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O decreto presidencial que criou a Conta Covid e deu as linhas gerais de contratação de operações de crédito para socorro às distribuidoras é visto no setor como um resultado de discussões realizadas nas últimas semanas. Há quem acredite que embora o detalhamento das condições dependa ainda de regulamentação da Agência Nacional de Energia Elétrica, algumas preocupações do setor foram endereçadas pelo governo. O Decreto 10.350 foi publicado na segunda-feira (18), em edição extra do Diário Oficial da União.
Principais interessadas na discussão, as distribuidoras consideram o ato importante para o setor e esperam que ele traga recursos suficientes para cobrir a redução de mercado, que hoje atinge 18%, e o aumento da inadimplência, que tem ficado em 10%. Para Marcos Madureira, presidente da Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica, a operação atual é diferente do empréstimo da Conta ACR de 2014, porque a solução que se busca envolve ativos regulatórios que já estão dentro das distribuidoras.
“Não são novos reajustes, mas reajustes que as distribuidoras já teriam nos próximos meses e que já eram previstos. Por exemplo, aumento de custos da energia de Itaipu em função do dólar, aumento da CDE em função do aumento dos encargos e aumento da transmissão em função da entrada de novos ativos já estavam previstos no reajuste”, explicou Madureira. O que está sendo feito, segundo o executivo, é antecipar valores que seriam recebidos pelas distribuidoras nos próximos dez, 12 meses, e que serão pagos pelo consumidor na amortização do financiamento a partir do ano que vem.
Madureira acredita que em algum momento o consumidor vai pagar a inadimplência, mas a sobrecontratação involuntária decorrente da retração de mercado terá de ser coberta por um ajuste na tarifa. A expectativa é de que o custo do financiamento seja menor que o da crise resultante da crise hídrica e dos impactos da Medida Provisória 579.
O decreto agradou setores industriais, ao sinalizar com a possibilidade de diferimento por quatro meses da parcela da demanda contratada e não utilizada. O tratamento poderá será feito dentro da Conta Covid, mas o diretor Técnico da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres, Filipe Soares, afirma que a indústria vai continuar defendendo que a solução adotada somente na distribuição possa ser estendida aos usuários da Rede Básica do Sistema Interligado, que inclui parte importante dos setores industriais. Na visão da Abrace, a Aneel não fechou a porta para essa discussão.
O diretor da Abrace considera que o decreto traz uma questão interessante, que é o compartilhamento de custo. “A Conta Covid vai ter um encargo a ser pago pelos consumidores na CDE (Conta de Desenvolvimento Energético). Mas ele pode ser compensado pelas distribuidoras, mediante modificação das condições estruturais. [O decreto] dá a entender que isso vai acontecer se houver uma melhoria sistêmica como um todo, ou se tiver uma situação de reequilíbrio econômico financeiro da distribuidoras. Isso é bastante inovador” avalia o executivo.
Ele também cita como ponto positivo a preocupação com preservação de caixa, uma vez que as cotas para pagamento do empréstimo vão ser cobradas somente a partir de 2021. Outro detalhe é a confirmação da data de corte de 8 abril (data de publicação da MP) para que consumidores que mudarem para o ambiente regulado continuem pagando o custo do financiamento.
Nem todos os segmentos, no entanto, aplaudem incondicionalmente o decreto. Para o presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia, Carlos Faria, a sensação é de frustração das expectativas em relação a uma melhor discussão dos impactos e a uma divisão mais justa dos custos da pandemia, na operação de ajuda ao setor. Ele avalia que de 80% a 90% da conta vai ficar com os os consumidores.
“A gente gostaria de reforçar o que tem dito há muito tempo: que é importante que todos os agentes participassem da solução. No entanto, quando a gente analisa o decreto, não há uma evidência de que está sendo feita uma repartição dos custos”, diz Faria. Ele argumenta que a participação das distribuidoras é pequena, já que em caso de perdas elas poderão ter recomposição extraordinária; não vê participação das transmissoras na solução e diz que para geradoras o impacto também é pequeno.
Faria observa, no entanto, avanços, como a postergação das revisões tarifárias que ocorreriam este ano e o atendimento ao pleito dos consumidores em relação ao diferimento da parcela da demanda não utilizada. A grande preocupação agora é com a regulamentação da Aneel, que deve exigir atenção dos consumidores, diz.
Mário Menel, que representa o Fórum das Associações do Setor Elétrico e grandes indústrias ligadas à Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia, destaca que o decreto era muito esperado pelo setor, mas não trouxe grandes novidades em relação ao que já vinha sendo discutido há semanas. “O decreto fornece bastante base legal para que a Aneel faça agora a regulamentação. Calcule os montantes, estabeleça com mais detalhes essas condições, quais são os contratos que deverão ser assinados. Então, tem uma etapa grande ainda pela frente que é a parte regulatória da medida provisória, do decreto, para sair esse financiamento e o dinheiro chegar efetivamente ao caixa das distribuidoras.”
Em sua avaliação, o ato poderia ser dividido em pelo menos quatro partes, que são a autorização para as operações de crédito; as condições de acesso das distribuidoras aos recursos da conta; a condições de contratação e e quem vai pagar o empréstimo.
O presidente da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa, Charles Lenzi, avalia a criação da Conta Covid uma medida fundamental para o todo o setor elétrico, por ajudar a mitigar os impactos da pandemia do coronavírus para os diversos segmentos. “A Abragel sempre apoiou a ideia de uma injeção emergencial de liquidez no caixa das distribuidoras, tendo em vista o papel estrutural que essa medida implica para todo o setor. O decreto estabelece esse processo fortalecendo premissas de respeito aos contratos, o que tem um significado fundamental na garantia da expansão do suprimento no futuro”, afirma o executivo.
Para o diretor presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica, Alexei Vivan, ainda que o uso da CCEE na contratação do financiamento não seja tecnicamente a forma mais adequada, “a situação extrema e completamente fora de parâmetros que nós vivemos hoje autorizaria a adoção dessa medida.” Ele acredita que foi o meio que o governo encontrou para que os bancos se sentissem confortáveis na concessão do empréstimo às distribuidoras. De qualquer forma, resume, o empréstimo emergencial “é uma medida muito importante para dar tranquilidade ao mercado, uma vez que demonstra um socorro que existe para as distribuidoras, que são o tripé de sustentação do setor elétrico.”
Vivan considera como ponto interessante do decreto a possibilidade de as distribuidoras devolverem os custos de encargos administrativos, financeiros e tributários da transação, inclusive os da CCEE. Ele também menciona a possibilidade de redução temporária do pagamento de demanda pelos grandes consumidores, que em sua avaliação acaba trazendo um benefício ao mercado cativo.
Sócio da Focus Energia, Henrique Casotti também destaca que o decreto inclui pontos do pacote de ajuda que vem sendo discutidos nas últimas semanas. Para o executivo, há uma clara preocupação da Aneel e do Ministério de Minas e Energia em antes de definir os parâmetros da operação exaurir ao máximo os fundos setoriais disponíveis que tinham excedentes de caixa. Casotti cita como inovação o atendimento ao pleito dos grandes consumidores, mas cita também como ponto central do decreto o reconhecimento da exposição involuntária das distribuidoras devido a redução da carga provocada pela crise.