O crescimento do mercado livre veio acompanhado de uma mudança no comportamento do grande consumidor brasileiro, o que tem levado o setor a trabalhar cada vez mais com diferentes arranjos de negócios, de acordo com participantes de debate sobre o papel do segmento de consumo na expansão do ACL para usinas eólicas. A fonte é uma das preferidas do mercado, quando se fala em trabalhar com um portfólio de energia mais limpa.
“O que temos percebido e que existe uma demanda da sociedade por um consumo cada vez mais consciente, em termos de atributos ambientais. E as empresas tem investido em metas de sustentabilidade, inclusive as grandes empresas”, disse a vice-presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, Talita Porto, durante o painel do Brazil Windpower.
A executiva lembrou que mais do que investir em sustentabilidade para melhoria da imagem, as empresas tem se posicionado estrategicamente de forma que cada vez mais os contratos de energia sejam de fonte renovável, reduzindo as emissões de carbono.
Desde 2018, o crescimento do mercado livre tem estado muito ancorado nesse consumidor, que tem com a migração um retorno praticamente imediato em termos de redução de custos. Mais recentemente, as empresas tem negociado contratos de longo prazo de dez a 15 anos nesse ambiente, que ajudam a financiar os empreendimentos de energia renovável.
Esse consumidor está sujeito, por outro lado, a uma volatilidade, porque mesmo estando 100% contratado e com o balanço energético zerado no curto prazo, situações como a da atual escassez hídrica trazem uma conta de extra a pagar em Encargos de Serviços do Sistema.
A outra opção que existe é produzir a própria energia, um investimento mais alto cujo retorno não é imediato, mas, no longo prazo, torna-se mais previsível, em razão da isenção de encargos da Conta de Desenvolvimento Energético, do Proinfa, da Energia de Reserva e do ESS por segurança energética. A executiva disse que a CCEE tem observado novos modelos de negócio se fortalecendo na autoprodução, com o autoprodutor titular da autorização e o consumidor equiparado a autoprodutor.
Existe também o consumidor da geração distribuída, nicho que é 99% de energia fotovoltaica e ainda não muito rentável para eólicas. Um estudo da CCEE trouxe a possibilidade de que vários consumidores agregados em uma usina virtual possam vender o excedente que hoje é compensado na forma de créditos como uma contrato regulado padrão.
Para Cristopher Vlavianos, CEO da Comerc, houve uma mudança no perfil do consumidor, desde que o mercado livre começou a avançar no pós-racionamento. Além de economia e previsibilidade, ele está começando a pensar também na sustentabilidade.
“Hoje, todas as empresas tem metas. Querem reduzir sua pegada de carbono. Você ter uma fonte renovável competitiva é juntar a fome com a vontade de comer”, disse o executivo, para quem a importância das fontes renováveis no Ambiente de Comercialização Livre vai ao encontro do desejo dos consumidores.
Lucas Araripe, diretor da Casa dos Ventos, disse que há uma complexidade do ponto de vista comercial para desenvolver produtos, mas hoje existem diferentes arranjos à luz de um mercado cada vez mais aberto. Ele falou da necessidade constante de inovar para atender o cliente que valoriza a pegada da sustentabilidade.
Hoje existe uma agenda verde, o ESG, mas a empresa consegue casar os dois mundos, de trazer economia e ao mesmo tempo reduzir as emissões do cliente, afirmou Araripe. O executivo acredita no futuro do mercado de carbono.
As empresas também estão passando por um processo de aprendizado na apreensão dos atributos ambientais na geração de energia, avaliou do presidente do Instituto Totum de Desenvolvimento e Gestão Empresarial, Fernando Lopes. Ele citou três movimentos que mostram essa trajetória.
O primeiro é a compra no mercado de certificados I-REC de empreendimento renovável para diminuir as emissões e a pegada de carbono. Nessa fase, a compra é feita no fechamento do ano, por exigência da área da companhia que cuida de sustentabilidade.
Como esse é um processo que deve ser permanente, o passo seguinte é o fechamento de um contrato de compra do atributo ambiental olhando para o futuro, com RECs ainda desagregados da energia que a empresa consome. Já no terceiro momento, os contratos de energia vão vencendo e há necessidade de fechar novos contratos, com a empresa optando por energia renovável e com garantia de origem.
Há, finalmente, o que o executivo chamou de “estratégia 3.1”, que é comprar energia renovável, mas com uma pegada maior de sustentabilidade, de empreendimentos certificados que tem o selo REC Brasil. Esse é um mercado importante para as eólicas.
Em 2020, segundo o consultor, em torno de 150 usinas de diferentes fontes estavam aptas a gerar REC. O número passou em 2021 para 270, com crescimento na ordem de 70%, sendo que metade eram empreendimentos eólicos. Em termos de potencia, a participação da fonte era um pouco menor, por causa de algumas hidrelétricas de grande porte.
A cada três certificados emitidos no Brasil, dois são eólicos. Em 2020, foram emitidos no pais 4 milhões de IRecs, número que chegará a 9 milhões em 2021. “Esse ano, os Irecs vão ser bastante mais importantes que no ano passado”, disse Lopes, explicando que para cada MW consumido a empresa colocava na sua pegada de carbono 60 kg/MWh de CO2.
O número mais recente mostra que em 2021 essa pegada dobrou, com o valor atingindo 120kg de dióxido de carbono por MWh, em razão da crise hídrica que forçou o aumento no uso de energia fóssil. Nesse contexto, quem tiver certificados com rastreabilidade e garantia de origem de energia vai conseguir zerar o impacto.