Rio de Janeiro, e terá como novidade o ENASE Gás, que vai discutir o mercado de gás natural no país. Veja a entrevista:
Agência CanalEnergia: Qual a avaliação da Associação quanto ao atual governo e a reforma pela qual o setor elétrico deve passar?
Alexei Vivan: A avaliação da ABCE é positiva em relação ao atual governo, com foco em uma economia de mercado, na desburocratização, na simplificação de regras, incluindo as tributárias, para fomentar competitividade e crescimento econômico, com atuação estatal pontual, sem interferências indevidas como em governos anteriores.
A reforma pela qual o setor elétrico deve passar é indispensável, pois não mais se sustentam as bases em que o crescimento da oferta de energia baseou-se no passado. Há um evidente desequilíbrio no setor e uma necessidade premente de aprimoramento do modelo, não só em vista do surgimento de novas tecnologias de produção de energia, mas também em decorrência de uma realidade de comercialização de energia, com cada vez maior migração de consumidores para o mercado livre, incapacidade de normalização dos reservatórios de acumulação de água para geração hidrelétrica, entre outros fatores.
Agência CanalEnergia: Como as concessionárias de energia tem se preparado para o futuro da transição energética? O que o senhor destacaria entre principais avanços e os desafios? Há um modelo principal a ser seguido?
Alexei Vivan: Não há um modelo principal a ser seguido, pois as questões a serem sanadas são várias, com elevada complexidade. Há sim premissas que precisam ser observadas, como a necessidade de se evitar, a qualquer custo, a utilização do setor elétrico para realizar políticas públicas ou sociais. A necessidade de se reduzir subsídios cruzados. A necessidade de se deixar de utilizar o setor elétrico para arrecadação de tributos, maior causa das tarifas elevadas. A necessidade de maior isonomia entre as obrigações e os benefícios do mercado regulado e livre de energia.
Atualmente, os consumidores cativos arcam com a maior parte dos encargos setoriais para a manutenção e o crescimento do sistema elétrico. Por outro lado, é premente encontrar formas de financiar o mercado livre de energia, para que ele cresça, viabilizando contratos de longo prazo. Para tanto, é preciso conferir segurança jurídica e estabilidade ao ambiente de negócios no setor elétrico.
Exemplo positivo de segurança jurídica está na postergação da entrada em vigor do preço horário, que é uma evolução necessária, mas que será aplicada com parcimônia, dando tempo para os agentes conhecerem, prepararem-se e adaptarem-se às consequências da nova regra. Exemplo negativo, que muito contribui para a insegurança jurídica e afugenta investimentos, é a alteração do que foi prometido às transmissoras de energia, por ocasião da aceitação das regras de renovação das concessões trazidas pela MP 579, com a exclusão, imotivada, da margem de remuneração de 10%, no processo de revisão de suas receitas.
Agência CanalEnergia: Quais os investimentos esperados para os próximos anos no setor e quais os principais direcionamentos do momento?
Alexei Vivan: O esperado crescimento da economia, que tudo indica que ocorrerá, requererá disponibilidade de energia que, para tanto, precisa de investimento em geração e solução para os gargalos no transporte de energia. Esses são os investimentos que precisam ocorrer nos próximos anos. O governo está ciente e trabalhando em viabilizar esses investimentos pelo setor privado.
Agência CanalEnergia: Como a Associação enxerga o movimento de autoprodução e geração distribuída? A possibilidade de desconexão de um número maior de consumidores seria um motivo de preocupação no futuro?
Alexei Vivan: Não haverá desconexão de consumidores. Eles sempre precisarão estar conectados às redes de distribuição ou de transmissão para receberem a energia, bem como para ter segurança e confiabilidade no fornecimento de energia, em vista da intermitência de algumas fontes de geração. Haverá, sim, maior migração dos consumidores do ambiente regulado para o ambiente livre, por conta dos preços mais competitivos no mercado livre. A autoprodução e a geração distribuída tendem a crescer e é saudável que assim seja. Importante, contudo, que os custos da utilização dos sistemas de distribuição e de transmissão pela autoprodução (na parte da energia que exceder ao consumo próprio e for comercializada) e pela geração distribuída sejam corretamente alocados, sob pena de os consumidores cativos subsidiarem essas fontes de geração, num Robin Hood às avessas.
Agência CanalEnergia: Qual a opinião sobre a solução para o GSF e a questão da segurança energética? Qual é o caminho?
Alexei Vivan: A questão pendente do GSF está praticamente resolvida, restando a proposta a ser votada pelo Congresso Nacional. O problema reside no mercado livre de energia e em relação ao futuro, para que não torne a ocorrer. Atualmente, os R$ 7,26 bilhões de energia pendente de liquidação na CCEE, por conta da inadimplência sustentada por liminares e decorrente do GSF, causa insegurança e afasta investimentos ou requerem investimentos com margens de retorno mais elevada, dado ao risco de se investir em geração de energia no país, o que, em última análise, representa um preço maior de energia para o consumidor final. Ou seja, insegurança jurídica e instabilidade regulatória causam aumento do preço da energia ao consumidor final.
Agência CanalEnergia: Que ações futuras a Associação pretende realizar no âmbito regulatório e de mercado?
Alexei Vivan: A ABCE pretende continuar sua atuação em prol de um setor elétrico mais equilibrado, com maior isonomia entre os ambientes regulados e livre de comercialização de energia e, principalmente, buscando mais segurança jurídica e estabilidade regulatória, para que, com a redução da percepção de risco, as margens de retorno dos empreendimentos sejam menores, contribuindo com a modicidade tarifária. Até porque a modicidade não pode vir às custas de regras ou decisões regulatórias que afugentem investimentos.
A Associação tem focado sua atuação em questões ambientais, jurídico-regulatórias e tributárias do setor. Temos acompanhado de perto os impactos no setor elétrico da proposta de reforma tributária. Atuamos fortemente em defesa do Código Florestal e temos discutido aprimoramentos no licenciamento ambiental, na correta avaliação dos custos socioambientais.
Além desses temas, recentemente, inauguramos dois novos comitês no âmbito da associação, para discutir o georreferenciamento e os problemas cartográficos, em vista da sobreposição de áreas territoriais e das dificuldades de conhecimento do solo e subsolo brasileiros, com grande impacto no planejamento e na execução de empreendimentos do setor. Também estamos voltados a acompanhar e avaliar a inovação pela qual passa o setor, com tecnologias disruptivas e seu impacto na competitividade da indústria nacional, que tem a energia elétrica como seu principal e indispensável insumo.