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As termelétricas Candiota III e Pampa Sul, ambas localizadas no município de Candiota (RS), lideram o ranking elaborado pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) sobre as usinas conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN) que mais emitiram gases de efeito estufa (GEE) por eletricidade produzida em 2020. Segundo o estudo empreendido e publicado pelo instituto nessa quinta-feira, 30 de junho, os dois empreendimentos gaúchos geraram 1.327 e 1.302 toneladas equivalente de CO2 no período.
Porto do Pecém II (CE), Jorge Lacerda I, II e III (SC), Arembepe (BA), Jorge Lacerda IV (SC), Porto do Itaqui (MA), Porto do Pecém I (CE) e Global I (BA) completam a lista das dez UTEs com as maiores taxas de emissão de dióxido carbono equivalente. Para elaboração do levantamento, os GEEs provenientes da operação de cada termelétrica foram estimados multiplicando fatores de emissão pelos consumos de combustíveis, usina a usina, usando a base de dados do Ibama e em alguns casos consultando os empreendedores, já que haviam dados incongruentes ou ausentes para mais de 20 usinas.
“Foi um trabalho hercúleo, visto termos problemas de transparência quanto aos dados ambientais no Brasil, que não estão disponíveis de maneira fácil para sociedade”, comentou o diretor-presidente do IEMA, André Luis Ferreira, durante a coletiva de apresentação do inventário inédito e que terá periodicidade anual, com o próximo, referente a 2021, devendo ser publicado ainda nesse ano.
Candiota III está em operação desde 2011 e passou por processos de modernização como uso do carvão beneficiado (CGT Eletrosul)
O executivo adiantou que os dados colhidos até o momento apontam para crescente utilização das térmicas fósseis para minimizar o risco de atendimento à demanda no ano da crise hídrica, sendo possível prever um crescimento substancial de 77% nas emissões totais das UTEs brasileiras no ano passado em relação a 2020.
“Pelo consumo de gás e despacho das usinas vamos alcançar cerca de 96 TWh, numa geração responsável pela emissão de 58 milhões de toneladas de CO2e”, completou, citando também a questão da mudança nos limites de inflexibilidade dessas usinas no ano passado como outro ponto a favor ao aumento das emissões.
O parque térmico coberto no levantamento publicado hoje é formado por 72 usinas conectadas ao SIN: 36 movidas a gás natural como combustível principal, oito a carvão mineral, 17 a óleo combustível e outras 11 a diesel. Juntas produziram 54,1 TWh de eletricidade e emitiram 32,7 milhões de toneladas de CO2e em 2020. Outro dado é que a quase totalidade das emissões inventariadas (94%) foi proveniente de apenas metade dos ativos fósseis ligados à rede elétrica nacional.
Além de trazer as emissões das centrais, a pesquisa apresenta as gerações de eletricidade nessas usinas, bem como suas respectivas eficiências energéticas. No ranking de eficiência os ativos movidos a carvão mineral ocupam as piores posições, tendo quatro entre as cinco com os menores índices e que precisam queimar mais combustível, gerando mais GEE por GWh produzido. Já na outra ponta estão as centrais de ciclo combinado a gás natural, como Termopernambuco (PE), Baixada Fluminense (RJ) e Ibirité (MG).
O Inventário também traz como destaque o fato de as emissões estarem concentradas em um número relativamente pequeno de usinas, o que fica ainda mais evidente ao se constatar que as dez térmicas que mais emitiram foram responsáveis por quase metade (49%) do CO2e contabilizado na pesquisa.
Expansão exige alternativas
Na avaliação do IEMA a diminuição gradual da participação da hidreletricidade na matriz, tanto em geração quanto em termos de novos projetos, abriu espaço para o crescimento das fontes eólica e solar, mas deu também vantagens argumentativas para o incremento da utilização das UTEs, que hoje respondem por 14% da energia produzida no país. O pretexto utilizado é da intermitência e segurança ao sistema no suprimento de potência, além de outros fatores, como a viabilização econômica do gás natural nacional advindo do pré-sal.
“A narrativa para uso das térmicas é a variabilidade das renováveis, mas isso é algo do passado. Hoje temos outras possibilidades e a chave é o armazenamento complementando essas variações”, destaca Ferreira, salientando o uso das hidrelétricas existentes com reservatórios como uma grande bateria há curto e médio prazo no Brasil, numa outra forma de operar.
Ele lembra que investir em termelétricas e construção de gasodutos vai aumentar muito o capital dos empreendimentos e consequentemente dos players, que teriam que operar seus ativos por um período considerável para recuperar os investimentos. “Baterias acopladas em usinas centralizadas é algo que está acontecendo no mundo e isso precisa ser discutido muito mais do que é hoje no Brasil, assim como o hidrogênio verde para o futuro”, acrescenta.
Segundo o diretor-presidente, a ideia do instituto com suas publicações é produzir informação técnica para subsidiar o aperfeiçoamento e elaboração de políticas públicas em energia e transporte, objetivando uma matriz geracional limpa e inclusiva no longo prazo. Outra proposta do grupo é buscar discutir alternativas a essa produção de energia altamente poluente, trabalhando atualmente também com foco na universalização do acesso à energia na Amazônia.
“O que o IEMA faz é qualificar o debate sobre o contexto atual do setor elétrico, que apresenta elevados riscos para os planos de descarbonização rumo a uma matriz 100% renovável, bem como para a melhoria da qualidade do ar. Infelizmente o que temos visto é o país caminhar na direção oposta, com a expansão dos complexos termelétricos que impõe outros impactos ambientais”, resume Ferreira.
Por sua vez, o pesquisador do IEMA e um dos autores do estudo, Felipe Barcellos e Silva, salientou que será interessante analisar as tendências de descarbonização do setor à medida que os próximos inventários anuais tragam um histórico de comparação, informando ainda que o segmento energético responde atualmente por 20% das emissões de carbono no país, dado que está aumentando pelas termelétricas. Já o desmatamento e atividades agropecuárias respondem por mais de 66% desse quadro.
Licenciamento é prática frágil
Durante a coletiva André Ferreira demonstrou preocupação com a ascensão de polos de geração como Porto do Açu, com quase 6 GW licenciados e outros como Macaé, Pecém e Suape, que reúnem a poluição em um só local. Outro fator é o estresse hídrico por conta da utilização de água para resfriamento dos sistemas e a competição no despacho energético com as renováveis, sem contar no aumento na conta de luz dos brasileiros.
“Precisamos avançar em uma avaliação ambiental integrada e estratégica, não entre ativos isolados mas ter um zoneamento onde já se informa ao mercado onde, diante dos riscos socioambientais, não se pode construir uma usina, aliviando o próprio trabalho do licenciador e podendo constar na elaboração dos leilões”, explica.
Na análise do executivo, o licenciamento ambiental brasileiro não tem sido suficiente para minimizar os riscos socioambientais das termelétricas, afirmando que as agências ambientais estão completamente desestruturadas, especialmente o Ibama no governo atual. “O que se nota é um despreparo e insuficiência de recursos e pessoas, o que faz do licenciamento uma prática frágil e infelizmente o setor elétrico não tem dado muita importância a isso”, aponta.
A publicação também é oportuna quando se atenta para o médio e longo prazo, com a previsão de implantação de 8 GW em termelétricas a gás espalhadas em todas as regiões do Brasil – que entrarão no sistema entre 2026 e 2030 – e com a postergação de subsídios e da vida útil de usinas a carvão mineral até 2040.
Questionado sobre o ritmo dos desinvestimentos em carvão mineral no país, André ponderou que quando se fala em transição energética justa é preciso levar em consideração também outros aspectos fora os ambientais, como sociais e econômicos. “Precisamos fazer isso de forma a respeitar os empregos e a situação socioeconômica das regiões”.