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Com a publicação do decreto nº 10.350, que regulamenta a MP 950, o setor elétrico vê importante parcela do pacote de socorro às empresas mais próximo. O consenso é de que há essa necessidade de ajuda emergencial às distribuidoras para evitar a inadimplência intrassetorial. Dentre os destaques estão a divisão da conta que não será totalmente imputada ao consumidor – como ocorreu na conta ACR – e medidas que trazem mais segurança jurídica. Por outro lado, a demora em publicar o texto pode fazer com que esse auxílio, esperado para maio só chegue mesmo para o final de junho. O tamanho parece estar mesmo em cerca de R$ 15 bilhões.
O governo federal vem reiteradas vezes dizendo que é possível ter a operação realizada até o final deste mês. Mas, segundo o CEO da RegE Consultoria, Tiago Barros, na melhor estimativa ficará para junho. Ele explica que o tema deverá entrar em uma reunião extraordinária da Aneel que abrirá consulta pública de, no mínimo, cinco dias. Se ocorrer na próxima sexta-feira, 22 de maio, essa consulta termina em 29 de maio, e ainda há outros trâmites burocráticos que devem levar um tempo normal.
“Acredito que fique para o final de junho”, reforça ele que integrava a diretoria da autarquia à época da conta ACR. “O texto, da forma que veio, demorou muito para vir, basicamente reforçou diretrizes que já constavam da MP 950”, avalia.
Contudo, Barros destaca dois pontos no decreto, que mesmo assim não justificaria tamanha demora na sua publicação. A alteração do decreto 5.163 sobre a exposição involuntária decorrente da redução de carga e a questão do diferimento concedido aos consumidores do grupo A, mas que de alguma forma já constava da REN 414. E ainda critica a questão do artigo 2º que traz as contrapartidas que se referem à renúncia ao direito de recorrer à Justiça quando se sentirem prejudicadas. “Isso é inconstitucional”, define.
O presidente da Thymos Energia, João Carlos Mello, diz que há possibilidade desse socorro poder escorregar para junho sim. Mas lembra que se o processo correu concomitantemente na Aneel, CCEE e BNDES na questão de se preparar para a medida, é possível que haja um trâmite mais rápido que o verificado quando da conta ACR. Assim possibilitaria a realização da operação no mês, como afirmou o MME em seguidas ocasiões.
Quanto ao decreto, o executivo avalia que veio sem surpresas quanto ao seu conteúdo. As medidas já vinham sendo apontadas. A questão que fica é a incerteza quando a extensão dessa crise. Mas, disse, o valor da operação deverá ficar na casa de R$ 15 bilhões, um valor que para ele deverá cobrir os impactos dessa crise. Ele elogiou o fato de que a Aneel participará ativamente dessa ação e diz que a questão dos consumidores negociarem o diferimento do pagamento às distribuidoras pelo uso da rede não está bem endereçado.
O advogado Raphael Gomes, do escritório Demarest, avalia que o decreto veio como esperado. Em sua análise, ressalta a segurança jurídica para a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica ao alterar o decreto 5177 da conta ACR que à época, lembra, trouxe questionamentos sobre a segurança da operação, tanto que acabou com a renúncia de três conselheiros da entidade. Agora, comentou, essa brecha foi consertada e atribui a base legal para o empréstimo.
Gomes acredita que agora é possível uma maior concorrência de bancos para o empréstimo. Antes do decreto, circulava no mercado a possibilidade de que o pool de bancos seria menor do que na conta ACR, agora com esses termos a tendência é de maior atratividade por conta, justamente da segurança jurídica da operação o que lá em 2014 era possível de ser feita porque antes foi definido por uma resolução da Aneel apenas, fato que abria precedente a questionamentos.
O advogado do Demarest apenas lembra que há uma dúvida quanto ao alcance do que é determinado no inciso 4º do parágrafo 3º do primeiro artigo, que trata do diferimento e parcelamento de obrigações vencidas e vincendas relativas ao faturamento da demanda contratada para unidades consumidoras do grupo A, que está quase em sua totalidade no ambiente livre de contratação. Na sua análise, o texto pode abrir espaço para uma tese jurídica que poderia trazer um processo de judicialização em meio a esse momento de convulsão.
Por sua vez, Rodrigo Machado, do escritório Madrona Advogados, avalia que o decreto nesse ponto autoriza que o consumidor pague apenas o que está utilizando nesse momento da rede e não o exime de pagar os valores contratados no futuro. Essa medida alcança todos os consumidores livres de alta tensão e condiciona os consumidores que optarem pela medida de pagar os custos financeiros pelo parcelamento e os encargos administrativos e tributários.
“O mecanismo foi bem bolado e ia ser um precedente ruim se o governo autorizasse apenas o pagamento do consumido e ponto”, avalia Machado. “A importância dessa medida é que gera um alívio de caixa para a indústria e joga para a frente essa obrigação, porém reconhecendo a obrigatoriedade do pagamento integral da demanda contratada”, acrescenta.
Inclusive, continua, há um fato importante para discussões no judiciário relacionados ao mercado livre. Ele destaca que muitas decisões são dadas sem base em um normativo por desconhecimento dos mecanismos do setor. Com essa regra de diferimento e não de pagamento pelo consumido o consumidor terá que pagar lá na frente o contratado efetivamente e com encargos. “Esse decreto cria um precedente importante para o mercado livre, a meu ver, mostra para juiz que não se pode onerar o agente do setor, no caso a comercializadora de energia”, ressalta.
Em linhas gerais, Fábio Di Lallo, sócio escritório Souto Correa Advogados, avalia que o decreto foi positivo e classifica o ponto que não coloca a conta toda na responsabilidade do consumidor como um grande diferencial quando comparado à conta ACR. Além do já conhecido menor custo da operação por conta da taxa Selic que está na casa de 3% ante os 11% de seis anos atrás, ele cita a alocação do custo de capital na parcela que é de responsabilidade das distribuidoras como um ponto a se destacar.
Na semana passada, o diretor da Aneel, Efrain Cruz, já havia indicado durante webinário do Agenda Setorial 2020, evento do Grupo CanalEnergia-Informa Markets, que a agência reguladora não alocaria toda a conta para o consumidor pagar. Entre as ações, que seriam diferenciadas estava justamente a alocação de custo que era do consumidor para este stakeholder enquanto a distribuidora também teria a sua alocação.
Di Lallo lembra que existem diversas formas de não alocar esse custo ao consumidor, entre elas está a injeção de recursos do Tesouro Nacional em uma última opção, pois recairia no contribuinte brasileiro o que daria quase no mesmo, outra forma seria a prorrogação de contrato de concessão para recuperar o valor nesse período. Para ele, o decreto vai ao encontro do que se procurou defender, o respeito aos contratos e que não haja um efeito cascata de inadimplência setorial. Nesse momento agora é aguardar os valores dessa conta covid e a regulação pela Aneel.
Em linhas gerais, o presidente da PSR, Luiz Barroso, afirma que na ausência de recursos do Tesouro, o empréstimo é uma solução de curtíssimo prazo, necessária para prover liquidez e preservar a solvência dos segmentos do setor devido à covid-19, mantendo o fluxo de pagamentos na cadeia de valor. A própria consultoria já avaliou que o segmento de distribuição seria o mais impactado pela crise em duas frentes, na redução do mercado e no aumento da inadimplência. Sendo assim, o chamado caixa do setor elétrico, necessitava dessa liquidez.
Agora, em função do não conhecimento do tamanho da conta covid, avalia que os recursos deverão estar ajustados às necessidades do sistema, que considere a utilização dos saldos disponíveis nas contas de encargos e fundos setoriais e que não gere subsídios cruzados em seu pagamento.
Segundo a análise da Moody’s, o decreto do governo brasileiro que regulamenta novos empréstimos para ajudar o setor elétrico é fundamental para a estabilidade financeira das distribuidoras e mitigação dos riscos sistêmicos relacionados à crise da Covid-19. “Nós estimamos que a pandemia vai reduzir em até R$ 16 bilhões a geração de caixa das 41 distribuidoras do país no segundo trimestre, em consequência da queda acentuada na demanda e do crescimento da inadimplência, aumentando a pressão sobre a liquidez”, destaca a vice-presidente e analista sênior da agência, Cristiane Spercel.
Barroso, por sua vez, ressalta ainda que é necessário preservar o equilíbrio econômico das concessões e é pertinente discutir pedidos de reequilíbrio com calma, e de forma individualizada, como já prevê a regulação do setor elétrico. E finaliza ao lembrar que “é fundamental começar já a discutir medidas de caráter regulatório, voluntárias e negociais de contratos na cadeia que são importantes ferramentas, após o empréstimo, para mitigar a sobrecontratação e outros efeitos da pandemia. O setor possui maturidade para implementá-las e se bem conduzidas e comunicadas, tal como já feita no mercado livre, não afasta investimentos e sinaliza maturidade.”