O governo apresentou nesta terça-feira, 29 de outubro, em evento no Rio de Janeiro, o relatório final do trabalho de Modernização do Setor Elétrico, reunindo um conjunto robusto de medidas e ações para implementação ao longo dos próximos dois anos. É o maior agrupamento de mudanças de regulatórias implementadas nos últimos dez anos na área de energia elétrica, abarcando pontos cujas discussões se arrastam há tempos, entre os quais modelo de contratação, abertura do mercado livre e formação de preços.
Na ocasião, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, assinou portaria criando o Comitê de Implementação da Modernização do Setor Elétrico, com vigência de dois anos, prorrogável por mais um, e prestação de contas a cada três meses ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
O pacote de medidas inclui sete pontos-chave: a alocação adequada pelo pagamento da confiabilidade do sistema, a abertura ordenada do mercado livre, a alocação eficiente de custos e riscos sistêmicos, o aperfeiçoamento da formação de preços no mercado de curto prazo, a modificação da contratação da expansão da geração, a preparação do segmento de distribuição para a abertura do mercado e a adequação do arcabouço regulatório para a neutralidade na inserção de novas tecnologias.
O ministro frisou que um dos objetivos era preparar um pacote de medidas que evitasse a apresentação de um novo Projeto de Lei ao Congresso Nacional, o que, segundo ele, acabou sendo alcançado, embora uma algumas das linhas de ação precisem de mudanças legais, entre elas a separação de lastro e energia.
Apontada pelo presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Thiago Barral, como uma das cinco linhas de ação decorrentes dos trabalhos de Modernização, a separação contratual entre lastro e energia é considerada pelo governo e diversos especialistas do setor como crucial para uma melhor alocação dos custos nos processos de contratação, na medida em que, pelo modelo atual, onde os dois produtos são contratados em conjunto nos leilões de geração, o consumidor regulado acaba assumindo esse ônus.
“Há várias formas de separar lastro e energia, e muitas delas foram discutidas nos workshops que GT de Modernização promoveu para discutir o tema. A partir de agora nós vamos nos debruçar no Comitê para definir a proposta mais adequada”, informou o presidente da estatal.
O Comitê criado hoje vai atuar nos próximos dois anos em um total de 15 frentes, cada uma com um número de ações pré-determinado. O tema que envolve a separação do lastro da energia é o que terá o maior número de ações, 11 no total. Também será a única das 15 frentes a ter a participação de nove associações de setor – as outras 14 frentes terão apenas quatro associações convidadas cada uma.
Alguns dos assuntos mais demandados no setor elétrico nos últimos anos estarão contemplados no rol de frente de atuação do Comitê de Implementação, entre eles o Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), governança, inserção de novas tecnologias, processo de contratação, racionalização de encargos e subsídios, formação de preços e integração entre os setores de gás e de eletricidade.
Leilão de Potência em 2020 no radar
As autoridades de governo que apresentaram o resultado dos 180 dias de trabalho do GT de Modernização revelavam ainda uma medida fora do escopo do relatório, mas que poderá impactar diretamente o mercado já em 2020. MME e EPE vêm trabalhando na formatação de um leilão de contratação de potência para o segundo semestre do ano que vem, a fim de cobrir um buraco em 2024 e 2025, identificado nas simulações feitas pela EPE durante a elaboração do Plano Decenal de Expansão (PDE) 2029.
A realização do leilão específico de potência dentro de aproximadamente um ano, entretanto, só será necessária caso a contratação decorrente dos Leilões de Energia A-4 e A-5 de 2020, previstos para o mês de março, não cubram o gap de potência estimado para meados da próxima década.
“Em 2024 podemos não ter potência suficiente para o sistema, é algo que vai depender do comportamento da economia até lá e da contratação dos leilões A-4 e A-5 de 2020. O GT propôs uma solução transitória para essa questão, que não será obrigatoriamente implementada. A opção pela realização de uma leilão de potência está sendo construída agora, com a devida antecedência”, explicou Erik Rego, diretor de Estudos de Energia Elétrica da EPE.
Uma das mudanças infra-legais que podem viabilizar o leilão de potência passa por alterações na regulamentação que definiram os leilões de reserva. Entre as premissas para aquisição de potência no ano que vem, explicou Rego, está a contratação da menor garantia física possível, o rateio do pagamento por todo o mercado e a financiabilidade.
O desenho para contratação de potência para 2024 envolve a criação de métrica que permita comparar empreendimentos em função do benefício de potência ao sistema, e não no benefício energético, com o objetivo de valorar adequadamente o serviço desejado pagando a menor receita fixa possível. Além do leilão de potência, o governo poderá, ainda, recorrer a mecanismos de resposta da demanda como medida transitória para resolver o problema.
Em relação aos Leilões A-4 e A-5 de 2020, ambos voltados à energia existente e energia nova, o governo elenca entre os produtos candidatos a participar dos certames termelétricas 100% flexíveis, soluções de suprimento com baterias e a repotenciação e modernização de usinas hidrelétricas – cujo ganho potencial é estimado entre 5 GW e 20 GW.