Especialistas convidados para um debate sobre a reestruturação do mercado do gás natural no Ministério da Economia pontuaram a necessidade de que as regras de abertura desse mercado tornem irreversível o processo de desverticalização do setor, com a proibição de que uma mesma empresa atue em mais de um segmento da cadeia. Segundo eles, isso seria um sinal negativo e afugentaria investimentos.

A recomendação veio em resposta a uma pergunta do secretário de Advocacia da Concorrência e Competitividade do ministério, Cesar Mattos. Ele queria saber se faria sentido uma separação total das atividades de produção, transporte e distribuição, ou eventualmente seria possível aceitar no futuro uma reverticalização. O evento aconteceu na última quinta-feira, 19 de setembro, e foi promovido pela Secretaria de Avaliação de Políticas Públicas, Planejamento, Energia e Loteria.

Luciano Veloso, da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, disse que ANP tem urgência na elaboração da normas que vão regular o funcionamento do novo mercado, para que uma vez que o agente esteja em situação de reestruturação societária ele não possa voltar para um modelo de verticalização. “Na Europa, você não pode voltar. Não tem o regresso quando você vai para o modelo de separação total.” Um exemplo prático de reestruturação é o da própria Petrobras, que vai sair das atividades de transporte e distribuição de gás e se concentrar em exploração e produção.

A agenda regulatória da ANP para implementação do mercado do gás prevê a aprovação de um conjunto de normas infralegais entre 2020 e 2023. Serão seis novas resoluções sobre temas que ainda não estão inseridos no arcabouço legal e a revisão de cinco resoluções existentes. Segundo Veloso, a principal mudança no mercado foi a quebra de paradigma para o sistema de transporte, antes dominado pela estatal.

A professora Ieda Gomes, que havia apresentado experiências internacionais de reestruturação do setor de gás natural, reforçou que não existem casos de retorno à situação anterior, de presença de agente dominante no mercado. “Nem na Argentina voltou. Primeiro, porque se você acena com a perspectiva de reverticalização, você inibe investimentos”, ponderou a especialista. Ieda considera que a desverticalização “é um caminho inexorável”, já que os investimentos são bilionários e de longo prazo. No caso de gasodutos e de terminais de Gás Natural Liquefeito é por 20 anos; termelétricas de 20 a 25 anos e campos de petróleo 30 anos.

“A gente vai emitir um sinal ruim, caso venha a permitir que a Petrobras ou outro agente venha a reverticalizar”, afirmou o superintendente-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Alexandre Cordeiro. Ele considera o Termo de Cessação de Conduta assinado pela estatal com o Cade um dos acordos mais importantes mediados pelo órgão nos últimos tempos. A empresa era investigada em processos relacionados a abuso de posição dominante e tratamento discriminatório.

“O trabalho não acabou”, disse o técnico, lembrando que o órgão vai monitorar o processo de venda de ativos da estatal. Um dos pontos de atenção nesse processo é saber se quem está comprando tem realmente capacidade de ser um player atuante no mercado, jogando os preços para baixo.

Um das cláusulas do TCC proíbe que o comprador do ativo da Petrobras tenha qualquer ligação com outros players do mercado. “Todos os atos de concentração passam pelo Cade. Evidente que se vier uma orientação de que o mercado não pode ser verticalizado facilita a nossa vida. Mas o Cade está atento a isso.”

Para a especialista em petróleo e gás, a liberalização do mercado não se dá de uma hora para outra, porque é preciso ter toda a parte de regulação pronta. “Você tem que ter todos os instrumentos contratuais. E, principalmente, acho que a coisa mais importante no Brasil para dinamizar o gás natural é a questão tributaria. O modelo de tarifa de entrada e saída inibe as trocas comerciais e operacionais entre estados. Você não pode importar de Recife e trazer, digamos, para Santa Catarina, por causa do ICMS”, explicou Ieda Gomes. A segunda questão é abrir a infraestrutura e dar acesso não discriminatório a terceiros.