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O mercado está em contagem regressiva na expectativa da divulgação do relatório com as conclusões e algumas propostas de encaminhamento das medidas de reorganização do setor elétrico, em discussão no Ministério de Minas e Energia. O MME anunciou que o diagnóstico do GT de Modernização sairá na próxima terça-feira, 1º de outubro, mas, como já era esperado, temas que merecem maior aprofundamento, como separação de lastro e energia e formação de preços, não terão ainda uma definição clara.
No caso do lastro e energia, o debate vai se prolongar pelas próximas semanas, uma vez que o período de contribuições à consulta pública sobre o tema foi prorrogado para 25 de outubro. Uma maior atenção a medidas mais complexas, que demandarão tempo para serem implantadas, estava prevista desde a Consulta Pública 33 e também nos projetos de lei 1917, da Câmara, e 232, do Senado.
O ministério sabe que para abrir o mercado será necessário seguir uma ordem de precedência e definir primeiro como será feita a contratação de lastro e de energia e a alocação de custos de segurança do sistema. “A gente está respeitando aquela linha de pensamento [da CP 33]”, explicou o secretário de Energia Elétrica do MME, Ricardo Cyrino.
A secretária-executiva do ministério, Marisete Pereira, informou esta semana, durante o 19º Encontro de Associados da Apine com seus Convidados, que o MME pretende buscar uma solução no curto e médio prazos para o tema da contratação de lastro e energia, sem comprometer as outras medidas de modernização do setor. “Se os projetos de lei que estão tramitando evoluírem mais rápido, nós vamos respeitar os prazos que serão estabelecidos lá. Enquanto isso, o que está sendo proposto pelo ministério nas consultas públicas é abertura [total] do mercado livre lá em 26, depois dos estudos que a Aneel vai fazer para a baixa tensão. Lastro e energia, a gente termina a consulta pública e vai apresentar ao ministro um cronograma do que precisa ser aprofundado, como vai ser a implementação do tema”, explicou Cyrino, que também participou do evento.
Ele disse que se o ministério optar por uma solução mais completa, como está na proposta da Empresa de Pesquisa Energética, haverá uma janela de tempo maior para implantação. Há porém, alternativas mais simplificadas, apresentadas por consultorias e associações, que possibilitariam iniciar um pouco antes essa mudança.
O presidente da EPE, Thiago Barral, destacou o papel fundamental do segmento de geração na modernização do setor e disse que alguns consensos mínimos tem que ser bem transparentes nesse processo de debate. “Há um consenso hoje no setor de que a financiabilidade [da expansão do sistema] é um fator crítico para o que queremos alcançar. E nós não queremos aventuras irresponsáveis para comprometer essa financiabilidade”, disse, depois de pedir o apoio de todos os agentes do mercado para avançar nas pautas. “Na minha visão, nós estamos falando de várias coisas ao mesmo tempo, que tem que ser integradas”, completou Barral, lembrando que o processo também envolve a atuação da Agência Nacional de Energia Elétrica no tratamento de questões regulatórias
Para o presidente do Conselho de Administração da Associação dos Produtores Independentes de Energia Elétrica, Edson Silva, há um protagonismo do governo na discussão do modelo, e isso é importante para que as mudanças aconteçam. “Se deixar pela liberdade dos agentes, dificilmente vamos avançar nesse projeto de modernização.”
Presidentes de grandes grupos que atuam nos Brasil em geração e transmissão também fizeram ponderações sobre o futuro do novo modelo de comercialização. Eduardo Sattamini, CEO da Engie, acredita que o “novo mundo” da modernização será o da coexistência entre as várias fontes de geração, sejam elas centralizadas ou distribuídas, e já existem hoje tecnologias para lidar com essa complexidade. Ele também vislumbra uma relação cada vez maior do consumidor com o produtor e uma complexidade também maior da gestão da distribuidora. Para Ítalo Freitas, da AES Tietê, é difícil prever o futuro.
Nicola Cotugno, da Enel, afirma que a modernização significa trazer um espaço maior para o mundo dos clientes livres que ainda representam 30% do mercado no Brasil, e abrir para mais opções e mais competitividade. Ele destaca a possibilidade de uso de tecnologias de geração limpa, competitiva e sustentável, e acrescenta que o ponto de partida para as empresas é saber o que o cliente quer. “A industria, o setor elétrico, tem que dar respostas a essas possibilidades. E essas respostas são econômicas, porque essas tecnologias não tem que trazer subsídios, custos extras. Essa inovações trazem economia, trazem eficiência aos processos.”
Cotugno lembra que mesmo nos mercados que são totalmente livres, sempre fica uma porcentagem de clientes que não quer desfrutar dessa escolha e permanecem no mercado de tarifa regulada. Na Itália, a porcentagem dos clientes cativos é 20%, 25% do mercado, enquanto em outros países onde a Enel atua a participação varia para mais ou para menos. “Por isso, a transição será o cliente mesmo a decidir onde acaba.”
Nesse ambiente de mercado onde o consumidor escolhe seu fornecedor também é preciso haver regulação em garantia dos clientes e também dos geradores, que necessitam de segurança para investir, defende o executivo. “Aqui falamos de um mercado livre, porém com regras. E isso implica uma transição e um [período de] tempo. Não diria 20 anos. Em cinco, seis anos, se pode, teoricamente, abrir todo o mercado. Porém, temos que proteger o cliente que não quer escolher. Essa figura, essa instituição de um supridor de último recurso que está vigente em muitos países pode estar também no Brasil.”
Mário José Ruiz, da Neoenergia, não vê um cenário catastrófico para a distribuição. Ele acredita que ela vai evoluir da mesma forma como tem evoluído nos últimos 100 anos, mas precisa modernizar as redes, inovar na gestão, ser eficiente para oferecer qualidade a um preço mais acessível e, sobretudo, “para dar suporte ao mundo do futuro.” “Isso é o que realmente preocupa. O mundo do futuro vai ser um mundo digital. E o mundo digital precisa de energia limpa que vai ser transmitida pela rede de distribuição”, lembrou o executivo, para quem é necessário ter clareza de como o novo ambiente de mercado será construído.
Ruiz afirma não ter dúvida de que haverá ainda no futuro um mercado cativo e seria uma erro não manter leilões de energia para atendimento a esse mercado. Ele lembra que a expansão do mercado se deu em uma relação de 70% da energia produzida para o ambiente regulado e 30% para o livre. “Provavelmente, isso vai ter um equilíbrio”, opina.
Assim como o presidente da Enel, o dirigente da Neoenergia defende que mesmo num mercado liberalizado exista regulação. A distribuidora tem que seguir sendo fio e comercializadora ao mesmo tempo. “Parece que estão desprestigiadas, estão num mundo velho. Ninguém quer conviver com elas, mas são as comercializadoras mais importantes que tem no Brasil hoje”, disse o executivo. Ruiz defende uma abertura ordenada e lembra mudanças abruptas não aconteceram na telefonia, nas estradas, nos aeroportos e em nenhum outro setor de infraestrutura. Para ele é aconselhável ter “cuidado com o timing, porque podemos morrer nadando até a praia.”