Em meio a pior crise hídrica nos últimos 91 anos e que impõe desafios ao planejamento, operação e disponibilidade energética no país, uma das principais preocupações de consumidores e comercializadoras recaem atualmente sobre o aumento no preço da energia e seus diversos impactos no mercado e na sociedade, com a necessidade de repensar os caminhos que levaram o setor à essa situação.
Para o presidente executivo da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Carlos Faria, a solução passa pela revisão do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) e em imprimir maior agilidade na questão do corte de subsídios às fontes, ao mesmo tempo em que o consumidor vê os custos com encargos aumentarem nos últimos anos com as Medidas Provisórias aprovadas, sem contar no recente processo de privatização da Eletrobras, que também impactará nos preços futuros.
“Não se pode ter um CMO (Custo Marginal de Operação) de R$ 2.500/MWh e um PLD máximo de R$ 580/MWh, pois acaba se transformando em custo para o consumidor que suporta a maior parte do ônus das crises que o setor elétrico passa, como a conta covid no ano passado”, comentou Faria durante o evento digital de aquecimento ao Enase nesta quarta-feira, 11 de agosto.
Na visão do executivo a atual crise acabou desnudando problemas que os modelos de precificação trazem, com PLDs, reservatórios e chuvas abaixo da média, destacando a urgência em mudar a modulação para uma que reflita melhor conjuntura energética do Brasil e o risco com a volatilidade dos preços.
“Como pode em março termos um PLD de R$ 100/MWh, em julho ter o teto e em agosto estarmos falando de racionamento?”, questiona Carlos, ressaltando que, além da redução de subsídios, é preciso repensar na redução de impostos a partir da reestruturação do setor e principalmente em dividir os custos com os demais agentes.
PLS 232 trava e encargos aumentam
O diretor Técnico da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Fillipe Soares, salientou que o projeto de modernização (PLS 232) não avança no Congresso enquanto outras pautas que aumentam os encargos passam, elevando o custo da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) em R$ 1,6 bilhão ao ano, além do perdão de dívidas que somariam quase R$ 7 bilhões de recursos para a própria Conta, que ajudaria nessa questão.
“É importante o avanço da agenda da modernização para que faça a desoneração tarifária revendo todas as políticas concedidas para os segmentos elétricos e outros da economia brasileira, como na reforma tributária”, frisou Soares em sua participação no Warm Up Enase 2021.
Ele também destaca não ser sustentável fazer subsídio cruzado e que a nova matriz elétrica brasileira será composta pelos recursos distribuídos do futuro que invariavelmente irão demandar mais investimentos na rede, que nos últimos seis ciclos tarifários representaram aumentos de 15% com novas linhas de transmissão e instalações.
“Subsídios não tem que ficar na conta de energia e sim no orçamento da união, que deverá decidir se irá colocar recursos em determinada fonte ou em uma escola ou hospital”, opina Filipe, lembrando que apenas 40% do custo atual com energia é gerenciável pelos consumidores, sendo o restante de taxas e encargos.
Na avaliação do técnico só a liberalização do mercado não será a resposta para redução nos preços, até porque o consumidor que já está no ambiente de livre contratação teve seu consumo reduzido em 10% nos últimos seis anos, também lidando com o aumento de custos estruturais.
Outra questão parada é a contratação de reserva de capacidade com base em estudos e repartido entre os consumidores, com o comando do setor mantendo uma política de contratação centralizada sem avaliação de mecanismos de mercado, da valorização dos atributos das fontes e o equilíbrio e comparação entre oferta e demanda.
“Assim vamos seguir na mesma política que fez com que se contratasse Angra 3 como energia de reserva”, critica o técnico, lembrando que o consumidor que migra hoje para o mercado livre tem que lidar com mais encargos à vista com a sobrecontratação das distribuidoras.
“Podemos chegar a um ponto de ir para o ACL e a parcela de energia no custo ser tão pequena que a contratação não vai fazer diferença para o nível de redução desejado ou equivalente a outros países”, conclui, afirmando que a modernização precisa ser uma prioridade para a racionalização dos custos ao futuro desafiador do setor.