Relatório da agência de classificação de risco Fitch Ratings mostra que a recente aprovação, por parte do Senado Federal, do Projeto de Lei do risco hidrológico é positiva para o setor elétrico brasileiro, embora não tenha impacto na qualidade de crédito das emissões dos projetos e das empresas classificadas pela Fitch Ratings. A medida oferece uma solução para os litígios referentes aos pagamentos do déficit de energia de 2013 a 2015, que totalizam mais de R$ 8 bilhões e afetam negativamente a dinâmica do mercado spot de energia. Esta decisão adiciona recursos significativos ao mercado, além de aumentar a credibilidade do setor.
O GSF é a relação entre a geração total e a garantia física total de todas as usinas hidrelétricas participantes do Mecanismo de Realocação de Energia. Várias empresas do setor tiveram de comprar energia para cobrir o déficit de geração de eletricidade de 2013 a 2015, alegando que foram afetados por outras causas, além do baixo volume hidrológico. Agentes e entidades entraram com liminares, o que acarretou a suspensão de suas obrigações de pagamento e criou um déficit financeiro na liquidação do mercado spot de energia.
O projeto de lei está sujeito agora à sanção do Presidente da República e, uma vez sancionado, deverá ser regulamentado pela Agência Nacional de Energia Elétrica, que será a responsável pelo cálculo da extensão do prazo da concessão, bem como pelo cronograma de amortização dos pagamentos em aberto resultantes do déficit de energia.
Na opinião da Fitch, a nova lei terá impacto neutro em projetos e empresas do setor elétrico classificados pela agência. A maior parte destes projetos hidrelétricos foi obrigada a liquidar seus pagamentos pendentes para aderir ao seguro do GSF no final de 2015. Além disso, os projetos de energia eólica do portfólio da Fitch, que poderiam se beneficiar da resolução, apresentam valores mínimos de recebíveis pendentes, que não devem melhorar significativamente sua posição de liquidez.
A única transação classificada na carteira de Project Finance da Fitch com um valor pendente considerável a ser pago é a Contour Global Participações S.A., cuja primeira emissão de debêntures é avaliada com o Rating Nacional de Longo Prazo ‘AA-(bra)’ /Perspectiva Estável. Duas de suas UHEs têm liminares em vigor que suspenderam o pagamento de aproximadamente R$ 35 milhões. No caso da Contour, a adesão à lei não comprometeria sua capacidade de honrar o serviço da dívida de sua primeira emissão de debêntures, tendo em vista que a estrutura da dívida determina que este passivo deve ser pago por sua controladora, ContourGlobal plc.
Na área de Finanças Corporativas, apesar do impacto neutro nos ratings, as empresas mais afetadas da carteira da Fitch são a AES Tietê Energia S.A.e a Light Energia S.A., subsidiária de geração da Light S.A. (Light). Em junho de 2020, estas empresas apresentavam passivos líquidos referentes ao GSF de R$ 1,1 bilhão e R$ 727 milhões, respectivamente. A análise da Fitch já considerava o pagamento deste passivo do GSF, com o desembolso ocorrendo durante 2020 e 2021 – o que a agência acredita que será confirmado durante o estabelecimento das regras finais.
No final de junho de 2020, a posição de caixa da AES Tietê, de R$ 2,1 bilhões, era robusta e suportava confortavelmente o pagamento integral do passivo. Os atuais índices de alavancagem e liquidez considerados pela Fitch para a companhia incorporam números pro forma, excluindo do caixa o passivo líquido da empresa relacionado ao GSF. Os ratings da Light Energia consideram os resultados consolidados do grupo Light, que tinha posição de caixa de R$ 995 milhões ao final de junho de 2020 e que foi ampliada em agosto por uma nova emissão de debêntures, de R$ 600 milhões, da subsidiária Light Serviços de Eletricidade S.A. e por R$ 1,1 bilhão, recebido pela distribuidora, proveniente do suporte federal ao setor, a Conta-Covid. Incluindo estas entradas de caixa e excluindo o pagamento integral do passivo líquido relacionado ao GSF, a posição de caixa pro forma remanescente, de R$ 1,9 bilhão, cobre em 1,3 vez a dívida de curto prazo de R$ 1,4 bilhão, o que é condizente com os atuais ratings do grupo.