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A resolução do Conselho Nacional de Política Energética que orienta as agências reguladoras sobre temas prioritários para aplicação de recursos de pesquisa e desenvolvimento mostrou que tem potencial para gerar polêmica e dividir opiniões. Entre especialistas ouvidos pela Agência CanalEnergia, há quem questione o sentido da indicação do governo, enquanto outros consideram que se trata apenas de uma sinalização para onde os investimentos devem ser direcionados.

A norma publicada no início de março recomenda à Agência Nacional de Energia Elétrica e à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis que priorizem a destinação dos recursos dos programas regulados de P&D e Inovação para sete temas: hidrogênio, energia nuclear, biocombustíveis, armazenamento de energia, tecnologias para a geração termelétrica sustentável, transformação digital e minerais estratégicos para o setor energético.

O CNPE também deu prazo de 60 dias para que o Ministério de Minas e Energia, após ouvir o Ministério da Economia, avalie a possibilidade de aportar recursos de P&D para a realização de estudos no setor de energia pela Empresa de Pesquisa Energética, e também para estudos de definição de sítios destinados à instalação de novas usinas nucleares.

Um dos críticos da Resolução CNPE nº2 é o professor Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ. Ele considera a norma absolutamente inócua e carente de sentido.

Um dos exemplos que Castro dá para explicar sua avaliação é a orientação sobre estudos da EPE, uma função que foi atribuída à estatal desde sua criação por lei em 2004. Ele também destaca que, no caso da Aneel, a única maneira que a agência tem de dar prioridade a qualquer tema é com a abertura de chamada estratégica, que demora um ano para ser estruturada. O coordenador do Gesel critica ainda a inclusão da energia nuclear entre as prioridades, afirmando que se trata de um programa de Estado.

“Esses setores já são tratados pela próprias empresas, que tem autonomia e liberdade para aplicar os recursos arrecadados nas tarifas naqueles projetos em que elas tem interesse”, afirma o especialista, lembrando que o próprio ministério tirou bilhões em recursos não contratados de P&D e Eficiência Energética com a MP 998, transformada na Lei 14.120. Esses valores irão para a Conta de Desenvolvimento Energético, que vai receber, além disso, 30% dos novos recursos que entrarem nos dois programas até dezembro de 2025.

A diretora do Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas, Joísa Dutra, também questiona a decisão do governo de orientar o uso prioritário de recursos de P&D, logo depois de aprovar a MP. Para a economista, se o momento é de pressão tarifária e, como alega o governo, o setor não estaria usando os recursos conforme previsto na legislação, seria então o caso de perguntar ao consumidor se ele não prefere ter o desconto diretamente na tarifa.

Joísa também faz ressalvas à possibilidade de que o MME venha a recomendar o uso de recursos do programa de P&D para estudos sobre a localização de futuras centrais nucleares, uma finalidade que não se enquadra na definição de pesquisa.
Ela conta que a própria Aneel já tentou no passado direcionar recursos prioritariamente para a EPE desenvolver estudos, mas a procuradoria da agência entendeu na época que não havia respaldo legal para essa destinação.

Em sua opinião, é preciso que o governo diga o que significa a orientação do CNPE e como dar cumprimento a ela. “O dinheiro do consumidor, que era para pesquisa está sendo usado em muitos casos para financiar a implementação de tecnologias inovadoras”, afirma Joísa, dando como exemplo smart grids. “Onde estaria o benefício de destinar recursos de P&D para esse tipo de iniciativa? Ou para armazenamento ou veículo elétrico?”, pergunta a especialista, lembrando que vários estudos tem se debruçado sobre o programa com seriedade, e a própria agência reguladora tem discutido o aperfeiçoamento das normas.

A vice-diretora do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ, Suzana Khan, explica que nenhum governo pode dizer em que áreas esses recursos tem que ser obrigatoriamente aplicados, mas quando há uma indicação de que determinadas áreas são prioritárias, naturalmente isso acaba conduzindo a pesquisa naquela direção. Em sua avaliação, a orientação do CNPE é um critério adicional de análise.

“Não é uma obrigatoriedade; é uma sinalização. O que não é assim tão incompreensível, porque na realidade o que a gente está vendo no mundo todo, nas grandes empresas ligadas à área de energia, é o aumento da questão da eletrificação. O mundo está buscando outras formas, em função das mudanças climáticas.”

Para a professora da Coppe, houve de fato uma negligência de todos os envolvidos que prejudicou a liberação do fluxo de recursos para pesquisa e desenvolvimento, o que explica o saldo existente na conta. “É uma tramitação burocrática, demorada [dos projetos], mas a partir do momento em que você começa a estabelecer uma determinada rotina, aquilo dá uma certa continuidade e os recursos acabam sendo melhor utilizados.”

O presidente do Lactec, Luiz Fernando Viana, vê com bons olhos o direcionamento proposto  pelo CNPE e acredita que o grande segredo para tornar os temas viáveis é ter um diálogo amplo, incluindo Aneel , ANP e EPE, além dos profissionais que trabalham com pesquisa e desenvolvimento.

Viana conta que algumas das áreas definidas com prioritárias já foram objeto de chamadas públicas da Aneel, caso do armazenamento de energia. Outro tema já tratado é a transformação digital, por meio de smart grid.

“Fazendo uma análise, são temas que realmente precisam de recursos”, afirma o executivo. Ele também considera que o resultado final da MP 998 em relação aos programas regulados do setor elétrico ficou bom. A Lei 14.120 estabelece que as empresas terão de aplicar no mínimo 70% dos recursos em P&D nos próximos cinco anos, ficando os 30% restantes para a modicidade tarifária.