O Plano Nacional de Energia 2050 entrou em consulta pública no Ministério de Minas e Energia nesta segunda-feira, 13 de julho. O documento conta com cerca de 230 páginas e vem com dois cenários base tomando como referência o ano de 2015, colocando entre suas premissas o caminho da transição energética, modernização do setor com os 3Ds ao lado da expansão tradicional do setor energético brasileiro.
Em linhas gerais, aponta o MME, os estudos do PNE e que agora estão abertos a contribuições da sociedade, apontam para um potencial energético de quase 280 bilhões de toneladas equivalentes de petróleo (tep) no horizonte até 2050. Este valor, continua no documento, representa o potencial de recursos não renováveis da ordem de 21,5 bilhões de tep e o potencial anual de 7,4 bilhões de tep de recursos renováveis ao longo de 35 anos.
Por outro lado, a demanda de energia cresce de 300 milhões de tep para cerca de 600 milhões de tep e, ao longo de trinta e cinco anos, essa trajetória representa uma demanda de energia total acumulada do período equivalente a pouco menos de 15 bilhões de tep. Ou seja, mostra uma perspectiva de abundância de recursos energéticos frente à demanda estimada que é apontado como o desafio nesse horizonte de tempo. “Trata-se de um contexto completamente distinto do passado nacional caracterizado pela escassez de recursos energéticos, com eventos de grande restrição energética”, pontua o MME.
Foram elaborados dois grandes cenários, formando um cone de incertezas para o desenho da estratégia de longo prazo: o primeiro, chamado Desafio da Expansão, que reflete requisitos de expansão do setor de energia para atendimento a um crescimento da demanda de energia mais expressivo. No segundo, chamado de Estagnação, analisam-se as consequências de um cenário em que o consumo de energia per capita mantém-se inalterado ao longo de todo o período.
O cenário Desafio da Expansão apresenta taxa de crescimento médio de 2,2% ao ano, chegando em 2050 com pouco mais do que o dobro do consumo final de 2015, com crescimento mais acelerado nos primeiros quinze anos, a uma taxa média superior a 2,5% a.a. Já no cenário Estagnação, o crescimento do consumo final de energia aumenta de pouco mais de 10% no horizonte de análise.
E ainda, no cenário Desafio da Expansão, é projetado um crescimento do consumo potencial de energia elétrica (que engloba o consumo na rede, a autoprodução, a geração descentralizada e é calculado antes dos ganhos de eficiência energética) da economia brasileira de 3,5% ao ano em média entre 2015 e 2050, atingindo-se um valor próximo de 240 mil MW médios (ou pouco mais de 2.100 TWh) ao fim do período.
Deste total, cerca de 5% do consumo potencial serão atendidos por Geração Distribuída, representando quase 11 mil MW médios, enquanto 7% (ou 16 mil MW médios) por Autoprodução. A eficiência energética se expande de forma significativa no período, devendo atingir 17% do total requisitado em 2050, o que equivaleria a pouco mais de 40 GW médios ou aproximadamente 360 TWh.
No Cenário Estagnação, a taxa média projetada de crescimento do consumo potencial de energia elétrica é de 1% ao ano entre 2015 e 2050, atingindo-se um valor pouco abaixo de 100 mil MW médios (ou pouco menos de 870 TWh) ao fim do período. A menor expansão econômica e o crescimento populacional modesto acabam por se refletir em uma menor expansão do consumo potencial de energia elétrica no horizonte deste cenário. Deste total, há um aumento da participação da Autoprodução com 14% (ou 13 mil MW médios) do consumo potencial. Nesse cenário é estimado que 7% do consumo potencial serão atendidos por GD, representando quase 6 mil MW médios, enquanto a eficiência energética responde por 10% do total requisitado em 2050, o que equivaleria a pouco menos de 10 mil MW médios.
No que se refere à forma de geração no cenário Desafio da Expansão, a demanda a ser atendida por produção centralizada cresce até 2,5 vezes em relação aos valores do ano base, mesmo com crescimento de GD, autoprodução, energia solar térmica e eficiência energética no período. Isso representaria 172 mil MW médios.
No cenário Estagnação, a perspectiva é de a geração centralizada continuar na faixa entre 65 mil a 70 mil MW médios, patamar que representa aproximadamente dois terços do requisito total de energia em 2050. Essa situação, continua o documento em consulta pública, não se daria apenas pelo crescimento mais modesto associado a este cenário, mas também a um aumento da participação relativa de Autoprodução e GD, cujos determinantes não se restringem apenas à evolução da atividade econômica interna.
Como conclusão dessa análise, aponta o MME, a matriz elétrica em 2050 continua predominantemente hidráulica tanto em termos de capacidade instalada quanto de geração (no período médio), com emissões de GEE decrescentes no período, também como resultado do descomissionamento de usinas termelétricas a combustíveis fósseis ao longo do horizonte. O gráfico abaixo aponta a perspectiva de participação no cenário de estagnação.
Potencial das fontes
Dentre as principais fontes de geração, o documento aponta que o potencial hidrelétrico considerado é de 176 GW, sendo 108 GW em operação e construção até 2019 e 68 GW de potencial hidrelétrico inventariado. Neste montante estão incluídas as UHEs e os projetos hidrelétricos menores de 30 MW que se encontravam com estudos de inventário concluídos e aprovados pela Aneel. E ainda, do atual montante de mais de 100 GW instalado, estima-se como conjunto de usinas elegíveis à modernização (repotenciação) cerca de 50 GW, distribuídos em 51 usinas em todos os subsistemas.
Em termos de energia eólica o PNE lembra que em 2001, foi elaborado o Atlas do Potencial Eólico Brasileiro, indicando um potencial instalável de 143 GW para todo o País. Desde então, foram divulgados estudos mais atuais sobre o potencial eólico, porém em nível estadual e seguindo cada qual seu conjunto de restrições, modelos e premissas. No documento são citados os resultados em diferentes alturas de torres tanto no onshore quanto offshore.
A capacidade instalada total esperada de eólica em 2050 pode ser ainda maior do que 200 GW se forem considerados alguns casos especiais, tais como a expansão 100% renovável da matriz elétrica e frota de veículos 100% elétrica, desde que não seja permitida a expansão de UHEs com interferência em áreas protegidas. Nesses dois casos, a capacidade instalada referente aos projetos eólicos atinge em torno de 209 GW e 246 GW, respectivamente. Tais valores corresponderiam a uma participação eólica entre 36% e 42% da capacidade instalada total do sistema em 2050. Se, por outro lado, não houver restrição à expansão das UHEs com interferência em áreas protegidas, esses montantes seriam menores, ressalta.
Para a outra fonte que é apontada como de maior perspectiva no mercado, a solar, a estimativa quantitativa do potencial indicado no PNE considerada apenas as áreas já antropizadas, ou seja, não foram incluídas áreas com vegetação nativa. Considerando apenas as melhores áreas disponíveis, com radiação superior a 6 kWh/m² por dia, seria possível a instalação de 307 GWp.
O gás natural tem destaque ao passo que a fonte é apontada como um “importante complemento à geração hidrelétrica desde o início da década de 2000”. Lembra das recentes mudanças tanto nas opções de oferta de gás para UTEs, quanto na demanda pela termeletricidade. E ainda, do aumento das opções de oferta para o setor elétrico, restritas à Petrobras por vários anos, que agora se diversificaram e levaram ao desenvolvimento de diferentes modelos de negócios, como terminais privados de GNL ou a experiência bem sucedida de geração com gás em terra do tipo reservoir-to-wire.
Segundo análise apontada no PNE 2050, as perspectivas de evolução no contexto tanto da oferta quanto da demanda de geração termelétrica a gás natural demandarão esforços de mudança tecnológica e regulatória. E que as reformas correntes no setor de gás natural e elétrico são apenas o início de uma adaptação contínua. A questão que se impõe para os próximos anos é o papel do gás natural no setor elétrico e na transição energética.
Ao final, a oferta potencial disponível em 2050 seria da ordem de 340 milhões de m³/dia a 450 milhões de m³/dia de gás natural. O consumo industrial de gás natural teria acesso à oferta de origem nacional a preços competitivos em função do sucesso do programa Novo Mercado de Gás, aumentando dos atuais 50 milhões de m3/dia em 2015 para um patamar entre 90 a 150 milhões de m3/dia em 2050. Dessa forma, a diferença entre a oferta total e a demanda industrial seria o volume disponível para as térmicas.
Outro ponto é o atendimento de potência, que passou a fazer parte do mais recente PDE. Para 2050 seria composta por um conjunto de tecnologias que contribuem, de forma segura, para o balanço de potência instantâneo considerando seus custos e a baixa probabilidade de despacho, dentre termelétricas flexíveis, repotenciação ou instalação de unidades geradoras adicionais em usinas hidrelétricas existentes, UHEs reversíveis e armazenamento em baterias.
Geração distribuída entra na análise já considerando a revisão do mecanismo de compensação, com aplicação de tarifa binômia para novos micro e minigeradores, bem como determinantes econômicos (como o crescimento da renda das famílias e a perspectiva de queda dos custos das tecnologias). Nessa situação a GD alcançaria um valor entre 28 GW a 50 GW em 2050, algo entre 4% a 6% da carga total.
Em transmissão a possibilidade de integração de grandes quantidades de fontes variáveis na rede, a capacidade de transmissão de grandes blocos de energia tende a ser um elemento crítico num cenário com grande penetração eólica. Além disso, com grandes transferências de energia entre regiões passa a ser mais relevante ainda endereçar as questões relativas às perdas da transmissão e distribuição. Por fim, outra direção ainda não explorada consiste na eventual instalação de plantas eólicas offshore e as questões do ponto de vista ambiental associadas às linhas de transmissão submarinas. Um desafio será a substituição da infraestrutura do sistema elétrico à medida que ela for envelhecendo.
O ministério lembra que o PNE 2050 tem como objetivo delinear a visão estratégica do governo a partir de questões relevantes para a tomada de decisão no horizonte de longo prazo. Na abordagem há um conjunto de questões nos cenários que trazem elementos para o desenho da estratégia do governo, traduzida em um conjunto de recomendações. E acrescenta que como toda estratégia, o Plano não está escrito em pedra. “É um instrumento vivo que dialoga com distintas possibilidades e ambientes de incerteza e que pode, sim, servir como norte na atual conjuntura da crise”.
“Certamente, o próprio desenho da estratégia de longo prazo torna-se um desafio inédito para as autoridades do setor de energia, no sentido de aproveitar da melhor forma possível a oportunidade para alavancar a competitividade da economia nacional e aumentar o bem-estar da população brasileira”, ressalta.