Em um momento em que se discute como será o mundo após a pandemia de coronavírus, algumas tendências que estavam em curso oferecem algumas sinalizações. Os especialistas esperam uma aceleração do esforço global para uma economia de baixo carbono, suportada por avanços tecnológicos. A sociedade será mais intolerante a um modelo econômico que coloque em risco a sobrevivência do planeta. Investidores e consumidores tendem a valorizar cada vez mais corporações que contribuam para a preservação do meio ambiente e para o desenvolvimento social. Ou seja, os fundamentos estão mudando e o aspecto socioambiental ganhará mais relevância.
Segundo a coordenadora do Programa de Pesquisa “Finanças Sustentáveis” no Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV, Annelise Vendramini, não se trata de uma nova moda criada pelo mundo corporativo. Esse reconhecimento está apoiado na ciência; de que há limites que precisam ser respeitados para garantir a sobrevivência do planeta.
Annelise disse que há uma tendência de aumento dos investimentos em fontes renováveis e negócios sustentáveis, beneficiando tecnologias de produção de energia eólica, fotovoltaica, hídrica, em detrimento de fontes fósseis. Essa transição não será o fim dos combustíveis fósseis, mas indica que essa é uma indústria que está em declínio.
O Poder Público terá o papel de criar um arcabouço regulatório que garanta segurança jurídica e um ambiente propício para atração de investimento privado. O capital privado será responsável por financiar essa transformação econômica. Esse capital virá por três vias: fluxo de caixa das próprias empresas, mercado de capitais e financiamento bancário.
Segundo a professora da FGV, o mercado de capitais passou a considerar cada vez mais em suas análises de investimentos riscos “extra-financeiros”, como questões ligadas à governança corporativa e às contribuições ao meio ambiente e ao desenvolvimento social.
Por isso o interesse crescente de investidores por títulos de dívidas e ações de empresas que tenham alguma pegada socioambiental.
É nesse contexto que surgem os chamados Green Bonds ou títulos verdes. Nada mais são que um título de dívida atribuído a uma empresa que tenha um impacto socioambiental positivo, como são os casos das indústrias eólica e solar. O mercado de energia renovável é responsável por 50% das emissões de green bonds no mundo.
Esse é um mercado que vem crescendo desde 2007, embora ainda seja um mercado de nicho se comparado com o mercado de renda fixa global. No entanto, disse Annelise, as emissões de green bonds apresentaram crescimento de 50% em 2019 na comparação com 2018.
No Brasil, além dos green bonds que permitem o acesso ao mercado externo, internamente temos a figura da debênture de infraestrutura. “A gente tem visto um crescimento desse tipo de emissão no mercado brasileiro e não vejo um movimento de volta”, afirmou a coordenadora da FGV, durante seminário virtual promovido pela Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), nesta quarta-feira, 8 de julho. “Vejo que a gente está em um caminho sem volta. É um título cada vez mais atrativo e o mercado está interessado nesse tipo de operação”.
Recentemente, a Faro Energy captou R$ 15 milhões no mercado doméstico combinando benefício ambiental com social. Do total arrecadado, parte foi utilizado para pagar dívidas da empresa contraídas durante o desenvolvimento de projeto de energia solar e R$ 100 mil foi investido em projetos sociais. Outro exemplo foi a captação do Banco Votorantim, que levantou US$ 50 milhões no mercado internacional para financiar energia renovável.
“Quando a gente vai para renda variável se aplica a mesma lógica, com mercado preocupado com ambiental, social e a governança”, disse Annelise Vendramini. Há US$ 32 trilhões de ativos no mercado de renda variável sob o guarda chuva de preocupações socioambientais.
“No Brasil, nas últimas semanas, no meio da pandemia, a gente tem visto anúncio de investidores se comprometendo com esse tema ASG (Ambiental, Social e Governamental). Parece-me que a pandemia está cada vez mais mostrando a importância desses temas para gestão de risco e para geração de valor econômico”, observou a coordenadora da FGV.
Segundo Annelise, a carteira de pessoa jurídica dos bancos soma R$ 1,5 trilhão, sendo que 20% (R$ 314 bilhões) estão alocados na chamada “carteira verde”, onde as energias renováveis correspondem por 40% ou R$ 121,5 bilhões. Outros R$ 111 bilhões estão alocados no setor de transporte. “Os setores de energia renovável e transporte são os setores que mais receberão recursos do mercado financeiro nessa transição energética”, reforçou.
“Observamos uma tendência que veio para ficar, não é modismo, está muito calcado na ciência e no entendimento das pessoas de que o modo de produção e de consumo humano precisa mudar”, finalizou a especialista.
Precificação das externalidades
Precificar essas externalidades e criar métricas de tal forma que essas condições adicionem valor ao negócio será o grande desafio para diversos mercados, inclusive para o setor de energia elétrica.
As externalidades, em bom economês, se referem a elementos satélites ao negócio, que podem ser positivos ou negativos, mas para o qual não existe mercado. Se não existe mercado, é preciso criar métricas que permitam de alguma forma tangibilizar essas externalidades.
O Instituto Escolhas, em parceria com a consultoria internacional PSR, promoveu um estudo para qualificar e precificar as externalidades das fontes de geração de energia no Brasil. Porém, até pelo nível de subjetividade, o estudo não foi 100% endossado pelo mercado, levantando alguns questionamentos e discussões.
A presidente executiva da ABEEólica, Elbia Gannoum, lembrou que esse é um tema que estava em discussão no início do processo de modernização do setor elétrico, mas que o assunto foi sendo deixado de lado pela equipe do Ministério de Minas e Energia “justamente pela dificuldade de trazer essa valoração dos atributos”.
Para as duas especialistas, o próprio mercado deverá trazer essa resposta, criando métricas que permitam mensurar e inserir esse valor adicional aos balanços das empresas.
Questionada sobre a capacidade das fontes renováveis sustentar o funcionamento do sistema elétrico, Elbia disse que essa substituição de matriz não será imediata, até para não descomissionar capital investido, e que a tecnologia deverá equacionar o problema da variabilidade de geração.
“Existe uma aposta da humanidade que o progresso tecnológico conseguirá fazer jus a essa transição”, disse a executiva, citando o desenvolvimento de novas tecnologias como os parques híbridos e sistemas de armazenamento de energia.
Elbia disse que em 20 anos de carreira no setor elétrico nunca viu tantos movimentos no sentido de se ter um mercado de energia mais livre e competitivo.