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Alterações previstas no PL 414 na destinação de recursos do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento da Aneel podem enfraquecer a cadeia de inovação no país, paralisando a contratação de projetos importantes para a modernização do próprio setor elétrico. O alerta é feito por pesquisadores ligados a Centros de Pesquisa, startups e empresas de base tecnológica, que denunciam uma nova tentativa de redirecionar o orçamento das empresas de geração, transmissão e distribuição, depois da “mordida” autorizada em 2020 pela Medida Provisória 998 (atual Lei 14.120).
O projeto que está na Câmara inclui mudanças na Lei nº 9.991/2000 que sugerem a aplicação de recursos em projetos de P&D constantes de uma lista pública a ser divulgada anualmente pelo Poder Executivo, na contratação de estudos, no custeio e manutenção das atividades da Empresa de Pesquisa Energética, ou como contribuição adicional à Conta de Desenvolvimento Energético.
O PL prevê a reforma do atual modelo comercial do setor. Já veio do Senado com as alterações, mas sofreu acréscimos na versão preliminar do parecer divulgado informalmente pelo relator Fernando Coelho Filho (União-PE). O deputado disse que tem conversado com o governo para promover ajustes no texto, que pode ser votado em plenário em abril.
Pesquisadores ouvidos pela Agência CanalEnergia apontam a contradição de um projeto de lei que ao mesmo tempo propõe a modernização do setor enquanto retira recursos destinados ao desenvolvimento de tecnologias e à inovação. “É até contraditório, porque o 414 vai fazer uma revolução no setor elétrico e eles não querem dinheiro para fazer essa revolução”, resume Berta Ulmo, diretora comercial da Concert, uma empresa de base tecnológica que atua em São Paulo e Minas Gerais.
O diretor técnico do instituto de pesquisa Lactec, Carlos Ribas, também destaca que não faz sentido a mudança no programa estar dentro do projeto de lei, sobretudo para sustentar ou custear atividades que não estejam ligadas a pesquisa e desenvolvimento. “Eu conversei com o [ex] ministro Fernando Coelho. Deu pra ver pela face dele que ele está com o mesmo discurso lá da MP 998, hoje lei 14.120, de que está sobrando [dinheiro]. Não está”, disse o executivo.
Ribas acredita que “o P&D deveria ser visto como o Santo Graal do setor de energia, justamente pelos desafios que estão pra chegar e pelas crises que a gente está passando.”
Para o consultor Tenório Barreto, que coordena o grupo de pesquisadores conhecido como Confraria da Inovação, Coelho parte de um premissa errada de que existem recursos represados no orçamento do programa regulado pela Aneel e custeado pelos consumidores de energia elétrica. “A MP 998 pegou tudo. E ainda raspou o tacho, mais 30%. Então, é equivocado esse olhar caduco. É um olhar de quem não está ligado com o que aconteceu.”
O pesquisador da BS Consultoria lembrou que o programa de P&D trouxe para o setor uma cultura de inovação que não existia, e mudar isso seria um retrocesso e um grande prejuízo.
Dados da Aneel mostram que foram retirados pela R$ 1,750 bilhão em recursos do orçamento de P&D e Eficiência Energética considerados represados. Entre 2021 e 2025 devem ser destinados mais R$ 2,1 bilhões (30%) para a Conta de Desenvolvimento Energético.
Michel Serhn, diretor da startup de inteligência artificial 4Vants, apontou uma certa dificuldade no andamento de projetos depois que a MP 998 destinou parte dos recursos do orçamento de P&D para o enfrentamento dos impactos da pandemia para os consumidores. “Nós estávamos com várias propostas em várias concessionárias. (…) E a gente viu uma dificuldade muito grande de fechar novos negócios, inclusive aqueles que já estavam elencados antes da MP.” Ele prevê que o receio das concessionárias de contratar novos projetos pode aumentar se for aprovada a alteração prevista no PL 414.
Guilherme Cardim, diretor-presidente do Instituto Avançado de Tecnologia e Inovação, relatou a mesma dificuldade em contratar novos projetos. Ele contou que a instituição fez um grande investimento no final de 2019, triplicando a área de laboratórios, e planejava aumentar a equipe em 30%. Com a chegada da pandemia e a publicação da medida provisória, as empresas do setor pisaram no freio.
“Entre 2020 até julho de 2021, que foi quando esse processo de aprovação e de publicação da lei realmente se consolidou, nós não contratamos nenhum projeto de P&D. Mais de um ano e meio sem nenhum projeto. Os planos de aumentar a equipe em mais de 30% também foram suspensos”, disse o pesquisador. Cardim prevê uma nova desaceleração no processo no início do ano que vem, com a mudança regulatória que será feita pela Aneel no programa. O cenário pode piorar se os “jabutis” de P&D forem aprovados no 414.
Em ofício enviado a Fernando Coelho, o presidente da Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação (Abipti), Paulo Foina, destacou a preocupação com a proposta, afirmando que ela “seria um novo baque no ecossistema de inovação do setor elétrico, que já sofre com os reflexos da lei 14.120/2021.”
“É o momento de intensificarmos as discussões e acelerarmos as soluções voltadas à transição energética, concentrando esforços em novas tecnologias, como hidrogênio e eólica offshore, possíveis novas fronteiras energéticas, que ainda carecem de desenvolvimento tecnológico em nosso país”, ponderou o dirigente.
A mesma correspondência foi encaminhada ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, ao senador Marcos Rogério (relator da proposta no Senado), ao diretor-geral da Aneel, André Pepitone, e ao superintendente de P&D da agência reguladora, Paulo Luciano.
Como aconteceu na tramitação da MP 998, o setor de pesquisa tem se movimentado para convencer outros parlamentares sobre a necessidade da retirada do artigo incluído no PL 414. “Desde o ano passado a gente vem discutindo a importância de ter um acompanhamento dessas questões”, disse Cardim.
O setor de pesquisa pretende manter a interlocução com o Congresso Nacional, para por em discussão, inclusive, questões como o contingenciamento frequente da parcela dos recursos de P&D, pagos na tarifa de energia elétrica, que vão para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (FNDCT) do Ministério da Ciência e Tecnologia. “Não é de hoje que os recursos de pesquisa e desenvolvimento são fatiados. Então é importante que a gente tenha esse diálogo permanente com os legisladores”, defendeu o diretor do Iati.