O excesso de oferta de energia elétrica acentuado pela pandemia do novo coronavírus acendeu o sinal de alerta sobre a agenda do gás natural no Brasil. Os contratos de longo prazo da indústria termelétrica são considerados estratégicos para criar a demanda necessária e dar segurança aos investidores privados do setor de gás natural.

Porém, segundo Cláudia Brun, vice-presidente Energy Marketing da Equinor Brasil, a nova oferta de gás natural depende de nova infraestrutura de escoamento. Para viabilizar esse tipo de investimento, o setor precisa de ancoras de demanda.

“Sem contratos de longo prazo para lastrear esses investimentos fica muito difícil convencer o nosso board que a aprovação desses projetos de mainstream e upstream aconteça”, disse a executiva, durante o seminário virtual promovido pelo BNDES nesta sexta-feira, 29 de maio.

“O adiamento dos leilões e os cenários de demanda de energia elétrica depois do coronavírus não são nada promissores para a viabilização da demanda de gás de longo prazo. E sem uma demanda de longo prazo, fica difícil viabilizar os investimentos”, disse Brun.

A carga do Sistema Interligado Nacional (SIN) foi revisada para 65.886 MW médios em 2020, redução de 3% em relação a 2019, de acordo a última versão do Planejamento Anual de Operação Energética (PEN 2020/2024). Isso representa um atraso de 4 anos no crescimento da demanda de eletricidade.

Para o secretário-executivo adjunto do Ministério de Minas e Energia, Bruno Eustáquio de Carvalho, o país precisa identificar as oportunidades ocultas nessa crise. Ele citou como pontos positivos a redução do custo de capital e do custo de mão de obra. O gás natural também pode contribuir para tornar a matriz energética mais limpa e segura, uma vez que o insumo é menos poluente do que outros combustíveis fósseis e produz energia para suportar a variabilidade das fontes intermitentes.

Carga é revisada para 65.866 MW médios em 2020

De mãos dadas

Também presente no evento, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, reforçou que a agenda do gás natural é uma das fronteiras mais importantes para atrair investimentos em infraestrutura e gerar empregos no país. O ministro buscou passar uma mensagem de otimismo sobre a retomada da atividade econômica no país.

“Ao contrário do problema da saúde onde temos que fazer o distanciamento social para impedir o contágio, na economia temos que andar de mãos dadas”, disse Guedes. “[…] Digo e repito: o Brasil vai surpreender o mundo”, enfatizou.

O investimento em gás natural será uma das fronteiras de atuação do BNDES, disse o ministro. Além de financiador de longo prazo, o BNDES quer assumir o papel de provedor de soluções para destravar os investimentos no setor de gás natural, o que inclui sugestões de melhorias no ambiente de negócio, articulações com as instituições públicas e privadas, elaboração de estudos e análises, e apoio a criação de novos modelos de negócios.

O Brasil possui um grande potencial para produção de gás associado à exploração de petróleo do Pré-Sal. No entanto, o monopólio da Petrobras e os modelos regulatórios travaram o desenvolvimento desse mercado.

A falta de escala e infraestrutura faz com que o custo do gás natural no Brasil de US$ 12 por milhão de BTU comprometa a competitividade da indústria brasileira. Para fins de comparação, o gás nos Estados Unidos custa US$ 2 MMBTU. Os investimentos no hidrocarboneto são considerados estratégicos para criar uma nova onda de industrialização no país, provendo energia barata para as empresas.

Segundo André Pompeo, Gerente do Departamento de Gás, Petróleo e Navegação do BNDES, o uso do gás natural pelas industrias de mineração, siderúrgica, fertilizante, metanol, cerâmica, papel, celulose, combinada com a demanda das termelétricas, tem um grande potencial para viabilizar a expansão do mercado de gás natural.

“O BNDES como banco de desenvolvimento do país deve exercer um papel importante para elaborar e realizar uma agenda positiva de novos investimentos e oportunidades para toda a cadeia do setor de gás natural”, disse Pompeo.

Na questão do financiamento, o BNDES quer atuar complementando o investimento privado, seja através de crédito direto para a transformação da matriz energética do país e de empresas, seja financiando frotas verdes de ônibus e caminhões e, eventualmente, até de carros.

“O tema do gás é super relevante para o BNDES e o banco quer atual como pilar fundamental no debate público desse tema”, disse Gustavo Montezano, presidente da instituição.

Empoderamento da ANP

Cláudia Brun, da Equinor Brasil, lembrou ainda da importância da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) nesse processo. “Um passo crítico para que a gente tenha um mercado de gás competitivo no Brasil envolve um empoderamento maior da ANP […] Para tocar essa agenda ambiciosa, a ANP vai precisar não só de recursos humanos como financeiros.”

Alexandre Cerqueira, gerente regulatório para América d Sul da Shell Energy, concordou. “Dependemos da atuação da ANP e vemos com grade preocupação a necessidade da agência ter recursos para promover todo o arcabouço regulatório necessário.”

Sobre a UTE Marlin Azul (RJ-560 MW), Cerqueira disse que Shell está trabalhando para duplicar a usina, como forma de ancorar nova infraestrutura de escoamento para novos campos de exploração na região. A primeira fase da térmica exigirá investimento de US$ 700 milhões, com a expectativa de consumo de 2 milhões de metros cúbicos de gás do Pré-Sal por dia.

O seminário também contou com a participação de Fábio Abrahão, diretor de Infraestrutura, Concessões e PPPs do BNDES; Fátima Giovanna Coviello, diretora e Economia e Estatística da ABiquim (Associação Brasileira da Indústria Química – Diretora de Economia e Estatística); José Carlos Oliver, diretor de Projetos e Suprimento de Gás da Comgás; Marcos Faria, superintendente de Petróleo e Gás Natural da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Pedro Teixeira, vice-presidente da Ternium Brasil; e Rodrigo Costa, gerente executivo de Gás e Energia da Petrobras.