A tecnologia na operação do Sistema Interligado Nacional passará a ser protagonista e não mais de suporte. O avanço das renováveis, o maior dinamismo de preços com granularidade horária, os recursos energéticos distribuídos avançando, a transformação digital no ONS é um caminho inexorável a ser seguido. O processo de transição para o operador representa um desafio não somente do ponto de vista do ONS, mas da sociedade como um todo, pois serão diversos atores no setor, diferentemente do sentido unidirecional que a energia vivia no século passado.
Essa é a avaliação do diretor de TI, Relacionamento com os Agentes e Assuntos Regulatórios do ONS, Marcelo Prais. Ele, que assumiu a diretoria há dois meses, em plena quarentena provocada pela pandemia de covid-19, destacou em sua participação no 3º episódio do Enase Talks, evento online transmitido pelo Grupo CanalEnergia-Informa Markets nesta quarta-feira, 22 de julho, que em muitas situações a tecnologia puxará o negócio na indústria da energia elétrica. Cada vez mais, disse ele, o operador terá relacionamentos com outros agentes do setor ao passo que esses aumentam seu protagonismo na operação do sistema como os DSO (operador do sistema de distribuição, na sigla em inglês) e os agregadores de carga e de demanda, figuras que tendem a ser mais frequentes no setor.
“A tecnologia vista no século XX é diferente da atual, antes era o suporte e agora é protagonista das transformações do setor elétrico. Há muitas situações em que puxará o negócio na indústria de energia elétrica. Com os recursos energéticos distribuídos saímos do unidirecional para o universo 4D, com múltiplos atores em uma rede distribuída interagindo com carro elétrico, resposta da demanda, prosumidores… sem dúvida é um outro universo com grande volume de dados e informações”, ressaltou ele durante o evento que teve como tema Operação, Mercado e Tecnologia.
Para enfrentar esses desafios, contou o diretor, o operador está conduzindo um projeto, o ONS Digital, com quatro pilares estratégicos. O primeiro citado são dados e capacidade analítica, o segundo, ser multiexperiência com acesso a diferentes plataformas, como aplicativos em dispositivos móveis, o terceiro é a integração, nesse item é importante o desenvolvimento de barramentos de integração, aplicações, segurança consumo de dados. E por fim, a segurança cibernética, afinal, argumenta ele, ao passo que se avança na digitalização esse item fica cada vez mais importante devido ao aumento da exposição. E isso vem se desenvolvendo há dois, três anos.
Nesse sentido, lembrou que o ONS ainda se prepara para promover um hackathon desafiando empresas e profissionais de diversas áreas a criarem soluções de nicho para compor um conjunto de inovações tecnológicas. “Queremos ser percebido como inovador e estamos querendo nos conectar a empresas de nicho e universidades”, disse ele. Esse processo, continuou Prais, é vocacionado à ciência de dados e inteligência artificial. O objetivo é abrir as inscrições em agosto e rodar o programa em setembro. “Já temos o problema que está na minha diretoria, é direcionado a dados e inteligência artificial. Será feita uma dinâmica de três semanas com apresentações sobre o ONS e os convidados apresentam suas soluções. Após essa etapa lançamos o problema e três semanas depois avaliamos a melhor solução”, acrescentou.
Complexidade
Em paralelo a todos esses desafio, lembrou Prais, uma das questões que ainda estão sendo debatidas – e isso em termos globais – é o tamanho da participação das novas renováveis na matriz elétrica. Ele destacou que o ONS tem participado de reuniões com o grupo dos 15 maiores operadores nacionais e a questão que se debate é se existe um ‘número mágico’ para essa questão ou se varia de acordo com cada país. Segundo ele a conclusão é de que não há essa limitação.
“Em algum momento vamos dobrar a carga e a matriz será diferente da atual. A pergunta é: com essa nova matriz, daqui a 20 anos, será 85% renovável e dos quais com UHEs, com gás natural, seja ciclo aberto ou combinado… a pergunta é o sistema fica de pé com 45% a 50% de renováveis não convencionais? A gente tem mostrado que sim, portanto, não há número mágico, depende de país a país, a UHE de hoje terá papel diferente no futuro, ressaltou.
Prais reforçou que essa mudança foi tem sido verificada nas últimas duas décadas. O mix da geração centralizada ao passo que a GD também avança é impressionante e traz os desafios com a operação do chamado behind the meter, ou atrás do medidor, onde o operador não consegue enxergar e essa parte ganha mais importância ao passo que previsões como da PSR, e do GIZ apontam que os números tendem a crescer cada vez mais. O que traz a necessidade de maior flexibilidade para o sistema.
Luiz Barroso, CEO da PSR, que participou desse debate destacou por sua vez que a CP 33, iniciativa da qual participou quando esteve à frente da Empresa de Pesquisa Energética traz respostas a esses desafios quando se fala de flexibilidade e de serviços de potência.
“A necessidade e intensidade aumentará com a mudança da matriz. Na PSR observamos que nesta precisaremos de mais de potência e na década seguinte, pós 2030, mais flexibilidade e quais recursos conseguem fornecer serviços”, avaliou ele. Em sua análise, a própria transmissão pode ser considerada um recurso de flexibilidade uma vez que ajuda a conectar as UHEs que são uma bateria do sistema. E ainda, a integrar as fontes distribuídas quando se pensa em portfólio. A transmissão, considera ele, é um fator muito relevante como integração para que operador tenha o serviço de gestão e possa atender as necessidades de confiabilidade e flexibilidade da carga.
Para ele, a questão da flexibilidade e serviços devem ser tratados por meio de um sistema tarifário. e nesse sentido o preço horário pode ajudar. Em sua avaliação as baterias podem entrar no varejo enquanto as hidrelétricas podem atuar no atacado. O gás natural não pode ser esquecido, mas o valor da energia tem que ser justificado pelo seu valor ao sistema, principalmente, quando se compara com as renováveis. Para Barroso é possível ter as térmicas a gás na base.
“Na minha opinião, acho que temos que criar a condição para que as tecnologias possam competir na mesma base e não criar novos clusters de subsídios cruzados, mas sim uma estrutura de gás barato para que não tenhamos uma conta cara”, destacou.
E justamente por ser um ponto central na operação surge a questão de onde está o valor do ONS, comentou Barroso, que devido ao modelo do debate Enase Talks, perguntou ao diretor do ONS como a organização vem tratando do tema. Prais, por sua vez, destacou que há um grupo de trabalho onde estão discutindo esse tema, o de não ser considerado um centro de custo e sim um centro de valor.
Houve reuniões com operadores norte americanos para discutir e entender a experiência de lá. Agora por aqui foi realizado um brainstorm para definir oito assuntos que levam a essa percepção de mercado e desses, quatro estão sendo tocados pelo diretor Sinval Gama. Após ouvir consultores, disse Prais, um piloto do projeto deverá ser iniciado ainda em 2020.