No contexto atual de guerra na Europa e escalada nos preços dos combustíveis, como combinar os imperativos da segurança energética com o ritmo de transição e descarbonização que o setor elétrico necessita? Foi com essa tônica que o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Thiago Barral, iniciou sua apresentação durante um webinar nessa terça-feira, 15 de março, organizado pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) com objetivo de debater os rumos e perspectivas da energia nuclear no Brasil.
Para Barral, a nuclear é interessante justamente pois suas características de energia limpa e firme combinarem com as dimensões da transição e da segurança energética. Representando atualmente 2,5% da matriz nacional, o que poderá ser ampliado com a conclusão de Angra 3, ele lembra que a fonte teve um impulso muito grande na década de 1970 após o choque do petróleo, que impactou todo segmento energético, e que nesse momento passa por um momento de revisão em todo mundo.
“Quando falamos no PNE 2050, qual o papel da nuclear nas próximas décadas? Essa análise envolve o elemento central de alto nível de incerteza e risco e nosso objetivo não é necessariamente o menor custo, mas diminuir o custo de arrependimento, que é diante de uma diversidade de cenários como fazer escolhas que não nos coloquem em becos sem saída caso determinadas configurações e trajetórias de eventos possam ocorrer”, explicou.
Com os avanços tecnológicos nos últimos anos a EPE tem olhado com interesse para os chamados pequenos reatores nucleares modulares, visto reduzirem os riscos com a premissa de, ao invés de ganhar escala no projeto, ganhar escala em um mercado maior, numa concepção mais padronizada e industrial.
“Temos visto um dinamismo muito grande no desenvolvimento dessa tecnologia com ganhos de competitividade atendendo aos requisitos de maior flexibilidade. Uns servirão para sistemas isolados, outros no centro de carga, outros usando o calor para outros usos numa diversidade de aplicações que traz versatilidade aos modelos de negócios”, pontuou Thiago Barral.
Ele também informou sobre um acordo de cooperação firmado com a Agência Internacional de Energia Atômica para aprofundar as análises metodológicas sobre a inserção desses reatores no contexto brasileiro, além de uma bilateral com os EUA para avaliar os aspectos mercadológicos que serão relevantes para a regulamentação e estudos de planejamento.
Existem demandas
Para ele e outros participantes do evento, como o consultor da PSR, Celso Dall’Orto, o mercado para geração de energia nuclear deve primeiro sair do monopólio da União para a regulação aprender a lidar mais com essa diversidade e versatilidade da nova tecnologia para reatores, num roteiro que passa por estudos de sítios, regulamentação de instalação, licenciamento e desenhos de mercado para depois participação dos agentes privados.
“Vários agentes contataram a PSR para investimentos no Brasil mas as questões regulatórias impedem avanços. Existe a demanda mas precisamos equacionar essa questão legal para a participação privada” destacou o consultor, que vê a fonte sendo ainda mais rediscutida após os impactos do conflito na Ucrânia, que apontam para a certeza da necessidade de os países obterem suas independências energéticas.
Para Celso, todos os preços terão aumento no curto prazo e aquelas tecnologias consideradas caras passam por um momento de revisão, como no caso das usinas nucleares, inclusive com a retomada de projetos de pesquisa e desenvolvimento buscando eficiência maior em um portfólio que deve ser formado por todos os tipos de fontes.
Outro ponto importante são as regras e os produtos a serem oferecidos num eventual leilão da nuclear, passando pelos atributos da fonte com suas vantagens globais para o sistema como um todo. Para isso, precisa-se de uma política determinada para saber quais setores arcariam com esses investimentos, visto os benefícios a outros setores como medicina, defesa, entre outros.
Planta na Ucrânia receberá reatores de água pressurizada com 77 MW de potência (NuScale)
Nesse ponto o presidente da Eletronuclear, Leonam Guimarães, salientou a importância da formação também de um “mercado de calor” a partir dos usos não elétricos da nuclear, com destinações a aplicações industriais, aquecimento de ambientes e cidades, na tecnologia de dessalinização e no transporte de hidrogênio e outros combustíveis.
“Cerca de 40% do gás usado na Europa é para aquecimento de locais e residências, o que poderia ser contribuído também pela energia nuclear através do mercado do calor”, analisa o executivo, lembrando que a estatal está iniciando um projeto junto a Furnas para aproveitamento de hidrogênio obtido como produto de sub-produção nas centrais em Angra dos Reis (RJ).
Para Guimarães, a origem do não impulsionamento do programa nuclear brasileiro em parceria com a Alemanha no passado passa pelo aumento global dos juros. O custo inicial muito alto e o de operação baixo tira a competitividade econômica e financeira dos empreendimentos.
“Não acredito que isso mude significativamente com os novos reatores modulares mas o balanço do custo da segurança energética tem que ser considerado em futuras contratações”, ressalta, afirmando que a eletricidade se distancia do conceito de commodity na medida em que se analisa onde e como ela foi produzida.
Em sua fala final, o presidente da Eletronuclear disse que em sistemas de alta interligação como o brasileiro o que importa é o preço para o sistema como um todo. No caso de Angra 3 um cálculo foi feito sobre o custo total caso a usina estivesse em operação, e em ambos os cenários e períodos o efeito é positivo, reduzindo o custo total da rede.