A notificação apresentada por distribuidoras no decorrer desta semana alegando força maior em seus contratos é uma medida tomada por precaução apenas e não tem efeito prático neste momento. As empresas estão querendo “demarcar território” sobre a situação uma vez que há suas responsabilidades diante do mercado e a cadeia do setor elétrico. No foco da ação que envolve diversas concessionárias estão as incertezas quando à profundidade e a duração dessa crise desencadeada pela chegada da pandemia do novo coronavírus ao Brasil.
Em um seminário realizado via internet e promovido pela XP Investimentos, os CEOs de empresas que somam quase 50 milhões de consumidores em um universo estimado de 84 milhões, ou 60% do total, afirmam que o momento é de crise e que a saída para o segmento passa por medidas de auxílio ao segmento para que não haja o desequilíbrio de todo o setor elétrico. No foco, apontaram ações de curtíssimo prazo e de curto prazo, que segundo os executivos teriam que ser aplicadas para 30 e 60 dias. O maior impacto e ameaça está no fluxo de caixa das empresas diante do risco de inadimplência e na redução de consumo.
Inclusive, a PSR apresentou essas consequências como as mais urgentes de serem combatidas em sua mais recente edição do Energy Report, referente ao mês de março. Para o CEO da consultoria, Luiz Barroso, que mediou o debate, o impacto em três meses pode chegar a um montante próximo a R$ 15 bilhões.
Na avaliação dos executivos, a solução para o problema que as concessionárias enfrentam nesse momento, segundo as palavras de Ana Marta Veloso, da Light, é complexa e deve conter um pacote de medidas, não apenas uma ação. “O momento é de usar a criatividade que temos e encontrar um pacote de medidas que deixe o setor como um todo equilibrado. Nós somos uma ponta da cadeia e responsáveis por equilibrar todo o setor”, comentou a executiva.
Além da Light, você leu aqui na Agência CanalEnergia, que a Enel e a Equatorial Energia alertaram para uma possível necessidade de redução temporária dos volumes de energia contratados em leilões.
O CEO da Energisa, Ricardo Botelho, complementa que esse equilíbrio tem relação com a função da distribuidora. Lembra que são as concessionárias as responsáveis pela arrecadação de valores e repasse a geradores, transmissores, bem como, ao governo no que se refere a impostos e encargos. Mesmo que não haja o pagamento da conta pelo consumidor os valores são repassados. E que essa situação pesa sobre as empresas que ficam com uma parcela de 18% do valor total.
Nessa busca por uma solução estrutural, continuou ele, aponta que há caminhos para a mitigação da crise, mas que esse passa pela ação do governo e de todos os elos da cadeia, inclusive do consumidor. “Não é apenas uma ação é um conjunto de medidas para contemplar a solução completa e dar condições para a travessia por essa crise com mais tranquilidade”, emendou ele, que ressaltou o fato de ainda não se ter condições de avaliar com clareza qual deverá ser o comportamento dessa crise e o tempo para a recuperação da demanda.
Em três meses o impacto para as distribuidoras deve ficar, em linhas gerais, em R$ 15 bilhões.
Luiz Barroso, da PSR
Em linhas gerais, os representantes das concessionárias apontaram a necessidade de que o Tesouro Nacional traga o socorro pretendido. E além disso, revisão de subsídios que somam R$ 11 bilhões na CDE, soluções semelhantes à conta ACR de 2014 que somou mais de R$ 20 bilhões, ação por meio de fundos setoriais, atuação no que se refere ao custo do serviços da dívida de Itaipu que é em dólar, além de linhas de financiamento do BNDES e outras ações heterodoxas fazem parte do leque de possibilidades indicadas.
“O pacote de medidas tem que ter começo, meio e fim, e ter como objetivo o menor impacto para o consumidor”, afirmou Botelho.
O CEO da Copel, Daniel Slaviero aproveitou para acrescentar ainda que a crise atual não é do setor elétrico em si, é um problema financeiro e, por ser desta natureza, a saída está na tomada de ações nesse ambiente. Ele lembra que o governo deveria aproveitar a discussão da chamada PEC do Orçamento de Guerra, que define a dotação recursos para o combate ao coronavírus, para indicar essa ação do TN para o setor elétrico. Ele estima que o tamanho dessa crise é da ordem de R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões. Em linha com o que estima o CEO da PSR e outras estimativas do mercado para o socorro às distribuidoras.
Notificação feita pelas distribuidoras nesta semana foi uma medida tomada por precaução. Ana Marta Veloso, CEO da Light
Ainda na noite de quinta-feira, 2 de abril, o próprio Ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque havia citado envolver recursos do Tesouro Nacional para financiar parte dessa ajuda às distribuidoras. Ele comentou que ainda não havia uma decisão tomada mas que essa poderia ser um dos caminhos.
“As distribuidoras são vitais para o sistema, são responsáveis pelo caixa do sistema repassando os recursos para geração e transmissão, por exemplo, isso fora a arrecadação de tributos e encargos. Então as concessionárias têm que ter caixa e liquidez”, apontou o Albuquerque. “Estamos trabalhando para a questão da inadimplências e a tarifa social, isso de certa forma, seja num primeiro momento, isento e para que as distribuidoras não tenham a inadimplência desses consumidores”, indicou o ministro ao citar os itens nos quais o Tesouro participaria.
Distribuidoras são vitais para o setor elétrico e o governo trabalha para que as concessionárias tenham caixa e liquidez.
Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia
Augusto Miranda, CEO da Equatorial Energia, defendeu que a solução deve ser equacionada em toda a cadeia, pois justamente pela importância do segmento de distribuição para outros agentes e até mesmo para os governos não é salutar que somente o segmento arque com as consequências da crise. “Vivemos um momento de crise que é global e não do setor, não é justo que as distribuidoras paguem toda a conta com seus 18% da tarifa. O Tesouro tem que entrar sim, a parcela das distribuidoras na conta não será suficiente para bancar todo custo”, comentou ele.
O CEO da Neoenergia, Mario Ruiz-Tagle, por sua vez, destacou que a companhia, diferentemente de outras, não apresentou essa notificação de força maior. Mas explicou que esse posicionamento deve-se ao fato de que ainda não foi configurada essa perspectiva nas áreas de concessão onde atua em decorrência do perfil de consumidores. A companhia que atende a cerca de 14 milhões de unidades consumidoras está presente em Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia e no interior do estado de São Paulo com a Elektro.
Contudo, disse ele, entende que a situação em outras distribuidoras é diversa àquela encontrada pela Neoenergia. E destacou que o segmento é essencial para a recuperação da economia, por isso, não podem deixar de investir na manutenção, expansão e modernização da rede, lembrando dos avanços tecnológicos que o setor tem visto nos últimos anos.
“Sairemos da crise, assim como já ocorreu no passado, e a demanda reprimida retornará e precisamos estar prontos para atender essa trajetória que era de crescimento”, finalizou.