Em mais um dia em que o pico da carga instantânea no dia ficou na casa de 66,3 mil MW, aumentam as perspectivas de redução do Custo Marginal de Operação para abril. Diante das projeções de queda da carga é possível afirmar que os valores para o mês que vem fiquem abaixo de R$ 100 no mês que vem e ao continuar o nível de demanda baixo por conta das incertezas sobre a evolução da pandemia de covid-19, já se vislumbra valores entre o piso a no máximo R$ 60/MWh em maio. Ao mesmo tempo, começa um movimento de revisão de contratos por agentes que querem evitar liquidar os contratos ao PLD perto do mínimo diante de um compromisso com valor mais elevado.
As avaliações ainda estão sob a égide da incerteza sobre os caminhos que a economia seguirá. Há projeções da Thymos Energia que variam entre uma retração de 5% em abril a até 15% na comparação com o mesmo período do ano passado. E a avaliação de Alexandre Viana, sócio e diretor da consultoria, é de que o PLD vá realmente “lá para baixo mas não no piso em um primeiro momento, mas é possível que chegue nesse patamar em maio”, afirmou ele.
O CEO da América Energia, Andrew Storfer, lembra a retração nas projeções de carga deve-se a um cenário econômico e agora com a pandemia. No final do ano passado, disse ele, a divisão de inteligência de mercado da companhia já indicava uma desaceleração da atividade econômica. “O sinal vindo da atividade econômica no quarto trimestre do ano passado já era ruim para 2020, isso antes do coronavírus”, destacou ele.
Com o nível de reservatórios no atual patamar a tendência natural do segundo semestre é de registrar a elevação dos preços, mas para um nível abaixo de R$ 200/MWh. Ele acredita mais em um patamar de até R$ 180/MWh. Nesse primeiro momento da crise ele estima que não chegue ao pico, mas bem próximo, algo na faixa de R$ 55 a R$ 60/MWh.
Agora com esse novo cenário que é incerto, continuou ele, tem que ser colocado na balança outros fatores como o efeito comportamental das pessoas em decorrência da crise e seu efeito na economia. Em sua avaliação, essa é uma situação inusitada, pois os governos sabem como entrar, mas qual deverá ser a hora de sair dessa quarentena é a maior dúvida, cuja resposta ainda não é conhecida.
Tanto é assim que temos visto embate aberto entre o Executivo e governadores de estados que tomaram como medidas ações que limitam a comércio e serviços nas maiores cidades do país. Há duas correntes, aquela que pede a manutenção do isolamento social, com pessoas trabalhando de forma remota, quando possível para evitar a propagação do novo coronavírus e a outra que defende a retomada da atividade para evitar perdas com a economia do país, o que poderia levar a um problema mais acentuado da economia do Brasil.
Storfer destacou que quanto mais se alongar esse cenário de pandemia maior será o problema econômico. E isso, lembrou ele, não será apenas para o setor privado, mas também para os estados que verão a arrecadação retrair com menor arrecadação de impostos. “O fato é que ninguém sabe o que acontecerá”, definiu ele.
Em geral, acredita que a carga será mais sentida nos segmentos de comércio, serviços e indústria. E como 80% do consumo no mercado livre está no setor produtivo, se a crise se prolongar o efeito será mais expressivo no prolongamento da crise. “Um período maior de quarentena afetará sim a indústria, o cenário mais provável que temos é de que dura até maio, e assim podemos ver um PIB e consumo mais restrito com PIB entre zero e 0,5% negativo”, indicou.
A América já começa a ver um movimento de clientes no mercado livre consultando contratos e verificando as cláusulas de força maior e de caso fortuito. Porém, relembra de outra crise, a de 2014 com valores de energia na casa de R$ 822/MWh e que levaram empresas a paralisar a produção para liquidar a energia ao PLD. Como hoje a perspectiva é de valores mais baixos e há falta de demanda o ganho daquele ano agora poderá representar perdas financeiras se não consumir a energia contratada. “Se tiver redução de consumo, esse é o risco do negócio”, avalia.
Por sua vez, Leontina Pinto, diretora executiva da Engenho Consultoria, também afirma que essa movimentação começa a ser visto. Ela acredita que o ambiente livre de contratação deverá ser o mais afetado caso a crise do coronavírus se estenda por mais de dois meses. Isso porque as indústrias ainda mantém a atividade para atendimento de pedidos já colocados. Mas com a retração do comércio essa entrada de pedidos deverá recuar se perdurar essa situação.
“Converso com grandes consumidores de energia que demonstram preocupação muito grande. A projeção que eles fazem para daqui a dois meses é muito ruim, e estão querendo renegociar as compras de energia estabelecidas em contratos. Em dois meses não terá demanda para a indústria eletrointensiva e não produzirão, sem isso terão que pagar os contratos e liquidar a PLD a um valor que estará próximo ao piso”, avaliou a executiva.
O presidente executivo da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres, Paulo Pedrosa, relata que a questão do consumo depende do segmento de atuação das empresas. Ele exemplifica que no momento o segmento de gases para hospitais estão em plena carga porque a demanda está elevada. Por isso ainda não há uma visão única dentro da entidade, até porque é necessário ainda entender o que acontecerá nos desdobramentos dessa crise.
Lembra que o mercado regulado possui mecanismos de proteção regulatórios como o direito ao pedido de reequilíbrio de contratos. No livre ainda é necessário avaliar a questão. “Há uma reflexão de que seria um pedido de força maior, pois não há nada mais imprevisível do que o surgimento de uma pandemia”, avalia.