O Ministério de Minas e Energia decidiu ouvir informalmente representantes de consultorias e de associações do setor elétrico sobre a contratação em leilão da margem de escoamento para acesso de geradores à rede de transmissão. E recebeu a recomendação de que será necessária a definição de critérios claros que garantam a plena competição e o acesso isonômico dos agentes, selecionando os que de fato pretendem tirar o projeto do papel.

O processo competitivo está previsto no Decreto nº 10.893/2021, de dezembro do ano passado. Embora o contratação não seja obrigatória, o MME está trabalhando na portaria com as diretrizes do primeiro certame do tipo, que ainda passará por processo de consulta pública.

O decreto acabou provocando uma corrida às outorgas de empreendimentos fotovoltaicos e eólicos, ao estabelecer uma regra temporária e excepcional excluindo a exigência de apresentação da informação de acesso para essas usinas até 2 de março desse ano. A Aneel contabiliza cerca de 3 mil processos. Os requerimentos de outorga somam perto de 200 GW de potência instalada.

O secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do MME, Paulo César Domingues, disse durante webinário na ultima sexta-feira, 11 de março, que o Plano Decenal de Energia 2031, que será publicado ainda esse mês, prevê 41 GW de geração centralizada na próxima década. Em tese, completou Domingues, já existe uma oferta de projetos no setor elétrico capaz de atender cinco décadas.

“Se por um lado isso mostra a confiança do investidor no Brasil e no setor elétrico, temos que ter em mente que o planejamento não pode expandir o sistema para acomodar toda essa oferta”, disse, lembrando que o sistema de transmissão não pode ter uma expansão ilimitada. “É uma sistema caro e o consumidor não pode pagar por uma capacidade de transporte de energia que exceda as necessidades do país. Daí a importância do decreto, que permitirá uma competição pela expansão da capacidade futura de transporte de energia, tendo em vista esse grande número de projetos existentes.”

Martha Rosa Carvalho, consultora da PSR, lembrou que a conexão é um recurso escasso não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, e não há uma fórmula mágica para tratar a questão. A experiência dos mercados internacionais, segundo a especialista, mostra que é preciso mecanismos que tragam eficiência ao processo e maximizem o uso da rede. E que a fila de conexão seja adequada considerando diversos atributos, tanto para o sistema quanto para a politica energética.

Vários critérios podem ser utilizados para ordenar a fila de projetos de geração, o que inclui o leilão de margem de escoamento. As duas propostas da PSR consideram tanto o esquema de fila por ordenamento quando por leilão. O aporte de garantias financeiras, com um processo de execução dinâmico, pode se somar, incentivando a efetivação da conexão.

Joao Carlos Mello, presidente da Thymos Energia, destacou que há uma solução conjuntural para o descasamento entre a oferta de empreendimentos de geração e a infraestrutura da rede, que é o leilão de margem de escoamento, e a estrutural, que é a expansão da transmissão. “É necessário organizar o processo. Não tenho como dar acesso amplo e ilimitado a todos, senão eu teria um custo excessivo.”

O executivo disse que é contra a fila ordenada, afirmando que esse é um processo que já deu errado no Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica, com várias ações de geradores na justiça.

Mello sugeriu que sejam reconhecidos atributos como critérios locacionais de capacidade de escoamento, mínimo custo global para a instalação da infraestrutura de conexão, parâmetros operacionais para a seleção dos projetos mais eficientes e com maior contribuição para a segurança sistêmica e regras de desempate que levem em consideração benefícios ambientais. Outra possibilidade a ser explorada seria a divisão da conexão entre empreendimentos, estabelecida por acordo entre os próprios geradores, que ele chamou de “hub de renováveis”.

Élbia Gannoum, presidente-executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica, afirmou que a diferença entre oferta de geração e disponibilidade de transmissão sempre existiu, mas o problema foi potencializado pela “corrida de ouro” de empreendedores solar e eólicos pelos descontos nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão (Tust) e de distribuição (Tusd), que serão reduzidos gradualmente nos próximos anos até serem completamente eliminados.

“É interessante fazer uma limpeza nessa base, e a gente tem conversado muito isso com a Aneel. A gente tem muito projeto de papel”, disse a executiva, lembrando que essa ação resolve o problema conjuntural, mas ainda tem uma situação estrutural para ser tratada.

A solução pode não vir necessariamente de um leilão de margem. Pode ser um processo de ordenamento dos pedidos. “Se você for para um leilão de margem, será que só vender aquela margem seria um critério eficiente? Tudo indica que não. Se você tem um projeto, precisa levar em consideração o requisito ambiental, o requisito técnico, o requisito elétrico da conexão.”

“É uma fila que se formou que precisa de um tratamento adequado. Precisamos definir regras de como ordenar”, reforçou Carlos Dornellas, representante da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica. Para o executivo, será necessário estabelecer prioridades para o acesso ao sistema de transmissão e ao mesmo tempo modernizar o planejam da expansão da transmissão, porque o crescimento das fontes renováveis é um fato inevitável.

O executivo destacou que o decreto deixa claro que o MME pode organizar leilão, mas há caminhos mais simples. Assim como acontece no processo de outorga, o aporte de garantia financeira para obtenção de acesso às instalações de transmissão pode contribuir para o aprimoramento do modelo atual, adicionando sinais relevantes, ponderou.

A Absolar recomenda um processo concorrencial equilibrado e sugere que os agentes que tem contrato ou vierem a assinar contratos para conexão e uso da transmissão sejam dispensados da disputa. A contratação de margem não poderá interferir na política de operação do Sistema Interligado e deve evitar impactos sobre o preço da energia elétrica.

Guilherme Velho, presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia, defendeu a manutenção do critério de ordenamento em fila. Em relação ao processo competitivo de contratação, a proposta da Apine é de que o leilão tenha como critério o maior aporte de garantia de fiel cumprimento.

Os projetos disputarão o acesso ao SIN por meio de ofertas crescentes do valor da garantia. Os vencedores ganharão esse direito, considerando possíveis restrições de operação que venham a ser estabelecidas no Parecer de Acesso. Na opinião do executivo, isso vai atrair apenas agentes com projetos com melhores atributos, dando maior segurança em relação à implantação dos empreendimentos. Para o processo funcionar, as garantias ofertadas devem ser solidas e executáveis em um prazo predefinido pela Aneel.

O representante da associação sugeriu também que além da rede existente e sua expansão contratada, deve ser avaliada a possibilidade de uma expansão adicional viável no horizonte considerado, para permitir, dentro de determinados limites, o acesso de mais empreendimentos de geração que demonstrem segurança de implantação, por meio de suas ofertas no leilão. “O que puder acrescentar ali é bem vindo.”

Geraldo Pontelo, representante da Associação Brasileira de Empresas de Transmissão de Energia Elétrica, alertou para a importância de uma discussão mais ampla com a sociedade, para que não se volte a soluções anteriores que não deram certo. Ele citou como exemplo a expansão do sistema com a implantação de instalações de uso compartilhado, conhecidas como ICGs.

Pontelo vê oportunidades no processo de leilões de contratação de margem, como a possibilidade de novos geradores agregarem atributos para a rede, como geração de reativo para controle de tensão. Ele também ponderou que as obras de reforços em instalações existentes em função da margem deverão ter suas autorizações priorizadas pela Aneel. A portaria com as diretrizes do leilão poderia estabelecer prazos de referência para a agência emitir novas autorizações e para “zerar o passivo” de obras de reforços e melhorias que ainda estão com autorização pendente.