De fonte fóssil ou renovável, as termelétricas terão lugar no movimento em direção a uma matriz descarbonizada nas próximas décadas, na avaliação de executivos que participaram de debate sobre o papel da termeletricidade na transição energética. Todos reforçaram, no Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico, que essas usinas representarão segurança e confiabilidade para o sistema, considerando a variabilidade de usinas eólicas e solares e a necessidade de garantir a recuperação dos reservatórios das hidrelétricas.
A discussão sobre a neutralização das emissões não está limitada ao setor elétrico, alertou a diretora do Centro de Estudos em Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas, Joisa Dutra, que conduziu o debate. No mundo da termeletricidade, a defesa da descarbonização é vista, porém, como um pauta estranha à realidade brasileira, dado o histórico da matriz predominantemente renovável no país.
Dirigentes de entidades empresariais que participaram do debate consideram que no contexto de mudanças os fósseis terão uma participação relevante nas próximas décadas, porque são importantes no processo de urbanização. “O fato de descarbonizar não significa acabar com a fonte fóssil. É uma das formas, não é a única. Uma fonte fóssil pode reduzir suas emissões através da captura de CO2”, destacou o presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral, Fernando Zancan.
Ele observou que as tecnologias para que isso já são conhecidas e haverá uma curva de aprendizado, como foi feito com as renováveis. O executivo vê uma pressão internacional para eliminar o carvão da matriz, mas lembrou que com a crise energética atual a China aumentou em sete vezes o investimento nesse tipo de usina.
Para o presidente executivo da Associação da Indústria de Cogeração, Newton Duarte, o Brasil comprou uma agenda de transição energética que nasceu da necessidade dos países do Norte de limparem suas fontes de energia, pouco renováveis e ainda com uso intensivo de combustíveis fósseis. “O carvão na China está crescendo 26% ao ano na base instalada, e na Europa tem crescido 12% ao ano. Eles falam em COP 26 e descarbonização e continuam crescendo [o uso desses combustíveis].”
Duarte ponderou que o pais teve no passado 95% de renováveis, com um pouco de térmicas. Vieram depois as novas renováveis e o pais abraçou um problema do Hemisfério Norte. Além do investimento nas fontes hídricas, que foi abandonado, é possível investir, segundo ele, em fontes térmicas para manter água nos reservatórios e ajudar a firmar as variáveis, usando um modelo próprio. “A gente tem que buscar as nossas condições. Já temos uma matriz elétrica mais renovável e uma matriz energética das mais renováveis.”
Edmundo Pochman, consultor da Associação Brasileira dos Geradores Termelétricos, disse que é preciso determinar, em nível mundial, qual é o máximo de renováveis que é possível incluir na matriz, sem que isso cause maiores problemas. No caso brasileiro, que tem um sistema interligado, é preciso garantir potência, adequacidade, segurança, reserva controlável e resiliência, na avaliação do especialista. “São fatores preponderantes e fundamentais.”
Para o representante da Abraget, “as fontes variáveis não podem continuar proliferando ao bel prazer”, e a matriz ideal precisa ser determinada. Ela tem que ter geração de suporte e também precisa manter os reservatórios cheios, utilizando térmicas de todas as fontes disponíveis. “Desde 2012 temos esses sustos de problemas de água”, lembrou o executivo, que defende uma combinação ótima das fontes renováveis.
Em relação ao gás pós abertura de mercado, ele acredita que a tendência é o preço cair à medida em que novos players entrarem. Para isso, precisa haver sinalização no planejamento, com um politica de governo para desenvolver a infraestrutura. “Precisa levar gás para o interior, construir novos gasodutos. Não sei se a forma dessa MP (Medida Provisoria 1055, que recebeu emenda propondo incluir o custo dos gasodutos na tarifa de transmissão) é a mais correta.”
O segmento de energia nuclear vê a pressão pela descarbonização da economia como um oportunidade para ampliar a inserção da fonte. O presidente da Associação Brasileira Para Desenvolvimento de Atividades Nucleares, Celso Cunha, argumentou que a fonte tem pegada de carbono compacta, é estável, pode ser alocada próxima do centro de carga e requer pequenas áreas, além de ter um grande arrasto tecnológico para outros usos.
A mais recente novidade do setor é a tecnologia dos small reactors, pequenos reatores modulares utilizados em países como Canadá, França e também Inglaterra, que tem trabalhado na produção em serie desses equipamentos. Esse tipo de reator pode reduzir pela metade o tempo de implantação de centrais nucleares, que levam em media dez anos para serem construídas.
Atributos como maior flexibilidade e menor risco podem ser uma vantagem para essas usinas, na avaliação de Cunha. O próprio sitio de Angra comportaria um small reactor no futuro, uma Angra 4, que permitiria injetar mais potência diretamente no centro de consumo. Para o executivo da Abdan, o que emperra o crescimento da fonte no Brasil é o monopólio, que impede a participação de investidores privados na operação de usinas nucleares.