Nos últimos 20 anos o setor elétrico enfrentou pelo menos outras três grandes crises antes da pandemia de covid-19. Cada uma delas deixou lições derivadas de seus impactos e até hoje o país não aproveitou esses episódios para criar um arcabouço legal e regulatório robusto para enfrentar crises futuras, evitando assim soluções urgentes para problemas urgentes em detrimento a soluções importantes. Essa é a avaliação da consultoria PSR, que vê nesta uma nova oportunidade para que se construa um arcabouço regulatório com novos instrumentos que tornem o setor mais robusto a futuras crises.

Em sua publicação mensal Energy Report, edição de abril, a consultoria fluminense abordou as três grandes crises deste século no setor. Começou com o racionamento de 2001, passou pela crise financeira do subprime e a causada pela MP 579 em 2012. Em todas houve impactos e deixaram claro que o setor brasileiro não é robusto a choques de oferta ou de demanda, e a principal causa são contratos no ACR com pouca flexibilidade e falta de instrumentos eficientes para que os agentes se adaptem às mudanças nas condições de mercado.

A PSR exemplifica ao apontar como lacuna, a não existência de uma regra no caso de um novo racionamento no país. “Não há definição se será novamente pelo consumo ou se será pelo montante contratado ou mesmo como será a alocação dos custos na cadeia. Da mesma maneira, as diretrizes para quando e como utilizar uma solução no estilo Conta-ACR não foram definidas, tendo sido necessário uma nova MP para a criação da conta covid”, aponta.

Em linhas gerais, a consultoria classifica que esta crise é mais ampla e lembra que não tem origem no setor elétrico. E por essa razão não está em seu centro, diferentemente, por exemplo da de 2001 e de 2012. A covid-19 afetou a economia como um todo e, consequentemente chegou a este setor por conta da natural – e abrupta – relação da demanda, preços baixos no mercado livre e no MCP, bem como a dificuldade das distribuidoras em arrecadar recursos por conta da inadimplência e retração de mercado.

Na análise da PSR, as principais lições aprendidas com as crises anteriores ressaltam o quão é importante a agilidade na resposta e na coordenação dos interesses envolvidos para desenvolver as propostas de solução aos impactos. Aponta que o ambiente livre de contratação possui condições de buscar soluções de mercado para se recuperar das crises, que  o excesso de intervenção no mercado pode aumentar o tamanho do problema. E ainda, destaca o fato de que postergar custos para o futuro gera distorções na alocação nos elos da cadeia.

Racionamento 2001
Quando analisa a primeira crise de sua análise, a PSR destaca que há semelhanças no que se refere à queda de demanda, que foi súbita. Além disso, lembra que com aquele evento o patamar de consumo mudou depois de ações com eficiência energética por parte dos consumidores. “Tudo indica que a crise atual também resultará em alguma redução estrutural da demanda, neste caso provocada pela queda na atividade econômica em nível mundial”, aponta a consultoria.

Contudo, destaca por sua vez que, em 2001, o Brasil apresentava-se vulnerável em termos de balanço estrutural entre oferta e demanda, e que por isso não foi capaz de superar uma sequência de anos de vazões moderadamente desfavoráveis. Além disso, naquele período o país estava implementando um novo modelo comercial para o Setor Elétrico, baseado em privatização e mercado. E lembra que o país hoje possui uma parcela de cerca de 30% no mercado livre, ante um mercado regulado ainda predominante em todos os setores da economia.

A PSR ressalta que a parcela atual no ACL leva os agentes envolvidos a negociarem os contratos sem a interferência do governo, e considera que podem ser um parâmetro para a soluções no ACR. E arremata ao apontar que o aumento de tarifa generalizado naquele período não foi bem aceito, e que hoje esse efeito pode ser mais pesado porque os consumidores estão sendo mais afetados pela crise que não é somente do setor.

Subprime
Já essa crise mostrou três semelhanças, apesar de não estar diretamente ligada ao setor elétrico e sim pelo mercado financeiro. A primeira é sua abrangência internacional se assemelha ao novo coronavírus, a segunda é a redução de consumo na demanda e não na oferta, diferentemente da de 2001, e a terceira é a magnitude da crise por não se saber sua extensão e impacto na economia.

Nessa época, 53% do segmento industrial já havia migrado para o mercado livre correspondendo por 95% do consumo total do ACL, fazendo com que a crise tenha se concentrado neste ambiente, levando a queda de 10,3% no consolidado do ano. Já O ACR aumentou nesse ano em 2%.

“A consequência foi o próprio mercado trazer soluções para crise, através de negociações bilaterais entre comercializadoras, geradores e consumidores livres. A recuperação econômica em 2010, com aumento do consumo no ACL de 18,5%, ajudou a estancar o problema”, destaca, sendo esta uma das lições tiradas desse período.

11 de setembro
Já a mais recente, provocada pela MP 579 continua mais viva no setor, até porque recentemente é que se conseguiu amortizar uma grande parcela do impacto financeiro sofrido, a quitação da conta-ACR, cujo empréstimo de R$ 21 bilhões junto a um pool de bancos somou ao final um custo repassado para os consumidores ao longo de 2015 e 2019 de R$ 34 bilhões.

Nessa crise cita a consultoria estão o ESS mais elevado até hoje, aumento dos custos dos contratos por disponibilidade pelo despacho termelétrico, exposição financeira na CCEE das distribuidoras pela subcontratação causada pela não realização do leilão A-1 de 2012 e a exposição financeira na CCEE das distribuidoras causada pelo GSF abaixo de 1, que impacto as hidrelétricas contratas por cotas na modalidade por disponibilidade.

No final aponta a PSR, “a experiência com a crise causada pela MP 579 nos ensina que a evolução da crise, resultando na necessidade de uma sequência de aportes do Tesouro, culminando na criação da Conta-ACR, foi causada pelo excesso de intervenção governamental, falta de análise de impacto regulatório das medidas propostas, e passividade ante os impactos no setor, com um postura socorro aos agentes preservando as tarifas hoje, mas postergando custos para o futuro”.

E ainda, que considera que a postergação do problema gera ineficiências na precificação do mercado, resultando em aumentos tarifários não condizentes com a situação do portfólio das distribuidoras, o que resulta em migração para o mercado livre levou ao aumento dos custos no mercado regulado, incentivando ainda mais a migração para o ACL, efeito conhecido como “espiral da morte”. E reforça ainda, entre outros pontos que diversos problemas herdados naquela ocasião, como por exemplo as cotas de garantia física contratadas por disponibilidade, ainda não foram resolvidos.