As recentes manifestações de pedidos de força maior e de caso fortuito que rondam o setor elétrico nas últimas semanas por conta dos impactos da covid-19 tendem a não prosperar. Isso porque esses pedidos dificilmente se caracterizam como tal. Os pleitos têm mais natureza de impacto financeiro, já que as regras do setor preveem o excedente não utilizado na liquidação do mercado de curto prazo e que está atualmente próximo ao piso regulatório de R$ 39,68/MWh, em geral, um patamar mais baixo do que a tarifa paga.

Na avaliação do advogado Julião Coelho, buscar essa via para resolver questões contratuais pode trazer um agravamento da crise. Em sua argumentação, ele indica que se se buscar conflitos e uma tentativa de ruptura de contratos pode-se ver um efeito cascata em toda a cadeia. E ressaltou que o respeito aos contratos e suas cláusulas deve ser seguido e mantido como um importante mecanismo.

“Um dos principais legados que as crises anteriores do setor elétrico deixaram é que o diálogo tem que ser a principal ferramenta nesse momento”, comentou ele em sua participação durante o 4º webinar do Agenda Setorial 2020, realizado pelo Grupo CanalEnergia-Informa Markets. Segundo o ex-diretor da Aneel, ações dessa natureza podem gerar insegurança jurídica e como o pós crise se supera com investimentos é necessário um ambiente de confiança. “Importante destacar que com diálogo e respeito aos contratos a gente consegue sair bem”, acrescentou.

O sócio da Delta Energia, Ricardo Lisboa, destacou por sua vez que a falta de diálogo trouxe problemas no passado, mas que hoje vê um ambiente mais aberto ao diálogo. Em sua avaliação, o que sustenta o mercado atualmente é a segurança jurídica dos contratos. Os acordos devem ser honrados. Ele relatou que um reflexo dessa situação de estabilidade no país é vista quando se vai ao mercado internacional levantar recursos junto a fundos de investimentos para aplicações no setor elétrico nacional.

“Temos investidores do exterior porque eles acreditam no setor elétrico, apesar dos desequilíbrios é um ambiente seguro para investimentos. Se partimos para a quebra contratual essa possibilidade de funding tende a se esvair”, comentou ele em sua participação no evento que teve como objetivo debater a pandemia e os aspectos jurídicos dos contratos de energia nos ambientes livre e regulado.

Inclusive, Lisboa, que é presidente do Conselho da Abraceel, relatou que no ambiente da associação houve uma iniciativa para, segundo suas palavras, ‘organizar a casa’. Nesse sentido, com a consultoria do próprio Julião Coelho, lembrou que em uma análise de casos que chegaram à associação, a maioria dos caos não se enquadrava na definição de caso fortuito ou de força maior. Ele comentou que essa questão até pode existir mas há condicionantes que devem ser atendidas para sua caracterização, e assim evitar a renegociação por meio de ações oportunistas que visam redução de custos.

Contudo, ressalta que questões como o GSF, em discussão há 5 anos desde as primeiras liminares, precisa ser equacionado. Isso liberaria recursos e a liquidação do mercado de curto prazo chegaria a quem tem o direito de receber os valores contabilizados, fato que não ocorre atualmente.

O presidente da BC Energia, Alessandro de Brito Cunha, defendeu a necessidade de manter a segurança jurídica do setor. O desafio, pontuou, é o de entender a crise e decifrar o caminho desse problema para aí tomar ações de mitigação do risco no setor. E reforçou ainda que o entendimento é fundamental para o direcionamento adequado de mecanismos tendo como foco não gerar outra crise dentro do atual cenário.

Já o presidente da América Energia, Andrew Storfer, apontou ainda que no mercado livre o entendimento no que se refere a negociações de PPAs ocorre de forma mais favorável. Mas ressalta que essa questão de pedidos de força maior ou caso fortuito tem que estar bem caracterizado. No mercado regulado, ressaltou, o risco acaba sendo absorvido pelo poder concedente que atua na forma de concessão de subsídios.

Comparando com o ACR, o sócio da Delta apontou ainda que se o mercado fosse 100% livre não haveria tantas dificuldades. Isso porque as comercializadoras e as geradores são empresas especializadas na gestão de riscos, diferentemente das distribuidoras e ainda pelo fato de existirem mecanismos que impõem limites para essas companhias.

Lisboa apontou que, se o ACL estivesse aberto a todos, a atuação poderia chegar a cerca de 60% da demanda. O executivo lembrou de casos em outros países em que há essa prerrogativa de abertura, mas nem todos optam pelo mercado livre, os índices chegariam a cerca de 50% a 60% do mercado total quando se permite a escolha. “Se dobrar o nosso mercado o setor estaria em situação melhor, pois gerenciamos melhor os riscos e isso acaba em tarifas mais baratas”, argumentou.