A corrida por outorgas de empreendimentos eólicos e solares para aproveitar o desconto na tarifa fio em projetos que podem nem sair do papel foi criticada novamente por diretores da Agência Nacional de Energia Elétrica, na reunião da última terça-feira, 8 de fevereiro. A autarquia já analisou 1400 pedidos e tem uma fila de outros 1500 para serem avaliados, totalizando praticamente 3 mil outorgas.
“Nós temos 180 mil MW instalados desde a história do país até hoje e temos praticamente mais 180 mil MW para ser instalados e, na expectativa de alguns, 180 mil MW com desconto de 50% no fio”, afirmou o diretor-geral da autarquia, André Pepitone. Ele criticou o que que chamou de “corrida sem compromisso entre a outorga e a implantação” e de “pseudo (falsa) expectativa de salvaguardar o desconto.”
O acúmulo de processos tem estressado as equipes da agência responsáveis pelas análises, porque cada outorga concedida gera dois novos pedidos: o de alteração das características técnicas do empreendimento e o de mudança no cronograma de implantação. A artimanha duplica o trabalho das áreas técnicas na instrução dos processos.
Para Pepitone, essa “é uma equação que não tem razoabilidade”, uma vez que a Lei 14.120 estabeleceu prazo até 2025 para o fim do subsídio nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão e de distribuição para as fontes renováveis. Como a lei foi sancionada em 2021, os descontos serão aplicados às usinas que entrarem em operação nos próximos quatro anos.
Os pedidos de autorização à Aneel são de empreendimentos para o mercado livre, que, ao contrário dos projetos direcionados ao mercado regulado, não estão atrelados a compromissos contratuais, como prazos de implantação. Existem hoje, segundo o diretor, 100 mil MW em projetos outorgados na Aneel nessa situação.
Pepitone lembrou que, diferente da discussão no passado sobre a reserva de outorgas por empreendedores em PCHs, o ponto crítico para usinas eólicas e solares não é o licenciamento ambiental, e sim a conexão do empreendimento. O próprio governo acabou incentivando à corrida aos descontos, ao publicar em dezembro do ano passado o Decreto 10.893, que dispensou os novos projetos de geração renovável com outorga solicitadas até 2 de março de 2022 de informação de acesso atestando a viabilidade da conexão do empreendimento.
O diretor destacou que a carga não está preparada para receber toda essa geração outorgada, e é natural que não exista conexão para todos os empreendimentos.
O que se observa hoje, em sua avaliação, são agentes reservando, por meio da informação de acesso, ponto de conexão para o projeto ganhar valor no mercado. “A gente está, de certa forma, incentivando uma verdadeira bolsa de outorgas nessa área de renováveis. Precisava buscar aqui ações para não permitir isso.”
O diretor Efrain Cruz também destacou que a legislação não criou uma situação ad eternum em relação aos subsídios às renováveis. Ele admitiu que o sinal amarelo e o vermelho já deveriam ter sido acionados pela agência reguladora, que vem discutindo o problema há algum tempo.
“Essa colocação que o senhor nos traz de que há uma expectativa de que a outorga dê direito ao desconto no fio, espero eu que nem sequer ventile na cabeça dos empreendedores que isso vai acontecer”, disse em resposta a Pepitone.
Cruz reforçou que o sistema não comporta 180 mil MW de renováveis, quando há estudos de três grandes hidrelétricas no rio Tapajós sendo retomados pela Eletrobras. E está prevista ainda, na lei que autoriza a privatização da estatal, a contratação obrigatória de 2 mil MW de pequenas centrais hidrelétricas e de 8 mil MW de termelétricas a gás até 2028.
“A gente está falando 180 [mil MW] de solar e eólica. E as outras cargas?”, questionou o diretor. Ele argumentou que a Empresa de Pesquisa Energética terá que trabalhar no escoamento de toda a carga prevista para os próximos anos. Observou que pela indicação da área técnica, a carga das renováveis pode ser ainda maior. “A gente solta outorga se couber”, recomendou.