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O fim do desconto nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição (TUST e TUSD) para as fontes renováveis deverá enfrentar resistência por parte de segmentos que discordam do comando proposto pela Medida Provisória n° 998/20, editada pelo governo federal na noite de ontem (1/9) e publicada no Diário Oficial da União desta quarta-feira, 2 de setembro.
Com identidade visual nas cores verde e amarela e com o slogan de “MP do consumidor”, o governo Jair Bolsonaro quer acabar com os subsídios em forma de desconto no “uso do fio” – que por muitos anos serviu de fomento para o desenvolvimento dos mercados de geração hídrica de pequena escala (PCH e CGH), eólica, biomassa e, mais recentemente, solar fotovoltaica.
Pela proposta, os descontos para as renováveis terminarão em 21 de setembro de 2021. Qualquer nova solicitação de outorga a partir dessa data não terá mais o subsídio da TUST e TUSD, que variam entre 50% a até 100%, dependendo da tecnologia. O empreendimento que já é beneficiado pelo subsídio terá seu direito garantido até o fim do contrato de concessão vigente e depois não será renovado.
Em 2020, os subsídios da TUST e TUSD custarão aos consumidores R$ 4,2 bilhões, segundo informações da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). No entanto, essa conta cresce R$ 500 milhões por ano à medida que as renováveis puxam a expansão da matriz elétrica. O objetivo do governo é estancar essa conta que hoje onera os consumidores de energia elétrica de todo o país.
Em contrapartida, o governo terá 12 meses para implementar um mecanismos que valore os benefícios ambientais das tecnologias de produção de energia renovável, inclusive considerando requisitos técnicos de segurança energética. Não foi por acaso que o governo suprimiu o termo “valorização de atributos” na redação da MP 998, pois, segundo o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Thiago Barral, a terminologia gerou dúvidas no passado entre o que poderia ser classificado como atributos de suprimento energético e externalidades.
O executivo disse que os subsídios às renováveis não são mais adequados a realidade dos custos e a competitividade das tecnologias de energia solar, eólica, biomassa e PCHs. Reforçou que essa medida não é surpresa para o mercado, pois é algo que já foi discutido em 2017 durante a Consulta Pública MME n° 33 e que depois veio a incorporar suas contribuições a redação final do PLS n° 232/16, aprovado em março de 2020 na Comissão de Infraestrutura do Senado Federal.
De acordo com Barral, a MP se propôs a antecipar algumas mudanças regulatórias que já estavam previstas na reforma do setor elétrico. Essa antecipação tem o objetivo de realizar ajustes considerados “consensuais” no setor e que visam trazer algum benefício tarifário à população.
Barral disse que a EPE vai prestar todo o apoio ao MME, apresentando estudos técnicos e o detalhamento das informações que contribuam para esclarecer as mudanças propostas ao Congresso Nacional durante o processo de conversão da MP em Lei. Esse prazo é de 180 dias contados a partir da publicação da MP.
Associações indicam resistência
O fim do desconto no fio deverá enfrentar resistência de agentes bem articulados que discordam da mudança. O presidente da Associação Brasileira de Pequenas Centrais Hidrelétricas (Abrapch), Paulo Arbex, disse que pedirá reunião com o Ministério de Minas e Energia (MME) para discutir o assunto. O executivo pretende apresentar argumentos técnicos e ambientais que justificariam a preservação de incentivos econômicos às pequenas usinas hídricas. “O que nos preocupou foi o fim do desconto no fio. Precisamos diferenciar uma fonte da outra”, disse à Agência CanalEnergia.
Para ele, antes de acabar com o subsídio as renováveis é preciso por fim aos subsídios aos combustíveis fósseis. “Os números mostram que 65% dos subsídios da CDE+REPETRO vão para indústria do petróleo, mas só se fala em desconto do fio e não se faz o estudo que verdadeiramente precisávamos, que é verificar quem está usando as redes, quem está pagando por elas e redistribuir estes custos de acordo com o uso”, disse Arbex.
A Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), a subvenção ao carvão mineral e o Repetro custarão R$ 40,4 bilhões em 2020. Em 2019, o custo foi de R$ 38,2 bilhões. Para Arbex, a MP é uma oportunidade para o governo Bolsonaro corrigir o que ele classifica como “injustiças”. “A MP é uma oportunidade para fazer essas correções”, afirmou.
Em áudio enviado pelo Whatsapp à imprensa, o CEO da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Rodrigo Sauaia, defendeu que os subsídios sejam removidos de maneira “isonômica” e “transversal” e que antes de serem encerrados, que seja testado o novo modelo e que tenha um prazo de transição maior do que proposto na MP 998/20.
“Um ponto importante a destacar é que quando se fala da retirada de incentivos existentes para fontes… Que se aplique o princípio da isonomia, de tal modo que se o governo propor uma retirada de incentivo, essa remoção precisa ser transversal e aplicada a todas as tecnologias de geração de energia elétrica que hoje possuem incentivos via CDE e não apenas fontes renováveis”, disse Sauaia.
O representante do setor solar destacou que, embora as avaliações ainda sejam preliminares, o governo precisa considerar um cronograma que proporcione tempo adequado para mercado se adaptar a mudança do modelo de subsídio para o de valorização ou valoração das externalidades de cada fonte.
“Essa transição é fundamentalmente relevante para as fontes renováveis e para fotovoltaica. O prazo que hoje é colocado é demasiadamente curto”, disse Sauaia, que ainda argumentou que não se pode retirar um incentivo sem que um novo modelo esteja implementado.
“Existem inúmeros atributos que as fontes renováveis trazem ao setor elétrico, e eles precisam ser valorizados nesse processo, como atributos elétricos, energéticos, sociais, econômicos, ambientais, e também atributos estratégicos, por exemplo de diversificação da matriz e aproveitamento de recursos de forma geograficamente [distribuídos]”, disse Sauaia.
Por fim, Sauaia ainda disse que a mudança não pode trazer desequilíbrio entre as fontes utilizadas na matriz elétrica, nem afetar a competitividade destas e pediu que Governo Federal e o Congresso tomem suas decisões considerando a transição energética mundial.
Assim como a Absolar, a presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Elbia Gannoum, disse que os descontos na TUSD e TUST são importantes para o mercado de energia elétrica e que se pudesse, manteria-os. Mas que, por outro lado, o governo aponta para uma tentativa de modernização do setor elétrico e esse ajuste é fundamental para o país.
Ela reconheceu que esse custo é uma “bomba relógio” e que pode se transformar em uma “conta impagável” pelo consumidor. Destacou que o prazo para pedidos de outorgas é importante para evitar “projetos de prateleira” e o mais importante, não alterou os contratos vigentes, garantindo segurança jurídica e regulatória.
Para Elbia, o fundamental é que a regra seja igual para todas as fontes de geração. E avisou que se ocorrer assimetria de tratamento entre as tecnologias, a entidade acionará suas bancadas no Congresso para defender os seus interesses. Ela já prevê desafios durante a tramitação do texto no Legislativo.
A executiva reconhece a dificuldade de acordo geral, pois ninguém quer perder o incentivo. “O melhor mundo é não retirar. Porém, temos maturidade e compreensão de que a sustentabilidade do setor de energia no Brasil precisa ser garantida com a eficiência econômica. Não adianta querer ficar com o ‘curralito’ porque depois teremos um setor desequilibrado”, disse Elbia.
Thiago Barral, da EPE, pediu que os agentes olhem as transformações do sistema de uma forma abrangente e não fragmentada, pois as pautas particulares prejudicam a modernização do setor elétrico brasileiro. A Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen), representante do setor de biomassa, disse que ainda se reunirá com os seus associados antes de chegar posição sobre as mudanças trazidas na MP 998.