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Criada em 2015 para promover a implantação de processos de armazenamento energético e estimular a modernização do setor elétrico nacional, a Associação Brasileira de Armazenamento e Qualidade de Energia (Abaque) tem trabalhado neste tempo para fugir do lugar comum do passado e entender o novo mundo da energia limpa e sustentável a partir de um planejamento dinâmico que leve em consideração aspectos tecnológicos, regulatórios, comerciais, legislativos e financeiros, dentro de uma expectativa de “estratégia nacional”.
Em entrevista à Agência CanalEnergia, Carlos Brandão, Presidente da Associação, cita a falta de um mercado consolidado nacional como um dos desafios ao segmento e revela que a entidade tem advogado para que se torne estratégico implantar, num prazo de três anos, um mercado de 500 milhões de dólares em armazenamento de energia para que as soluções sejam viabilizadas em escala no país, o que dependerá de uma política pública do Governo para sensibilizar todos stakeholders.
Para o executivo, não falta ao Brasil o desenvolvimento de tecnologias específicas para a área, mas sim aplicar os recursos que já existem, dando continuidade e acabamento aos projetos. Ele cita que o conhecimento técnico sobre hidrelétricas reversíveis é exportado para países como China e EUA, e que há grandes oportunidades para a matriz elétrica melhorar e diversificar com as usinas de geração híbrida. Outro ponto comentado é a segurança cibernética das instalações, assunto pouco discutido pelo setor, segundo Brandão. “Precisamos modernizar nossas ações”, comenta num trecho.
O presidente da Abaque é um dos participantes do 16º Encontro Nacional dos Agentes do Setor Elétrico (Enase). O evento promovido pelo Grupo CanalEnergia/Informa Markets em parceria com associações do setor elétrico, está marcado para os dias 28 e 29 de agosto, no Rio de Janeiro. Este ano, a novidade será o evento paralelo Enase Gás, que vai discutir o mercado de gás natural no país. Confira a entrevista:
Agência CanalEnergia: Qual a avaliação da Associação quanto ao atual governo e a reforma pela qual o setor elétrico deve passar?
Carlos Brandão: Ainda é cedo para se ter uma noção exata do que o atual Governo irá propor para o setor elétrico. Estamos vivendo tempos tumultuados e as prioridades não passam, necessariamente, por uma reforma ampla do setor elétrico que passe pelo Legislativo. Mas só o fato de se ter um esforço concentrado em retirar os nós atuais do setor já significam um bom sinal.
Por outro lado, foi desapontador o Governo ter mantido as alterações feitas no leilão de Roraima, que poderia ter apontado (como foi, inclusive, concebido) para soluções modernas de sistema híbridos de geração de energia elétrica. As dificuldades colocadas para o certame fizeram com que se mantivesse o ônus do combustível para os consumidores brasileiros, dentro de uma vertente de tecnologia térmica cara e ultrapassada.
Querendo ou não o atual governo terá que enfrentar a questão da opção por energia limpa, mais barata, mais flexível e aderente aos desejos da sociedade para planejar o futuro do setor. Isto não significa que as outras opções sejam rejeitadas. Mas o planejamento, não só elétrico e energético, bem como industrial e comercial, deverá contemplar de forma definitiva estas novas tecnologias. A Abaque entende que todas as formas de geração tem oportunidades em um país em desenvolvimento como o Brasil. Assim, para uma estrela brilhar não é necessário outras se apagarem.
Agência CanalEnergia: Em que nível estão os processos de armazenamento de energia no Brasil? O que falta avançar e quais os desafios?
Carlos Brandão: Hoje temos os processos da Chamada Estratégica 21 amadurecidos. Podemos encontrar soluções de armazenamento de energia na Avenida Henrique Schaumann em São Paulo, em usina hidrelétrica em Bariri, ou em Sergipe, Fernando de Noronha, Triangulo Mineiro, Florianópolis, Fortaleza, entre outros exemplos, já estão espalhados. Muitos acontecem por opção do consumidor, que encontra no armazenamento um caminho de redução de custos. Isto não é mistério para o mundo, que opera gigawats em armazenamento de energia. Não existe desafio tecnológico para tal. Só precisamos de deixar de nos entender que somos a jabuticaba, diferente do resto do mundo.
Os desafios que existem estão na falta de uma consolidação de um mercado nacional. Para cada projeto que “pinga” no Brasil, concentra-se um enorme esforço de engenharia e planejamento que poderia estar sendo dividido em muitos projetos. A Abaque advoga para que se torne estratégico implantar, em três anos, um mercado de 500 milhões de dólares em armazenamento de energia para que as soluções sejam viabilizadas em escala aqui no Brasil. Veja o absurdo: Temos, no Brasil, uma empresa genuinamente nacional, nossa associada, com alta capacidade tecnológica, e que não consegue desenvolver mercado nacional por falta de política de governo.
É incrível pensar numa companhia com 40 mil postos de trabalho no Brasil e 10 mil no exterior, desenvolve e comercializa projetos de armazenamento de energia nos EUA para distribuidoras e consumidores, bem como em outras partes do mundo. Se estas empresas, que olham a tecnologia e o mercado, não tiverem como atuar por aqui neste segmento, vão projetar, industrializar e comercializar lá fora. Estamos falando de dinheiro nosso, mercado nosso, soluções para nossos consumidores que pagam caríssimo por energia e, assim perdem competitividade. Além de uma massa de empregados que fica condenada a uma incerteza de um futuro onde a nova tecnologia pode demorar a consolidar.
Agência CanalEnergia: É preciso desenvolver e modernizar?
Na visão da Associação não é preciso desenvolver tecnologia, mas aplicar as soluções que já existem. Exportamos soluções de geração hidráulica em usinas reversíveis para China, Canadá, EUA e reformamos usinas reversíveis na Europa. E no Brasil nos contentamos ter a primeira usina reversível do mundo em 1939 e mais nada. Isso em um país que o insumo água é extremamente estratégico.
Precisamos modernizar as nossas ações, fugir do lugar comum do passado, entender o novo mundo de energia limpa, com planejamento dinâmico e dentro de uma expectativa de “estratégia nacional”. Poderíamos já estar usando a geração híbrida para cobrir postos de fronteira, o que o exército francês já faz em diversos lugares do mundo. Poderíamos estar dotando áreas críticas nacionais com sistemas de microgrid com resiliências. Poderíamos estar colocando sistemas de peak shaving em muitas indústrias brasileiras, junto com técnicas comerciais de resposta pelo lado da demanda.
Veja também que mal discutimos por aqui a questão da segurança cibernética de nossas instalações do setor. Isso em diversos lugares do mundo é questão de segurança nacional. Enfim se torna estratégico estar entrando em uma nova era de modernização já.
Agência Canal Energia: Quais iniciativas de armazenamento e para melhoria na qualidade da energia você destacaria nos últimos anos no país, sejam elas de projetos efetivos ou pesquisas?
Carlos Brandão: O Brasil é líder em iniciativas e pobre em “acabativas”. Tivemos a bem sucedida Chamada Estratégica 21 da Aneel. Tivemos o desenvolvimento de um projeto significativo de relatórios, estudos e conceituações para o leilão de Roraima, abrindo o mercado para o que se chamou de “soluções de geração”, que foi sendo alterado ao longo do tempo. Há também iniciativas por parte de consumidores para adotar soluções que reduzam os seus custos. Mas nossos programas precisam de ter início, meio e fim dentro de um cronograma de visão de Estado. Não podemos ficar derrapando no meio do processo.
Agência CanalEnergia: Quais os investimentos esperados para os próximos anos no setor e quais os principais direcionamentos do momento?
Carlos Brandão: Temos trabalhado na proposição de se ter um mercado nacional em três anos de 500 milhões de dólares, valor menor do que um leilão tipo Roraima, por exemplo. Os direcionamentos dependem, principalmente de uma política de Governo, onde temos tentado sensibilizar todos os stakeholedrs. Para tanto a Abaque está tentando viabilizar um roadmap tecnológico, regulatório, comercial e industrial para armazenamento, para o qual ela já elaborou proposta inicial.
Agência CanalEnergia: Que ações futuras a Associação pretende realizar no âmbito regulatório e de mercado?
Carlos Brandão: Acreditamos que no âmbito regulatório a Aneel está tomando iniciativas. Desse ponto de vista o processo se prende mais ao atendimento do mercado “para a frente do medidor de energia”. Ou seja, em serviços ancilares na transmissão ou investimento prudente em distribuição, além das inúmeras oportunidades em se ter armazenamento com postergação de investimentos em Transmissão e Distribuição.
Do lado do consumidor, “atrás do medidor”, achamos que o processo regulatório é menor. O consumidor será impactado na tarifa horária em todas as suas classes de consumo e a opção de armazenamento aparecerá naturalmente. Entretanto torna-se imprescindível que o Governo entenda a forma justa de tais tecnologias concorrem em igualdade de condições com outras, zelando pela eliminação de barreiras de novos entrante. A Abaque advoga que o problema maior é ter a isonomia no tratamento.