A Justiça do Rio de Janeiro determinou a imediata suspensão da instalação e operação das quatro térmicas flutuantes previstas pela Karpowership na zona portuária da Baía de Sepetiba, região metropolitana da capital fluminense. Na decisão publicada na última sexta-feira, 22 de julho, a juíza da 2ª Vara da Fazenda Pública do RJ, Georgia Vasconcellos da Cruz, questiona a deliberação da Comissão Estadual de Controle Ambiental que dispensou a apresentação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) para o empreendimento.
Segundo o Instituto Internacional Arayara, que protocolou o pedido corroborado pelo promotor do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), Carlos Frederico Saturnino, a magistrada entendeu como “frágil e insustentável” a argumentação do Instituto Estadual do Ambiente (Parecer nº 06/2022/INEA) ao se manifestar favorável à inexigibilidade dos estudos ambientais para as UTEs, visto o próprio órgão descrever os ativos como potencialmente causadores de significativo impacto ambiental.
“No mínimo contraditória a conclusão do Parecer acima, uma vez que ressalta o potencial poluente do empreendimento, mas entende desnecessário o estudo de impacto ambiental (EIA)”, apontou a juíza em seu despacho, instituindo multa diária de R$ 50 mil por descumprimento da ação.
A ONG atua prioritariamente na agenda de transição energética justa e sustentável, tendo sido uma das primeiras organizações a se manifestar contrária à instalação das termelétricas em navios na Baía de Sepetiba (RJ). Para a instituição essa é uma região extremamente sensível aos aspectos ambiental e social e por contribuir com as mudanças climáticas e com o “racismo energético”, causando ainda mais aumento da tarifa de energia.
Pelo menos um dos navios usina já atracou na Baía de Sepetiba e empresa diz que não foi notificada da decisão judicial (Arayara/Associação dos pescadores)
“A região é habitat do boto-cinza, espécie ameaçada de extinção, e concentra comunidades de pescadores artesanais que dependem da atividade para seu sustento. Além disso a Baía de Sepetiba é declarada área de relevante interesse ecológico conforme Art. 269 da Constituição Estadual do Rio de Janeiro”, refere a organização em nota enviada à imprensa.
Decisão é amparada em ação de 2006
A diretora executiva da Arayara, Nicole Figueiredo de Oliveira, explica que a suspensão das atividades da Karpowership foi amparada por uma decisão da Justiça do RJ em 2006, que condenou o estado a se abster de dispensar a realização de EIA-RIMA para as modalidades de empreendimentos previstos na Resolução CONAMA nº 01/86.
“A inexigência de estudos ambientais prévios para que a Karpowership pudesse instalar seu complexo de usinas térmicas flutuantes descumpre uma sentença judicial. Isso já caracteriza irregularidade grave, sem contar o atropelamento dos processos de licenciamento e os danos ambientais já causados à região”, adverte.
Na avaliação do diretor técnico do Observatório do Petróleo e Gás (OPG), Juliano Bueno de Araújo, a decisão pacifica o setor elétrico, que via distorção e excesso privilegiado por parte da Aneel. “O Brasil precisa de tarifas energéticas baixas e limpas, e infelizmente a condução da política energética brasileira caminha para um super aceleramento de uma matriz energética fóssil e cara, tornando nossa tarifa uma das mais caras do mundo.” completa.
Boto-cinza é uma das preocupações na Baía de Sepetiba e denúncia aponta que pescadores não teriam sido consultados durante licenciamento (Instituto Boto Cinza/EBC)
Descumprimento de prazos
As térmicas embarcadas da Karpowership somam 560 MW potência. Foram contratadas no leilão emergencial de energia de reserva do ano passado, como parte das medidas de enfrentamento da crise hídrica. Nicole lembra que a medida provisória que originou esse processo foi a MP 1.055/2021, famosa por incluir “jabutis” para favorecimento de empresários. Essas usinas representam quase a metade (47%) da energia contratada, que foi de 1,2 GW, proveniente de 17 ativos.
“Apenas um desses empreendimentos usa biomassa como combustível. As demais usinas seriam movidas a gás natural, a um custo de R$ 1.598/MWh – valor sete vezes mais caro que o observado nos últimos 10 leilões de energia nova, desde 2015.”, destacou a diretora.
Apesar de ainda haver possibilidade de recurso à decisão judicial, a executiva acredita que a instalação dos navios usina da empresa turca se inviabilize definitivamente, considerando que o prazo final estipulado pela Aneel para que as usinas entrem em operação termina em 1º de agosto. Um dos navios chegou a atracar no Porto de Itaguaí, no último sábado, e outros estão previstos para chegarem nessa semana.
“Essa decisão da Justiça foi uma vitória importante para a população do Rio de Janeiro e de todo país, pois seria um grande equívoco operar usinas em meio a um santuário ecológico. Mas nosso trabalho não termina aí, considerando que já existe um passivo ambiental a ser reparado”, finalizou Nicole, referindo-se à dragagem da baía e ao desmatamento de uma área equivalente a seis hectares para a instalação das linhas de transmissão.
Resposta da empresa
Questionada pela Agência CanalEnergia, a Karpowership informou que não foi notificada oficialmente sobre a decisão, não podendo por esse motivo se manifestar. A empresa afirmou que segue comprometida com suas operações no país, cumprindo os prazos desafiadores estabelecidos pela agência reguladora, e que seguirá respeitando toda legislação.
“O projeto cumpriu todos os trâmites do órgão ambiental e todos os estudos de impacto ambiental necessários foram entregues”, diz a nota. A companhia reforça também que o projeto apresenta baixo impacto ambiental, especialmente quando comparado a outras térmicas, sendo de rápida mobilização e desmobilização, além de utilizar gás natural. O ativo ficará alocado na região portuária, própria para este tipo de operação, por 44 meses e próximo à subestação de Furnas, facilitando a conexão ao sistema.