Olá, esse é um conteúdo exclusivo destinado aos nossos assinantes
Cadastre-se GRATUITAMENTE ou faça seu LOGIN e tenha acesso:
Até 5 conteúdos
fechados por mês
Ficar por dentro dos cursos e
eventos do CanalEnergia
Receber nossas newsletters e
mantenha-se informado
sobre o setor de energia.
Notícias abertas CanalEnergia
ou
Já sou cadastrado,

A decisão do juiz federal João Bosco Costa Soares da Silva que determinou o afastamento por 30 dias da diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica e do Operador Nacional do Sistema Elétrico pode comprometer o funcionamento do setor elétrico e causar um prejuízo ao país inteiro. Apesar dessa ameaça, a opinião é unânime, de que não há base jurídica e deve ser derrubada nas próximas horas.

Essa medida foi assinada eletronicamente às 12h56 desta quinta-feira, 19. A Ação Popular foi encabeçada pelo Senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Motivada pela continuidade, a mais de 15 dias, de problemas com o fornecimento de energia, que está intermitente na maior parte dos municípios, deixando regiões inteiras no escuro. Bem como promovendo um caos social desde que um incêndio desligou dois transformadores na SE Macapá, que conecta aquele estado ao SIN.

O juiz da 2º Vara Federal aceitou o pedido passando por cima de ritos administrativos e legais que precedem a responsabilização de agentes públicos por um fato que ainda está sob investigação nas esferas administrativas do setor elétrico nacional. Segundo advogados ouvidos, o magistrado demonstrou, no mínimo, desconhecimento da complexidade da regulação e da operação do sistema.

A avaliação é de que a decisão foi tomada de forma arbitrária, pois não possui base jurídica que sustente a decisão de afastamento da diretoria dos dois órgãos bem em um período que são consideradas necessárias para enfrentar a situação no Amapá. Inclusive, o juiz cita uma lei em que ele mesmo admite não ter poder de decisão, a 4.717/65, mas recorre a outras legislações para justificar a liminar.

Para o advogado e ex-procurador-geral da Aneel, Cláudio Girardi, a decisão do juiz é “absurda” e contraditória em alguns momentos. “No momento que você afasta toda a diretoria da Aneel por 30 dias, é aí que você prejudica o serviço público no Brasil inteiro”.

Segundo Girardi, a lei 4.717/65 é uma “lei de ação cautelar”, que no próprio texto reforça que “não prevê possibilidade de afastamento cautelar de agentes públicos” em exercício da sua função e, para fundamentar a decisão o juiz invoca o Artigo nº 20 da lei 8429/92, recorrendo a Lei de Improbidade Administrativa. “Ele força uma decisão de improbidade administrava e enriquecimento ilícito do agente público, e este não é o caso”, diz o advogado.

O advogado Frederico Boschin, da MBZ Advogados, disse que não há cabimento responsabilizar pessoalmente os diretores da Aneel e do ONS, considerando a dimensão do setor elétrico brasileiro. “Nessa sede preliminar da ação de responsabilidades é prematuro dizer, em primeiro, que houve falha na fiscalização, segundo, que haverá algum tipo de prejuízo na apuração dos fatos se os diretores permanecerem em seus cargos.”

O senador Randolfe Rodrigues chega pedir, além do afastamento dos executivos, “pela patente omissão na fiscalização, para que o mesmo descaso com a energia elétrica não seja repetido em outros lugares do Brasil, indicando-se um comitê nacional para gerir a diretoria da Aneel e do ONS, enquanto durar o afastamento.” Esse ponto não foi acatado na decisão.

“Isso é uma ilegalidade óbvia”, disse um procurador com larga experiência regulatória e tramite político, mas que pediu anonimato. “Quem está na oposição, entendo, quer apostar na confusão. Essa ação não é para impedir que a Aneel investigue, isso é para criar mais caos, para deixar o presidente do Senado ainda mais fragilizado. Brasília está desabando e quem está desabando isso tudo é o ‘nosso herói’ Randolfe. Ele não está propondo colocar nada no lugar, ele só quer criar o máximo de caos e instabilidade possível”, disparou.

Urias Martiniano, sócio do escritório Tomasa, destacou que “essa é uma decisão temerária, porque vai de encontro com as disposições da Constituição Federal, do papel de separação dos Poderes, em que um poder deve respeitar o outro, com cada um funcionando de maneira equilibrada dentro da sua atuação.”

Segundo a advogada especializada no setor elétrico Maria João Rolim, sócia do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos, a tendência é de que essa decisão seja reformada de forma rápida. Além de não fazer sentido do ponto de vista jurídico, traz instabilidade ao setor elétrico.

Ela classifica a situação no Amapá como constrangedora e séria, sem dúvida, mas que afastar a diretoria em um momento em que estes precisam atuar para reverter a situação, não é melhor saída. É necessário que haja investigação, mas nesse momento o foco é solucionar a questão da falta de fornecimento por lá. “Juridicamente a decisão é frágil, não se sustenta e não há motivo para que tenha sido tomada, pois não foram ouvidas nem a Aneel ou o ONS”, argumenta.

A avaliação do advogado Raphael Gomes, do Demarest Advogados, é a mesma. Com essa decisão o único efeito seria o de atrasar ainda mais a análise das causas desse apagão que ocorreu naquele estado há mais de 15 dias. Para ele falta base jurídica para essa decisão. “Não tenho dúvidas que essa liminar reverte rapidamente”, diz.

Essa reforma da decisão, continua ele, poderá ser inclusive emitida ainda nesta quinta-feira, 19 de novembro, por se tratar de uma questão de emergência. O recurso, chamado de agravo de instrumento, deve ser apresentado ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, mas em Brasília, diferente da 2ª vara que concedeu a liminar que fica no Amapá. Outra estratégia que a Aneel pode adotar é preparar um recurso à presidência do TRF em caso haver uma negativa ao recurso que apresentar.

Para Elena Landau, advogada e economista, a intervenção da Justiça nesse nível é um erro e não resolve o problema. Lembra que na lei das agências deve ser seguido um processo administrativo para o afastamento de diretores. E também aponta a tendência de que seja revertida. Agora, disse ela, não exime os diversos órgãos e instituições dos erros cometidos naquela região.

“Todos conhecem a crise que era previsível e poderia ser evitada”, afirma. Ela relacionada desde a qualidade dos leilões realizados em 2008, que resultaram na concessão daquela linha e subestação, a posterior recuperação judicial da Isolux, a falta de monitoramento e de fiscalização, entre outros pontos. “Ainda que pudesse ter razão, está fora de hora esta decisão, esta intervenção é indevida”, acrescenta ela que reconhece a insatisfação das pessoas do Amapá.

Elena destaca ainda que a acusação que o juiz faz na decisão de que os diretores poderiam atuar de forma a atrapalhar a investigação é grave e tem um certo viés ideológico, ressaltando ainda quando o magistrado afirma que há enriquecimento ilícito no setor.

E afirma ainda que a culpa quanto à situação do estado é mais extensa do que aparenta nesse momento. Cita além da dos órgãos federais o uso político da estatal de distribuição que também tem sua cota de responsabilidade naquela situação, que é histórica, vem desde a sua conversão de território em Estado até os dias atuais. “É uma crônica de crise anunciada. E não aconteceria em outros estados mais ricos”, finaliza.

Mais cedo, tanto a Aneel quanto o ONS afirmaram em suas notas que assim que fossem notificadas oficialmente recorreriam da decisão. Até o fechamento dessa reportagem ainda não havia desdobramentos sobre essa ação para reformar a liminar concedida.