O mecanismo de precificação de combustível usado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) nos leilões de energia do país não está alinhado com o programa Novo Mercado de Gás. Quem alerta é a consultoria Wood Mackenzie que aponta ainda que os consumidores podem pagar o preço por esta situação, principalmente no que se refere à contratação doméstica do insumo. A fórmula de referência do preço do gás natural usada no leilão de energia, diz a empresa, tem várias falhas que devem levar a um impacto adverso no setor. O assunto é tema de um novo relatório da empresa (em inglês) intitulado “Leilões de Energia Térmica no Brasil – Parte II: porque a estrutura de preços atual falha”.
Na avaliação de Henrique Anjos, da equipe de gás e GNL de Wood Mackenzie, há uma desconexão entre esses dois pontos. Para ele, o cronograma de reformas do mercado de gás ainda precisa definir o acesso de terceiros aos dutos de transporte de gás e terminais de regaseificação de gás natural liquefeito, a migração para tarifas de transporte de entrada e saída e aspectos tributários. E afirma ainda que esses problemas devem ser resolvidos para novos acordos de fornecimento do combustível, especialmente para produtores e usinas independentes conectadas à rede de transporte. Caso isso não ocorra, esses players serão limitados a projetos de GNL para energia ou gás para fio, ignorando as soluções de sistemas de transporte.
Ele explica que os preços de referência divulgados pela EPE são provenientes de relatórios de perspectivas de diferentes agências. E que, embora a intenção seja aumentar a transparência e a confiabilidade, ocorrem inconsistências. Em sua análise, como cada agência usa uma metodologia diferente, resulta em perspectivas conflitantes.
Outro ponto destacado pela Wood Mackenzie é que a duração dos contratos de compra de energia também cria problemas. A consultoria afirma que a fórmula não reflete o custo de combustível de uma usina durante o período de 25 anos do PPA. “O preço atual de referência de combustível para o leilão considera um preço médio calculado em uma previsão para os 10 anos seguintes ao leilão”, aponta. Além disso, acrescenta que a abordagem usada para comparar os custos das usinas no leilão é baseada em um cenário de operação de caso base do sistema que reflete os cinco primeiros anos do PPA total. Para a empresa, isso não reflete a evolução de longo prazo do mix de energia brasileiro.
Até porque, essas alterações afetarão o preço da energia, principalmente porque a hidrelétrica não é a fonte dominante nos aumentos de capacidade. Além disso, a variabilidade da matriz elétrica é elevada e depende diretamente do volume de precipitação no país. Com isso, os valores reais podem variar significativamente das projeções usadas nos leilões, representando um grande risco para os desenvolvedores.
Por este cenário, se os custos marginais de longo prazo do sistema forem inferiores aos do caso de referência, os players produzirão menos energia do que esperam. Consequentemente ficariam expostos a liquidações de mercado de curto prazo, causando prejuízos financeiros. Para a consultoria, esta pode ser uma situação em que todos perdem, por levar um gerador com estratégia inteligente em leilão a dificuldades, mesmo que os usuários paguem mais pela energia adquirida no certame.
Na avaliação da Wood Mackenzie, o caminho seria a utilização de uma fonte única para a previsão de preços. Outro ponto seria ajustar o prazo da previsão de preço para calcular o preço de referência da EPE a ser alinhado com a vida útil do PPA. E uma solução definitiva seria premiar os desenvolvedores de energia térmica que adotam preços de combustível a longo prazo, para que possam projetar suas estratégias de portfólio e de hedge, medida que na avaliação da empresa reduziria o risco para o mercado e os consumidores.