Com a intensificação dos fenômenos ligados às mudanças climáticas nos últimos anos, como cheias, ciclones, calor extremo e seca, uma discussão atual no setor elétrico recai na representação dos reais riscos desses eventos extremos para a operação e dimensionamento das cadeias de produção, transformação e fornecimento de energia. A preocupação recai também sobre o planejamento de expansão nos próximos anos, levando em consideração a análise dos impactos variados que podem influir ao equilíbrio entre a oferta, demanda e qualidade da rede, além da própria descarbonização, que se não levada a sério pode aumentar esses efeitos.
Durante um workshop organizado pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e pela PSR nessa quinta-feira, 23 de junho, o diretor-executivo da consultoria, Rafael Kelman, destacou que a hidroeletricidade responde atualmente por 110 mil MW junto ao Sistema Interligado Nacional (SIN) e será o principal recurso por um bom tempo para geração, o que exigirá uma melhor adequação do planejamento sobre o que acontece nos rios, com avanços em questões metodológicas.
“As mudanças climáticas modificaram a premissa básica e histórica de que as vazões do futuro repetem as do passado, chamada estacionária, de uma série temporal que mantém suas médias e variantes. A questão é qual a implicação disso em termos de fontes, num fator que mexe em toda lógica do setor”, aponta.
Pensando nas hidrelétricas Kelman salientou a existência de um certo consenso na literatura de que o Nordeste ficará mais seco, o Sul mais úmido e as outras regiões do país sem grandes alterações. “Mas e as eólicas, solares, biomassa, o que acontece com essas fontes, que também são sensíveis ao clima?”, pondera o executivo, lembrando de um caso recente em que o Canadá registrou ondas de calor de 50 graus.
A Assessora Técnica da Divisão de Estudos Elétricos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Renata Nogueira, ressaltou que algumas ações já vem sendo tomadas pela entidade no sentido de incorporar a chamada resiliência climática e quais seriam os efeitos ao planejamento, lançando estudos de sensibilidade mesmo que ainda sem associá-los a determinadas probabilidades num primeiro momento.
“Não incluímos no planejamento em si ainda pelo desafio da assertividade na previsão dos eventos extremos dimensionando a matriz, pela incerteza ainda grande e que gera uma série de críticas”, explicou a especialista, afirmando que a abordagem incipiente visa incorporar benefícios como a produção de informações para aprimoramentos ao longo do tempo.
Mudança no padrão das vazões
Além disso Renata informou que a EPE concluiu recentemente os estudos de sensibilidade para um trabalho extra ao PDE 2031, estando em fase de avaliação nesse momento pelo Ministério de Minas e Energia. Um dos pontos a serem apresentados e discutidos junto ao mercado trata de uma possível mudança de padrão nas vazões afluentes aos reservatórios no histórico recente. São dez anos de vazões abaixo da MLT e que impõe um cenário desafiador em debate.
“O que seria desse cenário de 2031 se fosse detectado uma situação futura diferente do que está sendo utilizado para o planejamento da matriz? Para isso pegamos os últimos anos para entender quais seriam os efeitos ao sistema”, complementa.
Quanto aos desafios ela resume na complexidade para identificação dos cenários ligados ao aquecimento global e o mapeamento dos fenômenos extremos para o setor, tendo que lidar com probabilidades através de revisões bibliográficas e estudos que estão sendo lançados. “O desafio é de dados, mas temos uma primeira sugestão para discutir o planejamento da expansão com outros agentes como ONS, CCEE, MME”, indica a assessora técnica da EPE.
Por fim Renata Nogueira também destacou a abertura de uma consulta pública da instituição de pesquisa para estruturar uma modelagem de informações relacionadas a adaptação às mudanças climáticas, reunindo alguns conceitos e indicadores, sendo esse também um passo inicial para incorporação aos novos estudos de planejamento.