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O programa de bônus para quem reduz o consumo de energia coloca entidades em lados opostos. Enquanto os grandes consumidores de energia avaliam como positiva as medidas que o governo federal vem tomando para o enfrentamento da crise hídrica sem precedentes, o segmento que representa o mercado cativo não enxerga os benefícios. E mais, acredita que no final das contas o bônus embutido nos Encargos de Serviço do Sistema (ESS) e a perda de receita das distribuidoras – pagos pelo consumidor – praticamente anulam os ganhos com a redução de consumo.
A Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) reconhece o esforço que o Ministério de Minas e Energia (MME) tem feito para reduzir o impacto do consumo de energia, principalmente nos momentos de pico. O gerente de Energia Elétrica da Abrace, Victor Iocca, diz que ainda não dá para saber se as empresas vão reduzir a demanda ou deslocar a produção para fora do horário de pico, mas ele avalia que esse segmento tem grande potencial de ajudar o sistema.
“O programa que o ministério ofereceu foi muito positivo no sentido de simplificar as regras e permitir que muitos consumidores que estão no mercado livre contribuam nesse momento de estresse até dezembro”, avalia.
Pelas regras, o consumidor poderá fazer uma oferta de redução de consumo de duração horária de 4 a 7 horas e com lotes mínimos de 5 megawatts (MW) para cada hora de duração da oferta. O foco do MME é o horário de pico, entre 12h e 18h em dias úteis.
Mercado regulado
Uma polêmica que se colocou é que a bonificação oferecida ao consumidor cativo é feita via ESS, que em última análise é pago pelo próprio consumidor. A Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace) entende que os custos da tarifa superam o bônus ao consumidor. O presidente da entidade, Carlos Faria, lembra que assim foi na pandemia, em que todos pagaram a Conta-Covid, em que foi dado um crédito emergencial a distribuidoras de energia.
Entretanto, surgiu a proposta de que o Tesouro aportasse essa bonificação, passando os custos do consumidor para o contribuinte. Faria, por sua vez, aponta uma terceira via. “Não deveria ser pago integralmente pelo consumidor, todos deveriam fazer parte dos esforços e ajudar a pagar essa conta”, diz.
Sobre a proposta do governo em relação ao programa de Resposta da Demanda, a opinião do executivo é diferente e ele avalia como positiva “a possibilidade de se contribuir com a redução da demanda”. Hoje a Anace representa entre seus associados cerca de 10 mil MW médios e apesar de não ter consumidores eletrointensivos, muitos deles são ligados à rede básica, mas estão de olho no Programa de Redução Voluntária da Demanda.
Já para o especialista em regulação energética da Mercurio Trading, Eduardo Faria, o bônus que o governo ofereceu compensa os custos da bandeira, já que o consumidor que economizar 10% ou mais terá um bônus de R$ 50 por 100KWh pela redução, enquanto o aumento pela bandeira “Escassez Hídrica” é de 14,20 R$ /100KWh no total consumido.
“Qualquer programa que envolva uma redução da demanda sem afetar significativamente a economia é positivo. Se o consumidor consegue economizar dentro de casa ou no seu negócio, apenas com uso racional da energia sem desperdícios, impacta positivamente o sistema”, diz.
Receita das distribuidoras
Com uma possível queda no consumo de energia, se desenha uma perda de receita das distribuidoras que será repassada aos consumidores. Isso somado aos custos das bandeiras, segundo o coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Clauber Leite, pode inviabilizar os ganhos da bonificação.
“A concessionária declara uma expectativa de receita que não se cumpre e ela alega que é uma redução involuntária e não foi por conta do mercado e por isso ela tem que ser remunerada, já que ela tem contratos com as geradoras que precisam ser cumpridos”, lembra.
A análise de Leite encontra respaldo na Resolução Nº 2, que instituiu o Programa de Incentivo à Redução Voluntária do Consumo de Energia Elétrica. O texto diz que “deve ser mantido o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão e permissão do serviço público de distribuição energia elétrica, cabendo à Aneel avaliar eventuais solicitações de recomposição, fundamentadas pelo interessado, na forma do respectivo contrato de concessão ou permissão e da legislação aplicável, decorrente do Programa de Incentivo à Redução Voluntária do Consumo de Energia Elétrica”.
Uma situação parecida aconteceu em 2001, quando houve uma redução da demanda, mas o consumidor teve que arcar com a perda de receita das distribuidoras. Por outro lado, o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia (Abradee), Marcos Madureira, justifica que é legítimo que as concessionárias sejam compensadas, já que os custos para prestação de serviço destas empresas continuam os mesmos.
“É claro que terá essa queda. As distribuidoras têm contratos de compra de energia e os custos não se reduzem. As empresas continuam prestando o mesmo serviço e só a receita reduz e para que ela continue prestando o mesmo serviço é necessário que haja uma neutralidade em relação a perda de receita”, defende.
Para Madureira, cabe às distribuidoras apenas operacionalizar essa medida, como efetuar os cálculos que o consumidor vai ter e informar.
Falta de comunicação
Uma das poucas coisas que os envolvidos concordam é que que faltou mais comunicação por parte do governo em esclarecer a gravidade da situação e como todos podem contribuir mais ativamente para evitar o pior. Para Eduardo Faria, da Mercurio Trading, as medidas são positivas, mas “poderiam ter ocorrido antes também uma campanha menos tímida e mais abrangente de uso racional e economia de energia”.
Victor Iocca, da Abrace, segue na mesma linha de raciocínio. Para ele, “é fundamental o governo dar o exemplo e os consumidores entenderem que se não houver essa redução expressiva de consumo, as medidas terão que ser mais duras”.
Para Carlos Faria, “o governo peca quando deixa de comunicar ao consumidor que o problema é sério e que ele precisa, de fato, reduzir o consumo”, diz. Já Clauber Leite, do Idec, toca num ponto específico sobre como ainda falta explicar ao consumidor que será ele mesmo que custeará a bonificação. “Esse bônus virá de Encargos de Serviços do Sistema (ESS) e indiretamente vai estar aumentando a tarifa. Precisa de uma transparência dos cálculos”.