fechados por mês
eventos do CanalEnergia
mantenha-se informado
sobre o setor de energia.
Há espaço para alterar a proposta que estabelece dez anos de isenção do pagamento dos custos associados ao uso da rede por sistemas de micro e minigeração existentes, na opinião do presidente da consultoria PSR, Luiz Augusto Barroso. Ele lembra que já existe sinalização da Agência Nacional de Energia Elétrica nesse sentido e diz que “o tema é responsável pela maioria do ruído nas discussões atuais” sobre a revisão da Resolução 482. O assunto ficará em consulta pública na página da Aneel até 30 de dezembro.
Para o especialista, é possível incorporar os benefícios da mini e micro GD para o sistema elétrico, desde que demonstrado que eles são sustentáveis para efeito de incorporação às tarifas. Análises quantitativas feitas pela PSR em projetos de pesquisa e desenvolvimento em execução mostram que esses benefícios nem sempre acontecem. É o caso das perdas de energia, que podem diminuir inicialmente, mas tendem a aumentar com o crescimento da geração em determinados locais e com a não coincidência do horário da geração solar com a curva de carga do sistema. Estudos em outros países tem chegado à mesma conclusão.
É preciso considerar os impactos distintos da localização da GD em cada ponto de conexão de uma mesma área de concessão, alerta Barroso. Ele afirma que os benefícios são dispersos, localizados e muitas vezes tendem a se anular ao longo do tempo. “É por isso que é necessário aprimorar o sinal locacional e horário das tarifas de energia elétrica, de maneira a valorar corretamente custos e benefícios da geração distribuída, tal como a CP33 sugeria”, conclui. Se isso for difícil, diz, ainda é possível estimular as distribuidoras a mapearem as áreas mais congestionadas das redes, para que a geração distribuída seja instalada onde ela tem mais valor.
Na avaliação de Barroso, o debate em torno da ideia de revisão dos subsídios a consumidores que produzem à própria energia ou usam energia de sistemas remotos tem sido marcado por reações desproporcionais. Ele acredita que o processo perde racionalidade a partir do momento em que são feitos ataques desnecessários a instituições e servidores, em uma guerra de comunicação muito confusa. “É uma pena, pois as pessoas que comandam essas ações perdem a credibilidade e dificultam um debate racional para o futuro. Porém, o pior resultado prático é confundir a população e contribuir para um pior processo decisório.” Veja a entrevista:
Agência CanalEnergia: A proposta da Aneel de revisão da Resolução 482 está adequada?
Luiz Augusto Barroso: A revisão da 482 já estava prevista desde sua publicação, porque a Aneel reconhecia que o sistema implementado, que facilitava o desenvolvimento da GD, não era o mais eficiente em termos econômicos e de alocação de custos. É uma discussão técnica cujo cerne é a cobrança pelo serviço das distribuidoras de receber o excedente de energia durante o dia e devolver durante a noite. O custo deste serviço não é nulo e, portanto, deve ser cobrado dos usuários que o utilizem. Caso não seja cobrado, como os custos deste serviço são fixos, os demais usuários da rede é que irão pagar.
Esta discussão está ocorrendo em nível mundial, e as melhores práticas são as de reconhecer a existência do custo deste serviço. É claro que os consumidores que adquiram baterias e com isso se desconectem da rede não estarão mais utilizando esses serviços da rede, e neste caso não lhes cabe pagar, e portanto a discussão está encerrada.
Agência CanalEnergia: O que precisa ser aprimorado nela?
Luiz Augusto Barroso: Achamos que existe espaço para revisar a regra que limita em dez anos a isenção do pagamento deste serviço para os existentes. A própria agência já sinalizou que pode seguir nesta direção. Este tema é responsável pela maioria do ruído nas discussões atuais.
Agência CanalEnergia: É possível começar a cobrar pela tarifa fio e demais custos associados para novos sistemas já a partir do ano que vem?
Luiz Augusto Barroso: Repare que tudo depende do que se chama de “novo”. Possivelmente o “novo” será o agente que solicitará à distribuidora seu parecer de acesso até uma data ainda a ser definida. Nesse caso, a cobrança poderia começar quando ele iniciasse a operação. Outra opção que também consideramos interessante é que a cobrança começasse 12 meses após a publicação da nova Resolução e apenas para os que pedirem acesso a distribuidora até uma determinada data, a ser definida.
Agência CanalEnergia: A PSR fez uma avaliação do que pode ser alocado como custo aos consumidores com sistemas de micro e minigeração?
Luiz Augusto Barroso: Como mencionados, os custos do serviço de rede devem ser contabilizados, e são referentes principalmente aos investimentos na rede distribuição, operação da rede, perdas na rede de distribuição e perdas na rede de transmissão.
Agência CanalEnergia: Qual a diferença entre a geração distribuída e a geração distribuída remota, longe da carga?
Luiz Augusto Barroso: A regulação do Brasil permite que geração solar localizada longe do ponto de consumo seja qualificada como geração distribuída, com direito aos mesmos benefícios do net-metering da geração distribuída local. Obviamente que neste caso o uso da rede de distribuição para que a compensação de energia ocorra, além do back-up quando não há sol, é até bem mais necessária. Em outras palavras, este usuário da geração distribuída remota é 100% dependente da rede.
Como mencionado, os custos do serviço de rede devem ser contabilizados, e são referentes principalmente aos investimentos na rede distribuição, operação da rede, perdas na rede de distribuição e perdas na rede de transmissão.
Agência CanalEnergia: Os benefícios que a GD traz para a rede podem ser considerados?
Luiz Augusto Barroso: Sem dúvidas. Dado que não temos uma estrutura de preços e tarifas com granularidade locacional e temporal adequadas, esses benefícios devem ser incorporados desde que seja demonstrado que eles existam de forma sustentável permitindo assim sua incorporação plena e permanente à uma às tarifas.
E é aí que existe uma boa discussão. Nas análises quantitativas da PSR em projetos de P&D em andamento, não é sempre que a GD beneficia o sistema. Por exemplo, na questão das perdas, pode haver um benefício inicial, mas com o aumento da geração em determinados locais e com a não coincidência do horário da geração solar com a curva de carga, as perdas podem aumentar, ao invés de diminuir. Isso tem sido observado em outros países, como documentado em alguns estudos internacionais. Há outras questões importantes tais como a questão do nível de tensão em que pode haver uma maior flutuação considerando a variabilidade da geração da GD o que pode afetar a operação dos dispositivos das distribuidoras. Por fim, verificamos que esses benefícios são bem dispersos, bastante locacionais e muitas vezes tendem a se anular ao longo do tempo, como no caso das perdas.
Um ponto importante neste debate é considerar que a localização da GD em cada ponto de conexão tem impacto distinto na rede de uma mesma área de concessão e em como a rede vai se comportar no futuro. Um exemplo anedótico: se todas as casas da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, instalarem painéis solares, e as pessoas durante o dia trabalharem no centro da cidade, a Light terá que fazer reforços na distribuição, e haverá aumento das perdas pelo excesso de geração na Barra da Tijuca durante o dia, e provavelmente haveria um aumento no nível de tensão daquela área. Em resumo, há efeito benéfico, mas depende da localização da GD na rede, da distribuidora e do volume e variabilidade da GD.
É por isso que é necessário aprimorar o sinal locacional e horário das tarifas de energia elétrica, de maneira a valorar corretamente custos e benefícios da geração distribuída, tal como a CP33 sugeria. E se aperfeiçoar os sinais for muito difícil, achamos que a Aneel pode estimular as distribuidoras a oferecerem mapas de congestão em suas redes, que poderiam ser usados como mapas para definir capacidade de acomodar geração distribuída, que atuariam justamente para aliviar tais congestões e servir de guia para permitir que a GD seja instalada onde ela tem mais valor.
Agência CanalEnergia: A fonte fotovoltaica já está suficientemente madura para reduzir os custos dos sistemas de geração de energia para o consumidor de pequeno porte?
Luiz Augusto Barroso: O mesmo sol que gera a energia distribuída gera em escala maior, chamada geração solar centralizada. As principais diferenças entre a solar centralizada e distribuída estão no custo de investimento e fator de capacidade. Por uma questão de economia de escala, atualmente a solar centralizada possui custo de investimento menor e maiores fatores de capacidade pela localização do projeto em melhores áreas e com mais otimização para o uso do recurso. No final do dia, o verdadeiro debate deveria ser entre fazer a solar centralizada ou distribuída incluindo os custos totais de transmissão, distribuição e impostos, que atualmente sobrevalorizam a geração distribuída na medida que a compensação da energia injetada é feita contra a tarifa total com impostos.
A geração fotovoltaica distribuída certamente vai seguir com uma acelerada redução de custos e pode em breve se tornar mais e mais atraente.
Agência CanalEnergia: O que poderia ser feito para possibilitar isso? Uma política pública para dar escala via programas de moradia popular, por exemplo, poderia ser a alternativa?
Luiz Augusto Barroso: Como na definição de qualquer política pública, o primeiro passo é entender qual o objetivo de incentivar a fonte e aí desenhar um programa com seus custos e benefícios explicitados à sociedade, e que tenha um prazo de vigência bem definido. Sem dúvidas, podem existir dimensões legítimas a ser consideradas que estejam fora do setor elétrico, como desenvolvimento regional e geração de emprego. Pelo lado do setor elétrico, a análise deve ser objetiva pela ótica da competitividade do recurso frente as alternativas. A título de reflexão, caso o mercado livre seja aberto ao consumidor residencial, como amplamente reivindicado, é razoável perguntar ao consumidor se ele prefere comprar geração solar distribuída ou assinar um contrato de compra de energia de uma outra renovável no mercado livre tradicional. O preço da solar no atacado é da ordem de 120 R$/MWh, bem mais barato que no varejo. Hoje este consumidor de menor porte ainda não possui essa opção, e a geração distribuída é sua única alternativa de gerenciar seu próprio custo de energia. Acredito que ainda com a possibilidade de compra direto no mercado livre, teremos consumidores que terão interesse em ser desconectados da rede por completo, com uma combinação de solar e bateria.
Inclusive, a geração solar distribuída remota “surfa” neste beneficio, pois utiliza da economia de escala ao instalar uma geração maior, e portanto mais barato para quem produz, para oferecer um preço maior a quem consome, ainda com benefícios a este.
Agência CanalEnergia: Como você avalia as reações à proposta da Aneel? Elas foram desproporcionais?
Luiz Augusto Barroso: Bastante. O debate perde a racionalidade com desnecessários ataques a instituições e servidores através de uma guerra de comunicação muito confusa. É uma pena, pois as pessoas que comandam essas ações perdem a credibilidade e dificultam um debate racional para o futuro. Porém, o pior resultado prático é confundir a população e contribuir para um pior processo decisório.
Agência CanalEnergia: A participação do Congresso nas discussões pode ajudar? Fica mais fácil conciliar os interesses se o tema for tratado em lei?
Luiz Augusto Barroso: Sem dúvida. Seria importante, neste caso, definir uma política nacional com objetivos claros, explicitando as fontes de recursos e definindo prazos e custos. Consideramos importante evitar soluções aparentemente simples, mas que acabam por alocar indevidamente determinados custos, como por exemplo a proposta discutida no passado de alocar o custo do serviço do fio na CDE . As questões chave a se responder são: porque se quer a política pública, qual o objetivo, qual seu custo, benefício, duração e integração com as demais políticas em discussão, como a abertura de mercado.
Agência CanalEnergia: A geração solar distribuída ainda será competitiva mesmo depois destes movimentos todos?
Luiz Augusto Barroso: Sem dúvidas! A energia solar seguirá como uma grande opção ao consumidor final enquanto a liberalização plena de mercado não ocorra, e mesmo após sua ocorrência. Mas precisamos fazer da forma certa.