O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou nessa semana uma ação em que pede à Justiça uma decisão urgente para proibir a União de implementar o modelo de governança estabelecido pelo governo federal no Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRS-X), no Pará, editado em outubro do ano passado.
Segundo o MPF, o modelo assinado pelo presidente Jair Bolsonaro reduz a participação da sociedade civil e atores locais no processo decisório e confere menor peso à participação do estado paraense e dos municípios da área de abrangência do plano. Na ação, inclusive, o órgão pede a implantação de um modelo de governança sem essas mudanças.
Criado em 2010, o PDRS-X é o principal instrumento usado pelo governo e pela empresa responsável pela hidrelétrica de Belo Monte, a Norte Energia, para gerenciar e aplicar recursos na região impactada pela obra. Na sua concepção a empresa foi obrigada a investir R$ 500 milhões em um prazo de 20 anos. Desse total, cerca de R$ 205 milhões ainda estão pendentes de destinação e aproximadamente outros R$ 71 milhões estão comprometidos com projetos já aprovados, mas com execução não iniciada ou não concluída.
Modelo paritário – Outro ponto pedido na ação é de que a União institua em 30 dias um modelo de governança que contemple composição paritária entre membros estatais e da sociedade civil, além daqueles representantes estatais oriundos das esferas federativas federal, estadual e municipal.
O novo arquétipo deve respeitar a exigência de diversidade e representatividade adequada dos atores sociais, alcançando um percentual mínimo de povos indígenas, comunidades tradicionais, movimentos sociais e entidades que se dediquem à tutela ambiental, defende o MPF.
Assinado pelo procurador da República, Matheus de Andrade Bueno, o pedido também prevê a instituição de Câmaras Técnicas que valorizem as experiências locais específicas em matérias de relevância para o PDRS-X, a ausência de voto de qualidade, coordenadoria nata ou qualquer outra medida que, direta ou indiretamente, comprometa a efetiva igualdade de oportunidades no processo deliberativo.
Modelo editado pelo governo não contempla representação de impactados pela UHE Belo Monte (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Vozes silenciadas – Na criação do plano, a governança era formada por 15 representações estatais e 15 representações da sociedade civil. Em maio de 2019, o governo revogou a constituição do comitê gestor, decretando no ano passado um novo modelo com apenas quatro cadeiras para atores sociais entre o total de 13 representações integrantes. O estado do Pará e os municípios da região do Xingu ficaram com apenas duas vagas no comitê.
“O que parece ter se pretendido foi realmente silenciar vozes opostas a concepções majoritárias circunstanciais”, critica o procurador da República, Matheus de Andrade Bueno na ação. “Majoritárias apenas no plano federal, a propósito, porque também são substancialmente silenciadas vozes majoritárias dos planos estadual e municipal, igualmente democraticamente eleitas e de inegável relevância num colegiado que se afirma interfederativo”, complementa.
“Ao invés de convencer os pares de suas compreensões, a União Federal optou por simplesmente alterar unilateralmente as regras do jogo, modificando sensivelmente o quadro deliberativo e subtraindo da sociedade civil a possibilidade de real e efetiva influência nas decisões a cargo do comitê gestor”, aponta o texto do processo, afirmando que não há qualquer segurança no decreto de que grupos impactados pela UHE Belo Monte de fato sejam representados nesse processo.
Em relatório, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) reconheceu que as alterações de governança do PDRS-X configuram violação à essencialidade da democracia deliberativa, ferindo direitos e interesses de grupos vulneráveis beneficiados pelos projetos custeados pelo aludido plano, registra a ação do MPF.
Descaso já motivou ação – Em maio do ano passado, após um ano de paralisação das atividades de governança do plano devido à revogação da constituição do comitê gestor, o MPF, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE/PA) tiveram que recorrer para conseguir a liberação urgente de R$ 6 milhões para o combate à covid-19 em Altamira e região.
No mesmo mês a Justiça Federal publicou decisão liminar determinando a liberação dos recursos, decisão confirmada em sentença prolatada ainda em outubro de 2020. Os autores destacam que se trata de verba federal, que fica em poder da Norte Energia, destinada por lei ao desenvolvimento da região do Xingu, mas que estava parada “por absoluta desídia [falta de disposição, indolência, ociosidade] e descompromisso da União”.