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A operação dos reservatórios, e seus níveis atuais, nesta crise hídrica será fundamental para o atendimento da demanda este ano e até para 2022. Isso porque o nível de armazenamento é decisivo para que as usinas possam ter a chamada queda aproveitável que atribui a potência das centrais de geração. Por esse motivo uma gestão com medidas excepcionais como a estabelecida pela MP 1055 é importante para o enfrentamento da escassez atual.

Segundo Jerson Kelman, engenheiro civil e que esteve à frente da Agência Nacional de Águas em 2001, em situações hidrológicas excepcionais, como essa pela qual o país passa, não é possível seguir o processo decisório tradicional que classifica como cuidadoso e participativo, porém mais moroso. “Nesses casos é conveniente ter uma governança no Executivo Federal capaz de fazer rapidamente escolhas difíceis, com impactos nas escalas local e nacional, sabendo que não é possível agradar a todos”, afirma ele em entrevista à Agência CanalEnergia.

Tomando como base a Nota Técnica emitida pelo ONS no final de maio, o executivo diz acreditar que a confiabilidade energética ainda seja boa. “Sobre a potência, é mais difícil fazer um prognóstico porque depende do efeito da retomada da economia sobre a demanda máxima e do funcionamento de equipamentos de geração em condições extremas”, explica Kelman que entre 2005 e 2008 foi diretor geral da Aneel. “Por exemplo, há incerteza sobre o efeito do esvaziamento dos reservatórios na queda aproveitável, máxima vazão de cada turbina e redução da eficiência. Estes fatores impactam a potência e dependem da operação dos reservatórios, que por sua vez, depende das restrições operativas. Entendo que a MP foi concebida exatamente para flexibilizar expeditamente as restrições hidráulicas atuais”, acrescenta.

Para ele, a medida provisória atende ao objetivo de se ter um colegiado para atuar de forma mais ágil quanto às demandas do país nesse momento. E afirma que a concessão de poderes ad referendum para que um ministro tome decisões antes de um colegiado, como na MP 1055, depende das circunstâncias.

Por sua vez, a consultora Leontina Pinto, da Engenho, destaca que um dos problemas mais urgentes sobre o qual o país deverá debruçar-se é sobre o atendimento da demanda no ano que vem. Isso em decorrência da perspectiva de encerrarmos o período seco com reservatórios na casa de 7%. Se essa previsão se confirmar o país ficará muito dependente do próximo período úmido. E, dependendo do cenário, pode ser que o sistema não aguente chegar a maio ou junho, avalia.

“A situação atual está parecida com 2001, sim. Mas há o agravante que estávamos com PLD no piso em fevereiro e desligamos as térmicas naquele mês”, relembra. “Se essa crise hídrica fosse a pior da série histórica realmente, e não é, seria mais um motivo para que as térmicas ficassem acionadas por sinal de preço”, acrescenta.

Para a executiva, os modelos computacionais não representam a realidade dos reservatórios. E mais, destaca que essa questão hídrica vem mostrando-se mais crítica a pelo menos uma década. “Corremos o risco agora da carga ter que baixar ou compulsoriamente ou por preço. Eu trabalho com várias distribuidoras e vimos uma reação do consumo ante o ano passado, mas o efeito da pandemia foi até junho. Isso significa que a previsão deste mês é de crescimento forte e é real, não está na ponta, mas sim é aumento na média”, avalia.

Para ela, nosso problema está claro em 2021, mas também em 2022, ano de eleições, época na qual nenhum governo segura demanda. “A menos que tenhamos chuvas intensas, o racionamento vem nesse ano ou no ano que vem, os reservatórios estão em um nível pré-racionamento”, projeta.

Para diretora da Engenho, mesmo com as demais fontes que avançaram desde 2001, o país não seria capaz de reverter a situação. Isso porque apesar da expansão na geração e na transmissão a demanda também avançou muito no período. “Proporcionalmente, os volumes de geração e demanda estão equivalentes àquele período”, destaca.

Larissa Rodrigues, gerente de Projetos e Produtos do Instituto Escolhas, concorda que os números de hoje em dia estão parecidos com 2001. E critica esse fato, pois passaram-se 20 anos desde que o país teve que enfrentar o racionamento.

“A situação é parecida e preocupante, em 20 anos não resolvemos essa questão do suprimento de energia e a gestão dos usos múltiplos da água”, avalia. “As medidas de 2001 que se repetem não são a solução, podem ser apenas o remédio e que foram errados, não resolveram a falta de gestão de recursos e os governos continuam a tomar medidas de exceção”, analisa.

A executiva do Instituto Escolhas lembra que em momentos de normalidade de chuvas o problema é esquecido e só volta aos holofotes quando a seca bate à porta. Aí, cita, vem a ANA com as medidas excepcionais por emergência hídrica, deliberações que não levam em conta estudos técnicos e econômicos para basear decisões.

Outra crítica feita é quanto à não consideração das mudanças climáticas para o planejamento. Tanto é assim, diz, que na bacia do Paraná, área onde a atenção está concentrada, já há sinalização a pelo menos 20 anos de que o regime de chuvas mudou, as secas estão mais longas e severas. Por este motivo, argumenta, mesmo com as afirmações de que este é o pior momento de vazões do histórico de 91 anos já teria dado tempo para adotar medidas no sentido de mitigar os efeitos sem atuar por meio de um cenário de exceção.

Kelman destacou por fim que a Lei 9984/2000 atribui responsabilidade conjunta à ANA e ao ONS para decidir sobre as regras operativas das usinas hidroelétricas. Cabe à ANA examinar as consequências de cada possível decisão sobre outros usuários da água, que não as próprias usinas, na escala da bacia hidrográfica. Ao ONS a responsabilidade é avaliar as consequências sobre os consumidores de energia elétrica, em termos de confiabilidade e custo, na escala do país.

“É preciso que os modelos matemáticos utilizados pelo ONS capturem esses compromissos para evitar que se conte com recursos que na hora em que serem necessários não estarão disponíveis”, comenta.

O executivo exemplifica, se a ANA decide priorizar o uso consuntivo da água para irrigação numa certa área, em detrimento do uso da água para produção de eletricidade nas usinas a jusante, cabe ao Setor Elétrico diminuir a garantia física dessas usinas. Ou ainda, de forma alternativa, demonstrar que interessaria mais ao país usar a água na produção de energia do que na produção de alimentos. “O que não pode é a ANA priorizar a irrigação e o ONS continuar assumindo que a água está a seu dispor”, argumenta.

Kelman lembra que a articulação entre a ANA e o ONS na bacia do São Francisco ainda necessita de melhor ajuste exatamente na consideração do uso consuntivo a montante da UHE Sobradinho. Mas que a atuação nessa região já deu bons resultados na definição da vazão mínima defluente. Entre outros motivos, porque algumas tomadas de água para abastecimento das populações ficavam inoperantes nas baixas vazões. Este é um problema classificado como de fácil solução, pois poderiam ser adotadas bombas flutuantes, menos suscetíveis ao nível do rio.

“A meu ver, providências desse tipo poderiam ter sido tomadas anos atrás. Ou seja, durante muito tempo Sobradinho esteve mais vazio do que seria estritamente necessário. Teria sido mais vantajoso para os consumidores de energia elétrica arcar com o custo das bombas flutuantes do que amargar as consequências econômicas do desnecessário sangramento da usina”, aponta ele que termina ao afirmar ainda que flexibilizações como estas existem em outras regiões do país e que precisam ser examinadas.