A substituição dos modelos matemáticos pelo modelo de formação de preços por oferta pode gerar a necessidade de reforço dos mecanismos de acompanhamento, para evitar eventuais abusos de mercado por parte dos agentes. A relação entre um modelo mais liberalizante e um maior escrutínio para evitar condutas anticompetitivas foi discutida por especialistas convidados, no Workshop Internacional sobre Modernização do Setor Elétrico, realizado no Ministério de Minas e Energia.

Os temas foram discutidos em painéis na última quinta-feira, 5 de novembro, quando foram apresentadas experiências de mercados europeus e norte-americanos. No Brasil, há preocupação entre agentes do setor sobre o impacto de uma eventual privatização da Eletrobras, por exemplo.

Para o consultor de Política e Recursos Naturais do Canadá, Bradley Little, o alinhamento de politicas é essencial para o bom funcionamento do mercado. “Se você tiver um ambiente ruim, vai incentivar abusos”, disse Little, para quem as politicas para o setor tem que estabelecer claramente quais são seus objetivos.

O representante canadense relatou exemplos de como funcionam os mercados de energia elétrica nas principais províncias do país, onde há separação constitucional da jurisdição da eletricidade. A regulação é feita pelos governos provinciais e o governo federal só atua em situações que ultrapassem o limite entre províncias.

Alejandro Hernandez, analista sênior de Eletricidade da Agência Internacional de Energia, destacou que mercados de eletricidade e suas regras podem ser objeto de manipulação por participantes. Ele acredita que “um quadro legal consistente para enfrentar isso é essencial para o desenvolvimento eficiente do mercado.”

O especialista se orgulha de ter participado da reforma do setor elétrico no México em 2013 e 2014. Para ele, os mercados de eletricidade não são mercados reais. “Nós tratamos sobre o custo dos lances. Alguém criou isso. Haverá erro, e alguém deve estar checando”, alertou. Hernandez lembrou que na União Europeia os estados membros são responsáveis por estabelecer regras de penalidades, mas muitos governos não estão fazendo isso.

Nos Estados Unidos, há um reforço no combate às fraudes e à manipulação, e muitas regras vieram a partir da crise que resultou no racionamento na Califórnia em 2001. Além da Ferc (órgão regulador federal), que atua no controle de fusões para evitar a formação de monopólios, há a atuação do Departamento de Justiça.

O norueguês Nils Henrik von der Fer, Centro de Pesquisa em Energia Ambientalmente Amigável de Oslo, disse que o modelo ideal para o Brasil depende dos objetivos que se pretende alcançar. “Vocês devem assegurar que as regras sejam favoráveis à competição”, recomendou o pesquisador. Para von der Fer, em geral, os mercados podem ser manipulados por forças anticompetitivas.

Na Escandinávia, a regulamentação é vista como “uma mão que orienta”, e o mercado não é regulado de fato, porque já existem leis para isso. Há um grande produtor e 180 geradores pequenos, todos públicos, que se comportam como se fossem empresas privadas e “são bastante confiáveis.”

Nos mercados spot da Nord Pool existe, no entanto, muita supervisão, para que ninguém tenha informação privilegiada. Os produtos financeiros desse mercado agora são geridos pela bolsa de valores Nasdaq.

Para a professora da USP Virgínia Parente, a transição do sistema atual de preços é complexa, mas o Brasil terá de fazer o dever de casa que outros países já fizeram. A presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica, Elbia Gannoun, disse que a discussão e a troca de experiências sobre os modelos formação de preços é interessante, mas é preciso observar que o modelo brasileiro é muito peculiar. Quanto à questão do abuso do poder de mercado, Élbia concordou que quando se parte para um sistema de ofertas é preciso considerar esse aspecto.

“Tratar da modernização do setor não é tratar apenas de onde queremos chegar nem de como queremos implementar, mas também de criar as regras para que aquilo que queremos para o mercado não gere efeitos indesejáveis e inesperados”, afirmou a assessora da Secretaria Executiva do Ministério de Minas e Energia, Agnes Costa.

No painel do evento que discutiu mecanismos de oferta versus precificação baseada no custo marginal de operação, outros três especialistas também se revezarem para detalhar o funcionamento de sistemas na Europa e nos EUA. Wieger Wisena, do Autoriteit Consument and Market (órgão regulador holandês) afirmou que tem reduzido o número dos que acreditam no somente no mercado de energia. Algumas discussões sobre preços zonais e preços nodais têm acontecido, embora não de forma enfática, acrescentou Wisena.

O professor William Hogan, da universidade de Harvard, defendeu a importância dos mercados nodais. Nos Estados Unidos, onde o mercado normalmente é nodal, a rede é modelada na formação de preços. Já o consultor Anders Houmoller lembrou que há dois fluxos na União Europeia: o de energia, que flui diretamente para os consumidores, e o de dinheiro, que é onde acontecem as operações financeiras. Na liberalização do mercado de eletricidade, destacou, a única coisa que muda é a parte financeira.