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A redução dos impactos tarifários com o aporte de recursos na Conta de Desenvolvimento Energético é a principal justificativa da exposição de motivos da Medida Provisória 998, publicada pelo governo nesta quarta-feira, 2 de setembro. O alvo preferencial da MP são os consumidores da Região Norte, que terão sua tarifas reduzidas de 5% a 13 % nos estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima, anunciou o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.
“Esses são os estados que, em termos de impacto tarifário terão as maiores reduções com a edição dessa medida provisória. Mas evidentemente que isso vai impactar todos os consumidores de todos o estados brasileiros”, afirmou, em entrevista ao site Poder 360. A MP prevê o uso até 2025 de uma parcela dos recursos destinados aos programas de pesquisa e desenvolvimento e eficiência energética do setor elétrico para compor a receita da CDE. O saldo em caixa ainda não aplicado é calculado em R$ 3,4 bilhões. Já o orçamento da conta setorial tem ultrapassado a casa dos R$ 20 bilhões por ano.
Há também outras ações previstas na MP que podem impactar a CDE no curto e médio prazos, como a retirada dos descontos na tarifa fio para empreendimentos de energia renovável e o uso de recursos da Reserva Global de Reversão para remunerar ativos não depreciados das antigas distribuidoras Eletrobras do Norte e do Nordeste. Os atuais concessionários dessas empresas privatizadas também ficarão liberados do pagamento de parte dos empréstimos da RGR.
A preparação de medidas de “redução estrutural” da tarifa de energia vinha sendo anunciada pelo governo há pelo menos dois meses, o que não surpreendeu o mercado. Medidas ligadas à modernização do setor elétrico incluídas na MP também não são consideradas novidade pelo setor, por estarem há longo tempo em discussão.
Utilizar recursos disponíveis dos programas de P&D e eficiência que já foram pagos na tarifa é perfeitamente justificável e positivo para o consumidor, na avaliação do presidente executivo da Associação Brasileira de Comercializadores de Energia, Reginaldo Medeiros. Outros pontos da medida provisória não são novos porque já estavam traçados desde a Consulta Pública 33, onde foram amplamente discutidos.
É o caso do mecanismo de redução de subsídios na tarifa fio para fontes renováveis, que vai ser substituído pela avaliação dos atributos das fontes para efeito de contratação. Para Medeiros, “o governo está simplesmente antecipando a reforma do setor via medida provisória.”
Ele considera, no entanto, que as medidas são positivas. É o caso da que trata das condições de representação por comercializador varejista e da que estabelece condições para suspensão do fornecimento de energia em caso de desligamento de consumidores livres ou especiais da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. “Hoje, o varejista não funciona na prática, porque é muito difícil desligar o consumidor da CCEE. Aprimorar esse mecanismo é indispensável para que o mercado funcione.”
A MP não agradou a todo mundo. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor vê com preocupação a medida, que “abre brechas para aumento do custo da energia, em particular com as mudanças em Angra 3, desconfigura processos em debate que vinham sendo conduzidos em torno de PLS 232/16 e ameaça o futuro dos projetos de P&D e eficiência energética, além de outras inadequações.”
Em relação a Angra 3, o Idec considera “gravíssimo” dar poderes ao Conselho Nacional de Política Energética para autorizar a exploração da usina nuclear e a celebração do contrato de comercialização da energia elétrica do empreendimento, que o governo pretende concluir até 2026. O coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do instituto, Clauber Leite, afirma que a medida abre espaço para o aumento da tarifa de referência de R$ 250/MWh, prevista no contrato com a Eletrobras, para o valor de R$ 480/MWh que o CNPE tentou determinar em 2018.
Leite também critica o uso dos recursos de P&D e EE, que representa, para ele, “uma desvirtualização completa dos programas e uma falta de respeito pelos recursos do consumidor.” O técnico do Idec aprova medidas como o fim do desconto do fio, a valoração dos atributos das fontes e possibilidade de descontratação no ACR, mas acredita que a contratação de potência contraria os esforços do PLS 232 por maior transparência na contratação dos atributos de lastro e energia, e defende que mudanças nas atribuições da CCEE deveriam prever a inclusão de um representante dos consumidores no Conselho de Administração da Câmara.
Para o diretor Técnico da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres, Filipe Soares, a MP é formada por um conjunto de ações que mostram boa intenção do governo e uma preocupação com a competitividade da energia elétrica. Assim como Medeiros, da Abraceel, ele também destaca que se trata de medidas que já estavam em discussão.
Soares lembrou, por exemplo, que a ideia de utilizar recursos dos programas de P&E e EE do setor elétrico para reduzir o custo da energia para o consumidor já tinha sido tentada pelo relator da MP 950, Leo Moraes (Podemos-RO), que perdeu a validade sem ser votada. Há, por outro lado, uma série de benefícios localizados para as distribuidoras privatizadas do Norte e do Nordeste que podem levar ao aumento de custos para os demais consumidores.
O executivo da Abrace cita com um ponto de atenção a inclusão na MP de medidas de modernização que estão no PLS 232, em tramitação no Senado. Há por parte da associação uma preocupação com o custo da contratação centralizada de reserva de potência, que está no projeto de lei como uma discussão mais ampla, de separação de lastro e energia.
“A gente vive um momento difícil do país. Mesmo antes da covid, a gente não tinha uma retomada do crescimento. Projetos de infraestrutura são tentadores para induzir crescimento, porém, como geralmente são contratos de longo prazo, se eles são projetados para um crescimento econômico que não acontece, você tem aí somente um ciclo de aumento de custo para pagamento de expansão de infraestrutura.”