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Os consumidores de energia não querem pagar sozinhos a conta da crise no setor elétrico. Nesta quinta-feira, 9 de abril, o presidente Jair Bolsonaro editou uma medida provisória (MP950/10) autorizando a contratação de empréstimos para aliviar a pressão sobre o fluxo de caixa das distribuidoras de energia. Pelo texto, os consumidores do mercado cativo terão que suportar um novo encargo para viabilizar os empréstimos. Os valores ainda não foram definidos.
A reportagem apurou que parte da diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é contra a contratação de um novo empréstimo. “Quem trouxe a proposta percebeu que havia resistência de uma parte da diretoria da Aneel”, disse uma fonte ligada à alta cúpula do setor.
Manoel Teixeira de Mesquita Neto, presidente do Conselho Nacional de Consumidores de Energia Elétrica (Conacen), disse ser totalmente contra a um novo empréstimo pago pelo consumidor. “Acho que há um equivoco tanto do Governo Federal quanto da própria Aneel, ela está preocupada com as distribuidoras e não com o consumidores”, disse. “Não estamos confortáveis em pagar essa conta”, afirmou.
Diferentemente da crise de 2014, quando o problema foi a baixa na oferta, em razão da falta de chuvas e o aumento expressivo do custo de geração, agora as distribuidoras enfrentam o problema da queda da demanda em razão das limitações de consumo dos setores de serviços e indústria. Há também uma expectativa de grande inadimplência por parte dos consumidores.
Para Paulo Pedrosa, presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres de Energia (Abrace), o setor elétrico não pode ficar blindado diante de uma crise que tem nuances de uma tragédia global. “Todos precisam colaborar com as soluções. O setor elétrico brasileiro é muito protegido de crises pelos seus contratos e precisa ser assim, mas isso não significa que o setor esteja totalmente descolado da realidade que afeta todos os brasileiros”, criticou Pedrosa, que ocupou o cargo de secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia (MME) durante o governo de Michel Temer.
Setor elétrico não pode ficar blindado diante de uma crise que tem nuances de uma tragédia global. Paulo Pedrosa, da Abrace.
“A solução para o setor passa por uma distribuição de responsabilidades e de custos. O setor precisa amadurecer para construir essa solução, em que o setor vai perder muito menos do que o resto da economia, mas também precisa participar”, completou Pedrosa.
Em 2014, uma crise de demanda fez com que a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) contraísse R$ 21,2 bilhões em empréstimos bancários, a custos que variavam entre CDi+ 2,25% até CDI + 3,15%. Após cinco anos, o consumidor do mercado cativo pagou uma conta de R$ 33,4 bilhões.
“Tem sentido pagar juros sobre kwh? Qual o país do mundo que se paga juros sobre kwh”, questionou Roberto D’ Araújo, presidente do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico (Ilumina). “A regra do jogo é contrária ao mercado cativo, que vai mais uma vez pagar pelo reequilíbrio das concessões das distribuidoras, seja através de empréstimo, seja através de aumento tarifário”, completou.
Com uma elevação das tarifas no mercado cativo, o mercado livre ficará ainda mais competitivo. Passada a crise do crononavírus, é esperada uma nova onde migrações para o mercado livre, assim como aconteceu em 2015 e 2016. Araújo defende que os ganhos econômicos que os consumidores livres vão ter com a queda no preço da energia também sejam capturados pelo mercado cativo.
Operação Polêmica
Em 2014, o socorro as distribuidoras gerou polêmica no setor e terminou no pedido de demissão de três conselheiros da CCEE. Alguns especialistas entendiam que existiam soluções regulatórias melhores do que apenas repassar a conta para o consumidor cativo.
Ricardo Lima, consultor e ex-conselheiro da CCEE, destaca que a crise atual é sistêmica e não apenas de oferta ou demanda como foram em 2001 e 2015. “É um momento em que toda a cadeia precisa abrir mão de alguma coisa. Todo mundo vai ter que se sacrificar”, disse. “Vamos ter um aumento do desemprego, da inadimplência do consumidor, vamos ter uma crise de produção, fechamento de empresas, não dá para falar para o consumidor pagar”, analisou o especialista.
O presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Carlos Faria, também é contra a criação de uma nova conta-ACR – acrônimo que recebeu a conta centralizadora de recursos dos empréstimos de 2014/2015. O presidente da Anace vem pregando por uma solução que envolva todos os agentes. Faria sugere medidas regulatórias que envolvam a suspensão da obrigação de atendimento da demanda contratada e as penalidades por descumprimento das condições contratuais. Para ele, essa é uma conta que precisa ser dividida por todos. “Todos irão perder, não tem ninguém que vai ganhar”, afirmou.
Rodrigo Limp, secretário de Energia Elétrica do MME, explicou que, diferente do que foi feito em 2014, agora o consumidor cativo que migrar para o mercado livre terá que carregar sua parcela nos empréstimos, evitando com que o consumidor cativo seja o único pagador desse novo empréstimo.
A Aneel enviou um ofício a todas as distribuidoras com o objetivo de apurar os impactos financeiros da redução de demanda e da possível inadimplência sistêmica que haverá por conta da crise sanitária e econômica desencadeada pela pandemia de coronavírus.
Para o coordenador do programa de energia do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Clauber Leite, é preciso que se discuta desde agora incentivos e uma divisão equilibrada do ônus, para que o mercado cativo não saia sobrecarregado. É necessário, sobretudo, que todos os setores – geração, distribuição, comercialização e consumo – participem da resolução da crise e que tudo seja feito com a máxima transparência, evitando judicializações.
“É certo que o mercado cativo terá que arcar com parte do problema, mas é importante que as empresas geradoras e distribuidoras, e seus acionistas, também entrem na divisão do “bolo”. Além disso, qualquer medida deve priorizar a situação das pessoas mais vulneráveis – prevendo carências, por exemplo – que é quem mais sofre com a redução dos empregos e salários, e não beneficiar alguns setores, como os bancos que cobrarão spread em possíveis financiamentos. Tudo isso deve ser feito respeitando contratos, a concorrência e a eficiência. Também há de se separar o que são os efeitos da crise e o que porventura venha a ser ineficiência das empresas”, disse em nota o representante do Idec.