A maior dificuldade enfrentada na crise hídrica que passou foi o diagnóstico para viabilizar a gestão dos escoamentos mínimos obrigatórios dos reservatórios hidroelétricos, em função sobretudo do acoplamento hidráulico na bacia do Paraná. A questão foi colocada pelo diretor de Planejamento do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Alexandre Zucarato, durante a abertura do Agenda Setorial 2022 nessa segunda-feira, 18 de abril, onde falou sobre as lições da crise e perspectivas para a operação do sistema nos próximos meses.

“A grande chave foi entender que não conseguimos poupar recursos hídricos sem administrar as principais restrições e segurar a água das cabeceiras e substituir a geração no Sudeste pelas térmicas disponíveis, necessitando é claro rever a questão dos preços dessas usinas no futuro”, comentou o executivo, salientando o trabalho de gerenciamento e decisões em conjunto com Ibama e a Agência Nacional das Águas e Saneamento (ANA).

Outro ponto a ser revisto é que essas restrições não constam nos modelos computacionais de médio-prazo. Segundo Zucarato, com uma atualização nos programas seria possível prever no começo de março o dia do colapso hidráulico para 14 de setembro de 2021, data em que todos os reservatórios acima da UHE Jupiá estariam zerados, o que demonstra a ineficiência que uma política de racionamento naquele determinado momento teria.

Por outro lado, o período seco começou em abril com índice de 65%, melhores níveis desde 2012, o que dá mais tranquilidade ao Operador, que prevê chegar ao final do ano com capacidade de 40% e mantendo a geração na ordem de mérito. “Recentemente conseguimos recuperar o armazenamento no Sul, encerrando o despacho térmico necessário desde outubro de 2020”, destaca, afirmando que a carga deve ficar mais comprimida apenas a partir de novembro.

Sobre os programas Newave, Decomp e Dessem o dirigente aponta que os esforços dos últimos dois ciclos dão um reforço considerável na métrica de valorar energeticamente a água no médio prazo, mas que não resolve todos os problemas. “Quando não representamos as restrições hídricas os modelos acreditam que podem guardar essa água para o futuro, visando atender a uma condição energética complicada”, lembra.

Já os modelos individualizados enxergam a defluência mínima como uma inflexibilidade hidráulica, fazendo o sistema gastar mais água a despeito do seu valor. “Precisamos acertar essas restrições críticas e relevantes para que a valoração energética seja adequada”, define.

No curto prazo Alexandre diz esperar que o preço horário sinalize a valoração da energia diferentemente nas horas do dia e estando associado a modulação da geração, o que não consta no modelo Dessem, assim como as restrição hídricas e dos agentes, que podem limitar a potência disponível em determinados pontos, como nos reservatórios que não podem variar em 0,5 metros seu volume útil.

A questão é que determinados modelos entendem a capacidade da modulação como infinita, não conseguindo por exemplo monetizar os ativos que agregam ao sistema e não representando o que acontece de fato na vida real. Zucarato também lembrou do plano de 10 anos para recuperação dos reservatórios, uma herança da Eletrobras e que delegou a ANA o estabelecimento de regras operativas para os rios Grande e Paranaíba.

Próximas pautas
A agenda regulatória do Operador para 2022 e próximos anos está definida por pelo menos cinco temas principais. O primeiro é a resposta por demanda, programa incentivado durante o auge da crise do ano passado e que foi encerrado por conta do ONS trabalhar no momento com muito mais recursos na ponta para o atendimento, vendo uma possível janela de oportunidade entre outubro a março, quando o balanço da carga fica mais comprimido.

Em seguida aparecem os serviços ancilares, como controle de eficiência ou de tensão mais próximo ao tempo real e os recursos energéticos distribuídos, principalmente com a fonte solar tendo penetração exponencial e que irá ofertar energia livre, colocando o sistema mediante a rampas de carga importantes.

“Também há um fenômeno chato chamado conexão e cascata da Geração Distribuída, em função dos equipamentos dessa modalidade não terem a robustez de equipamentos em comparação a geração centralizada, dotando a GD de um sistema de proteção para níveis de tensão”, aponta.

Por fim, o ONS também centrará suas atenções no despacho e formação de preço, no sentido de assegurar que as restrições do sistema não sejam negligenciadas para se resolver as questões problemáticas apenas matematicamente, ignorando pontos relevantes como as restrições hidráulicas das usinas de Jupiá e Porto Primavera.

Fase crítica alteração dos modelos computacionais e revisão das garantias físicas
Representando o Fórum das Associações do Setor (Fase), o diretor-presidente da ABCE, Alexei Vivan, disse que os agentes do demonstraram galhardia para resolver todas as dificuldades de um dos momentos mais difíceis que o setor passou. “Mais do que preço o importante foi a energia chegar aos consumidores sem racionamento, que esteve próximo e que exigiria custos muito altos do que as medidas adotadas”, apontou.

O executivo, que representou no evento o presidente do Fórum, Mário Menel, revelou que o Fase está redigindo uma carta com críticas específicas sobre a conclusão das contribuições nº 121 e 123, elaboradas pelo Ministério de Minas e Energia, e que tratam da alteração dos modelos Newave, Decomp e Dessem e a revisão ordinária da garantia física das usinas.

Entre os pontos de atenção citados está a pouca divulgação e conhecimento das contribuições realizadas, com 11,1% do público na contribuição nº 109 sendo favoráveis ao aumento de aversão ao risco, volume que saltou para 79% favorável na contribuição nº 121.

“O resultado foi divulgado após 24 horas, o que para os agentes do setor é um prazo longo, podendo haver assimetrias de informações e conhecimento em relação a decisão, sendo preciso haver maior publicidade dos dados e transparência para isonomia das informações”, aponta Vivan.

A outra crítica refere-se a revisão ordinária da garantia física, com a divulgação das premissas para os novos valores de parâmetro que incluam aversão ao risco nos cenários de afluência, o DEC do Newave, além do custo marginal de expansão.
Sobre o PL 414, Alexei disse que o projeto está bastante maduro e precisa ser votado o mais rápido possível, com uma preocupação do Fórum sendo evitar a inclusão de custos adicionais ao setor que não representam algo relevante, como os chamados jabutis, nesse caso os 8 GW térmicos obrigatórios.

Por sua vez o executivo ressaltou que a agenda propositiva do Fase para 2023 está em construção, a partir dos pilares governança corporativa, redução de encargos e subsídios, modernização e abertura sustentável do mercado e a atração de investimentos.