Dos R$ 60,3 bilhões em créditos tributários do PIS e da Cofins pela cobrança indevida de ICMS, R$ 47,6 bilhões ainda não foram restituídos aos consumidores, num processo complexo que envolve algumas variáveis e que se arrasta há mais de 20 anos. A informação foi apresentada nessa terça-feira, 17 de maio, pela superintendente de Fiscalização Econômica e Financeira da Aneel, Maria Luiza Ferreira Caldwell, durante audiência pública interativa no Senado. Na ocasião a representante do regulador reforçou a utilização de parte desses recursos pela Agência desde 2020 como forma de aliviar as contas de energia por meio de processos de revisão tarifária específicos, tendo obtido uma redução média de 5% até então.
A Agência está inclusive com uma consulta pública em andamento sobre o tema, tendo de avaliar mais de 200 contribuições entre 40 agentes. No entanto a nota técnica elaborada há dois anos após uma tomada de subsídios defende a devolução integral dos valores ao consumidor no tempo necessário para aproveitamento desse crédito junto as obrigações da receita, respeitando também as datas de ajuizamento das distribuidoras, o que traz uma percepção de efeitos diferentes em cada região e concessionária.
“A análise não está encerrada e temos um rito próprio de definição das regras. Na prática R$ 12,7 bilhões já foram revertidos aos consumidores nos processos tarifários, com redução média das tarifas de 5%, indo de -1 a 11% dependendo da concessão”, afirma a superintendente. Somente nesse ano foram 12 concessões e R$ 3,5 bilhões restituídos.
Do ponto de vista regulatório o que fica é o crédito represado no passado e a consideração efetiva dos recursos a partir do trânsito julgado, com 44 distribuidoras tendo os recursos prontos para utilização, somando R$ 48 bilhões já habilitados pela Receita Federal, além de sete tendo ações em andamento e apenas duas concessionárias que não protocolaram seus pleitos judiciais sobre o assunto.
O Senador Fabio Garcia (União/MT), que presidiu e propôs a sessão, disse que a ideia da Casa é buscar dar um direcionamento a Aneel para que utilize em toda e qualquer revisão tarifária a máxima capacidade de compensação das concessionárias, incluindo não só os tributos já compensados e não repassados ao consumidor, como também a projeção do que será capaz de compensar.
“Entendo que não deveríamos ter nenhum limitador percentual como parece ser hoje de 20%, mas sim uma análise profunda dos créditos disponíveis e capacidade das distribuidoras de compensação atual e uma projeção que incorpore a perspectiva nas próximas revisões”, aponta.
Na visão do Chefe da Assessoria Especial de Assuntos Econômicos em exercício do MME, Gustavo Gonçalves Manfrim, é notório que nesse ano há uma pressão grande sobre as tarifas, mas ele frisa que quanto a intensidade de aproveitamento dos recursos é preciso observar a capacidade das distribuidoras de suportar esse crédito, analisando o caixa para carregar valores financeiros descobertos olhando a sustentabilidade da prestação do serviço aos consumidores.
Em sua apresentação, o diretor-presidente da ABCE, Alexei Vivan, lembrou que o tributo em questão incide sobre o faturamento das empresas, com atribuição a pessoa jurídica, e que esse crédito só existe por conta de um trabalho diligente e eficiente realizado pelas concessionárias, que contrataram estudos, advogados e consultorias para conduzir essas questões por mais de uma década. “Formalmente não é um meio automático para redução da tarifa, requerendo um tratamento por parte da Aneel”, disse.
Outro ponto relevante que a discussão traz, segundo Vivan, é a segurança jurídica e estabilidade regulatória em respeito aos contratos e a norma do regulador, fatores preponderantes para atração de investimentos num setor em que os players precificam o risco, o que pode aumentar a conta de energia. “Não vamos conseguir reduzir as tarifas de forma sustentável incentivando ineficiência. Isso é temporário e pode ter efeito rebote lá na frente”, ponderou.
Problema são tributos e subsídios
O executivo ressaltou que tarifas mais altas não representam necessariamente mais lucro para as distribuidoras, que ficam com apenas 23% do valor da fatura para operar, investir e ter lucro, sendo o problema principal os 77% restantes de encargos, subsídios, tributos e compra de energia como aconteceu na crise hídrica.
Visão semelhante foi compartilhada pelo diretor Institucional e Jurídico da Abradee, Wagner Ferreira, que salientou o recolhimento de R$ 106 bilhões por ano em tributos e encargos do serviço de distribuição, algo em torno de 40% do conjunto de custos. Ferreira propõe então uma redução estrutural imediata de 20% nas tarifas, diminuindo a alíquota de ICMS para até 17%, segundo último julgamento do STF, e não tributando o ICMS e taxas federais sobre a CDE, somando R$ 48 bilhões nesses dois itens.
Completam o quadro R$ 50 bilhões vindo da reforma tributária e R$ 10 bilhões com redução ou exclusão de subsídios desnecessários. “A conclusão é de que quase 50% do que é pago pelo brasileiro na conta de energia vem de tributos e subsídios”, define, afirmando ser possível resolver pelo menos 35% da conta de luz por esse caminho.
Por sua vez o presidente-executivo da Abrace, Paulo Pedrosa, chamou a atenção que a correção dos problemas estruturais do setor contribuiria com uma redução de R$ 100 bilhões ao ano frente aos R$ 350 bilhões de custos, redução de 31%, e que apesar da preocupação legítima do governo com o pequeno consumidor, a Abrace tem pautado em como o aumento do preço da energia impacta não só na fatura mensal mas por outros caminhos, como nos produtos que compramos e que tem seus custos de produção atrelados a questões energéticas.
“Afeta a economia muito além da conta de luz e do posto de gasolina. Somos o país da energia barata e limpa mas isso tem que chegar aos consumidores, eliminando quase 50% de penduricalhos agregados, além da pouca competitividade no setor, com áreas privilegiadas em alto tratamento e pouco risco”, avalia.
Ele cita oportunidades de ganhos concreto com aumento da eficiência, alocação correta de riscos, modelo de preços, e menos agentes oportunistas alocando custos em outras cadeias ou ao consumidor. “Ano passado novos custos foram incorporados e estão ajudando nessa explosão, com as termelétricas distantes que exigirão gasodutos, prorrogação do Proinfa e recontratando energia cara e reserva de mercado para PCHs, além de aumentar subsídio das distribuidoras e prorrogar o do carvão”, resumiu.
Especificando o recuo dos R$ 100 bilhões, cerca de 3% seria oriundo do aumento da eficiência na geração, 3% nas áreas de distribuição e transmissão, 2% no combate a perdas e 17% na redução de encargos e subsídios sem diminuição na base de arrecadação de impostos. “Voltaria ao consumidor através de uma conta de luz menor e redução no valor dos produtos adquiridos e fabricados com a utilização da energia elétrica”, finaliza.
Em resposta aos debatedores, o senador Fábio ponderou que uma discussão como a dos tributos e subsídios na conta de luz não afasta a outra referente aos R$ 60,3 bilhões de créditos, ressaltando que “dinheiro na mesa é uma solução prática” e que precisa ser implementada de forma contundente e isonômica a todos os consumidores de todos os estados, inclusive aqueles que já tiveram as revisões tarifárias mas que não foram aplicadas a devida metodologia, propondo revisões tarifárias extraordinárias específicas.
Remuneração das distribuidoras
Sobre o ponto colocado pela Abradee e ABCE quanto ao esforço feito pelas empresas para poder ficar com parte desse crédito, o parlamentar entende que o recurso pertence integralmente ao consumidor e que qualquer concessionário de serviço público deve estar “imbuído de um espírito público de ser diligente na gestão e administração da concessão”, afirmando que o consumidor não era uma parte legitimada na época a buscar seu direito, só havendo a distribuidora para esse papel.
“Nesse caso não há de se falar em remuneração adicional por cumprir o seu papel e defesa do seu principal cliente, ainda mais quando recebe todos os recursos na administração da concessão e os acionistas pelos lucros que vem auferindo especialmente nos últimos anos, com ajuda da inflação”, explicou.
Ademais o senador destacou que uma possibilidade, haja vista o caixa saudável dessas empresas, seria delas anteciparem a compensação mediante uma remuneração adequada para esse repasse mais ágil em benefício ao consumidor, cabendo a Aneel avaliar essa questão. A próxima audiência pública interativa está marcada para o dia 20 de maio, às 9 horas.
Por fim, o deputado federal Danilo Forte (União-CE) ressaltou, em reposta ao debate, que em nenhum momento da audiência foi falado sobre quebra de contratos, mas admite ser preciso rever alguns, como no caso da Enel no Ceará. “É um absurdo, sem possibilidade de índice de remanejamento do reajuste e tendo uma térmica que não rodou no ano passado, a UTE Fortaleza, mas que teve um lucro de R$ 300 milhões, sendo um ativo do mesmo grupo da Enel. Tem que ter alguma clareza e diálogo para uma equação que seja viável”, concluiu.