Especialistas alertaram nesta quarta-feira (28) sobre a necessidade de acelerar ajustes regulatórios e eliminar gargalos, que podem fazer com que o Brasil perca o timing na disputa por investimentos para que o gás desponte como o combustível da transição energética. A discussão sobre a importância de avançar nos detalhes dessa agenda foi levantada durante o painel do evento Agenda Setorial que tratou dos impactos da aprovação da Lei do Gás para o setor elétrico.

Marcus Ganut, sócio e diretor executivo da consultoria Alvarez & Marsal, destacou que o novo marco do gás prevê a formação de um setor aberto, dinâmico e competitivo, que considera o livre acesso aos pontos de entrada e saída do sistema de transporte, compartilhamento de infraestrutura e quebra do monopólio. Apontou, no entanto, desafios importantes, citando a expansão da malha de gasodutos, o aprimoramento da regulação dos estados e a questão tributária e a própria questão das térmicas.

O executivo reforçou que o gás natural tem papel fundamental na transição energética, e a questão do ESG (conceito aplicado ao ambiente de negócios que trata dos aspectos ambiental, social e de governança) passa a ser um elemento primordial nesse cenário, haja vista a movimentação de fundos de investimentos para “recursos carimbados”. Ele lembrou que há uma janela de liquidez no mercado e interesse do investidor, com juros baixos, em um cenário internacional de competição por recursos.

“Acho que todos concordamos que o fator econômico não é um problema, ao contrario de outros setores. A roda é muito poderosa. Só que a gente tem que sair da inércia.” O planejamento indicativo de expansão do setor elétrico prevê investimentos de R$ 325 bilhões, com o gás responsável por aproximadamente R$ 42 bilhões, considerando usinas térmicas e resposta de demanda, disse Ganut.

Moderador do debate, o CEO da Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto, reforçou que a abertura do mercado do gás está acontecendo, mas existem ajustes e desafios de curto prazo que precisam ser enfrentados para que o momento certo não seja perdido. “É preciso ter pressa”, aconselhou o executivo.

“Talvez o timing seja o grande imperativo aqui”, disse Moreira Neto, acrescentando que tem “projetos querendo se viabilizar”, muita movimentação e ao mesmo tempo a transição andando, com investidores pedindo cada vez mais a descarbonização.

O diretor de Eletricidade e Gás da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia, Bernardo Sicsu, e o diretor Técnico da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres, Filipe Soares,  pediram pressa na modernização do setor elétrico, defendendo medidas como abertura de mercado e redução de subsídios.

Sicsu vê o comercializador, que já atua com contratos de energia, com um papel central também no setor de gás. Dos 100 associados da Abraceel, mais de um terço já tem autorização da Agência Nacional do Petróleo para comercializar a molécula. Várias comercializadoras também estão autorizadas a realizar o carregamento, um elo importante com o consumidor, enquanto outras já tem licença para atuar na importação.

Para o executivo, é preciso acelerar a regulamentação também no setor de gás, seja na parte do produtor, seja na do consumidor. “O mercado só vai ser uma realidade quando você tiver o consumidor livre contratando livremente. Vamos supor que a regulação federal avance. Você ainda vai esbarrar na questão dos estados. Tem alguns que avançaram, pero no mucho”, ironizou.

Soares, da Abrace, acredita que para avançar na agenda do gás é necessário que dois pontos caminhem: o termo de compromisso da Petrobras com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica e a agenda regulatória da ANP. Para a associação, alguns estados já avançaram nas regulamentação relacionada ao mercado de distribuição. “A gente tem coisas para serem feitas e tem tempo para isso.”

O presidente da Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas, Xisto Vieira Filho, destacou como um grande ponto da lei do gás a possibilidade de maior competição entre fornecedores, com redução no preço da molécula. A nova legislação foi  comemorada pelos geradores, que foram contemplados, na questão dos leilões de energia elétrica, com o aumento do nível de inflexibilidade das térmicas a gás para efeito de participação nos próximos certames.

“Inflexibilidade é o que enche reservatório. Se a gente tivesse mais inflexibilidade de térmicas a gás, não teríamos os reservatórios nesse nível que estão hoje”, observou o executivo. A Abraget aposta nos leilões convencionais previstos para 2021, mas, em particular, na contratação de reserva de capacidade, prevista para o fim do ano.

Xisto Veira reconheceu que existe apetite por parte dos investidores, mas apontou algumas barreiras regulatórias ainda existentes na questão da contratação de térmicas, que estão sendo discutidas com a Agência Nacional de Energia Elétrica. Em relação ao gás, ele disse que tem esperança no crescimento do mercado com os aprimoramentos que devem acontecer.

O diretor de Tecnologia e Regulação da Associação da Industria de Cogeração de Energia, Leonardo Caio Filho, apontou o grande potencial nessa área e disse que o que pode ser feito é simplificar a regulação. “Com essa nova lei do gás, certamente os preços vão ser mais competitivos, talvez no curto e médio prazos”, previu o executivo da Cogen, para quem o timing está adequado.

Caio Filho destacou que o crescimento da cogeração de energia foi muito tímido nos últimos dez anos, embora ela apresente um nível de eficiência muito alto, ficando, em alguns casos, acima de 94%. Além de segmentos industriais como cerâmica e papel e celulose, há outros nichos de mercado promissores, como shopping centers, hospitais e hotéis. Nos mais de 5 mil empreendimentos com potencial mapeados pela Cogen, os hospitais se destacam, com mais de 1400 estabelecimentos capazes de utilizar a cogeração como backup.